sábado, 27 de dezembro de 2014

O bom piloto...

Fabiano era piloto da força aérea. Pilotava um caça. Obsoleto segundo critérios tecnológicos considerados avançados, mas era o melhor que se poderia ter para o momento diante da escassez de recursos destinados às forças armadas de um país terceiromundista, pobre, raquítico, ainda que considerado, talvez com certo ar de gozação, um país emergente. Emergente de onde? Das catacumbas do inferno? Do meio das vísceras magmáticas do vulcão Pelée? Sei lá! Não sei. Até pra coisa séria nunca tem verba. Educação. Saúde. Nem pensar. É que a máquina do Estado é grande, pesada. Engrenagens emperradas. Enferrujadas. Dinossauro carnívoro que devora todo o disponível pra se manter arrastando. E o poder judiciário, então? E o poder legislativo? Ah! Deixa pra lá...
Fabiano pilotando seu caça costumava dar piruetas no ar. Não só no ar. Na terra também. No último baile de aniversário da corporação entre passos de bolero e requebros de tcha-tcha-tchá acabou, lá pelo meio da festa, se enroscando nos cachos negros da cabeleira de Rosalinda. Antes do baile terminar, suas línguas já tinham feito várias íntimas confissões, no escurinho do jardim contíguo ao salão, ao som de merengues e de foxtrotes distantes. Quando a banda atacou um dobrado, Fabiano não resistiu ao vigor dos acordes, se dobrou todo e atacou Rosalina e, embora não sendo da cavalaria, cavalgou a moça com todo o desembaraço de um cavalariço experiente daquele tipo específico de montaria. Ela, por sua vez, corcoveando como uma égua no cio, impôs ao brioso cavaleiro aéreo prova digna do melhor dos melhores peões de rodeio. Ao final da peleja, ambos, gozados e relaxados, pra alegria de todos e felicidade geral da nação, juraram amor eterno.
Rosalinda era filha de um tenente-coronel da força aérea e morava com a família numa das casas da vila militar vizinha ao quartel onde Fabiano servia.
Fabiano, no último Natal, levantou voo com sua esquadrilha por volta da hora do almoço para uma missão comemorativa daquela data tão significativa.
Rosalinda e sua família: o pai, o tenente-coronel; a mãe, do lar; os dois irmãos mais novos, estudantes, pertinazes puxadores de um baseado; as duas irmãs mais velhas solteironas, uma funcionária de carreira do ministério das relações interiores, a outra funcionária concursada da câmara; os avós paternos, ociosos; os avós maternos, também ociosos, enfim, todos os membros do núcleo duro daquela família, encontravam-se, naquele momento, reunidos na sala de jantar, em torno da grande mesa, iniciando o almoço comemorativo daquela data tão significativa, numa demonstração inequívoca de fé, esperança e caridade.
Fabiano, por puro exibicionismo, violando flagrantemente as regras de segurança de voo, ignorando represálias certas que adviriam daquele ato imponderado, mergulhou seu caça em direção à casa de Rosalinda. Quando estava dando o rasante bem sobre o telhado do lar da amada um problema qualquer no comando do leme do caça (houve a princípio suspeita de que houvera deficiência de manutenção; o exame da caixa-preta, porém, nada conseguiu revelar de conclusivo, tendo sido o processo arquivado por falta de provas uma vez que a caixa-preta não foi localizada) provocou a perda do controle da aeronave que se chocou com a casa explodindo bem no meio da sala de jantar.
Rosalinda e toda a família, infelizmente, apesar de toda a fé, pereceram no acidente.
Fabiano não teve melhor sorte. Sequer teve tempo de passar pelo purgatório. Foi direto pros quintos dos infernos.
Alguém, durante o velório, comentou, num tom que pareceu um tanto irônico: “É, o bom piloto não deve dar nunca rasante sobre a própria base.


(do livro “Contos Medonhos”)

sábado, 20 de dezembro de 2014

UMA HISTÓRIA DE NATAL

Era uma vez, não faz muito tempo, num lugar não muito distante, havia uma jovem muito bonita, mas muito maltratada. Seu nome era Sem Nome. Ela não conhecia nem pai nem mãe. Morava com uma bondosa mulher idosa, que Sem Nome chamava carinhosamente de madrinha, num barraco em uma das inúmeras favelas da cidade.
Sem Nome saía todos os dias bem cedo para trabalhar. Procurava sempre levar consigo sua filhinha de colo. Embora Sem Nome ainda não tivesse completado dezesseis anos já era mãe. Mãe solteira. A presença da pequenina no local de trabalho ajudava a incrementar as vendas. Sem Nome vendia chiclete em semáforo. A mercadoria não lhe pertencia, era fornecida por um importante comerciante através de uma rede de intermediários que explorava o trabalho de crianças e jovens carentes e abandonadas. O material era trazido do exterior de contrabando. Toda semana Sem Nome tinha de fazer a prestação de contas cabendo-lhe uma parte ínfima da receita apurada e recebia nova cota de caixas contendo envelopes de chiclete. Na maioria das vezes ficava devendo e o acerto era adiado para a semana seguinte.  
O céu azul claro sem nuvens daquela manhã anunciava um dia de sol intenso. Sem Nome, como de costume, saiu bem cedo para trabalhar, levando nos braços a filhinha. Mas as vendas naquele dia estavam fracas. Poucos carros circulando. A cidade estava anormalmente vazia. Devia ser por causa da data. Era dia de Natal. Com certeza a maioria das pessoas tinha ido viajar. Por volta do meio-dia Sem Nome resolveu parar de trabalhar e retornar para casa. Quando deixava o local notou um movimento mais intenso do que o normal embaixo do viaduto que havia nas proximidades do semáforo em que trabalhava. Ali viviam uns catadores de lixo reciclável que perseveravam em ali permanecer apesar das constantes incursões dos agentes da prefeitura na tentativa de expulsá-los. Num primeiro momento, Sem Nome julgou que a agitação fosse obra dos tais agentes, mas logo percebeu seu engano. De dentro de um carro enorme, imponente, estacionado ao lado do viaduto, pessoas bonitas, bem vestidas, distribuíam pequenos pacotes aos mendigos que se movimentavam alegremente em torno do grande carro fazendo algazarra.
Sem Nome aproximou-se. Uma das pessoas chiques de dentro do carrão acenou para Sem Nome e chamou-a: — Psiu, psiu, menina... pegue este presente. Feliz Natal para você e sua família — e estendeu para a menina uma pequena caixa embrulhada para presente.
Sem Nome agarrou o embrulho, piscando os olhos em sinal de agradecimento, deu um breve sorriso e com o coração quase saindo pela boca de tanta alegria afastou-se rapidamente. Estava tão contente que decidiu fazer uma extravagância. Foi de ônibus para casa. Ao chegar constatou que a madrinha não estava. Devia ter ido ao barraco da comadre que morava mais acima. A madrinha adorava uma fofoca. Colocou a filha no estrado improvisado de berço e correu abrir o pequeno pacote recebido de presente. Exultou de alegria quando viu o que tinha ganhado. Deu graças aos céus. Talvez agora conseguisse finalmente acertar suas dívidas com o atravessador. O presente era uma caixa fechada cheinha com envelopes de chiclete.    

(do livro “54 histórias que minha avó contava na Kombi”)
http://www.scortecci.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=8285&friurl=:-54-HISTORIAS-QUE-MINHA-AVO-CONTAVA-NA-KOMBI--Omar-Ben-Iamin-:

sábado, 13 de dezembro de 2014

Casa tomada

“Casa tomada” é o conto de abertura de Bestiário, primeiro livro de contos de Julio Cortázar, lançado em 1951. Nele, podemos depreender dois planos narrativos: um plano literal e um plano simbólico.
No plano literal, podemos dizer, em linhas gerais, que a história é narrada em primeira pessoa, por uma personagem masculina anônima “yo”, que vive apenas com sua irmã, Irene, um “silencioso matrimonio de hermanos”, numa casa espaçosa e antiga, herança de seus ancestrais, localizada em Buenos Aires, Argentina, numa época imprecisa, posterior a 1939. Os irmãos, ambos entrados nos quarenta anos de idade, vivem, isolados do mundo, uma rotina monocórdia de levantar cedo, fazer a limpeza da casa, preparar as refeições e depois, Irene, tricota, tricota obsessivamente, sentada no sofá do seu quarto, enquanto o irmão distrai-se com leituras de literatura, em geral francesa, ou examina a coleção de selos deixada pelo pai. Não precisam preocupar-se em ganhar a vida porque têm uma propriedade rural que lhes garante o dinheiro necessário para viver. Subitamente, a tranqüilidade do casal é rompida por sons imprecisos e surdos provenientes da parte não freqüentada da casa, que é isolada do restante da habitação por uma maciça porta de carvalho. Ao ouvir os estranhos sons o protagonista atira-se contra a porta “antes que fuera demasiado tarde, la cerré de golpe apoyando el cuerpo; felizmente la llave estaba puesta de nuestro lado y además corrí el gran cerrojo para más seguridad.” Fora essa providência, os irmãos procuram manter a rotina de suas vidas sem tentar conhecer a causa dos estranhos sons, sofrendo no início algum transtorno porque “ ambos habíamos dejado en la parte tomada muchas cosas que queríamos.” Após alguns dias, os estranhos sons passam para o lado de cá da maciça porta de carvalho, que estava bem trancada, e começam a tomar conta de toda a casa. Os irmãos, então, passiva e melancolicamente, abandonam a casa, com o narrador, em derradeira providência, trancando bem a porta de entrada e jogando a chave no bueiro. 
No plano simbólico, a casa pode ser considerada como uma metáfora da memória do narrador, espaçosa e antiga, “guardaba los recuerdos de nuestros bisabuelos, el abuelo paterno, nuestros padres y toda la infancia.” Talvez, a sua memória genealógica onde mantém “necesaria clausura de la genealogia asentada por los bisabuelos”. E, quando um dia, ele morrer algum parente distante tomará posse dela. A casa é ampla, com muitos e diferentes ambientes, e tem uma maciça porta de carvalho, que quando aberta revela o quanto a casa é grande, mas que normalmente está encostada, delimitando o espaço existencial do narrador a uma pequena área da casa e deixando a maior parte dela isolada, só esporadicamente visitada para limpeza. Metaforicamente, a maciça porta de carvalho (logo, pode-se inferir, pesada e resistente) é o meio de controle sobre o ato de pensar e divide a casa-memória do narrador em dois compartimentos: a memória superficial e restrita das coisas mais próximas, do cotidiano, e a memória dos acontecimentos longínquos, pertencentes ao passado remoto, calcados nas profundezas da mente e ocupando-lhe largo espaço, lugar visitado de quando em quando para ser revivificado pela remoção da poeira que vai, implacavelmente,  depositando-se sobre os objetos-lembranças que ali se acumulam.
Irene, se nos remetermos a Hesíodo, é a divindade grega que juntamente com Eumônia e Dike simbolizam as Horas, deusas ligadas ao tempo de existência dos seres humanos, irmãs das Moiras, Cloto, a fiandeira, que tece o fio da vida, Láquesis, a distribuidora da Sorte, que atribuí a cada homem o seu destino, e Átropos, a que leva a tesoura com a qual corta o fio da vida. Admitido um deslocamento provocado pelo autor nas características de Irene, que passaria a ser fiandeira, e tricota obsessivamente sem parar, podemos associá-la metaforicamente ao tempo que tece inexoravelmente a trama da vida. Como é tempo transcorrido no espaço da casa-memória do narrador, é tempo mítico, circular, nome repetido trinta vezes nas poucas páginas do conto, metáfora do cotidiano   vivido pelo protagonista.
À metáfora casa-memória associa-se metonimicamente a metáfora Irene-tempo, estabelecendo o binômio espaço-tempo no qual o narrador vive as superficiais lembranças do seu dia-a-dia. Eis, porém, que do fundo da memória-casa começam a  manifestar-se estranhos e indesejáveis sons, imprecisos e surdos, emitidos por metafóricos fantasmas, ruídos-lembranças emanados do passado a perturbar o presente. A porta maciça de carvalho da memória-casa é rapidamente fechada e bem trancada, tentativa desesperada para impedir a invasão dos perturbadores ruídos em todo o espaço da casa-memória. Há um período de trégua no qual o protagonista tenta restabelecer a rotina de sua vida, embora sofra transtornos por ter deixado na parte tomada muitas coisas que desejava: “Estábamos bien, y poco a poco empezábamos a no pensar. Se puede vivir sin pensar.” Procura nos períodos de vigília afastar as lembranças, mas à noite, a mente é invadida (os parênteses são marca  concreta a indicar essa inserção) por agitados sonhos que “consistían en grandes sacudones que a veces hacían caer el cobertor”, entrecortados por “mutuos y frecuentes insomnios.
A trégua dura pouco. A maciça porta de carvalho é incapaz de manter os estranhos sons-lembranças confinados nas profundezas da casa-memória. Os indesejáveis ruídos passam para o lado de cá e invadem a casa toda : “Nos quedamos escuchando los ruidos, notando claramente que eran de este lado de la puerta de roble”. O narrador-protagonista, diante do avassalador assalto do passado em sua memória decide abandonar a casa, sai para a rua, deixando para trás tantos bens que lhe são tão caros, leva apenas a roupa do corpo e um relógio-pulseira. Irene larga os fios do tricô, tecedura mítica, que se estendem para o interior da casa. O tempo circular do passado deixa de operar, perdendo-se na casa-memória. O tempo passa a ser o tempo linear, cronológico, medido pelo relógio-pulseira, e muito desse tempo já se passou: “Ya era tarde ahora.” Mas o tempo mítico não é abandonado, o narrador sai da  casa abraçado à irmã (que talvez chorasse). Como derradeira ação, antes de afastar-se, o narrador, com pesar, tranca bem a porta de entrada e joga a chave no bueiro para evitar que algum pobre diabo venha a invadir a preciosa casa-memória, “la casa tomada” pelo seu passado.    


(do livro “Ensaios Desnecessários” – inédito)

sábado, 6 de dezembro de 2014

VOO CEGO

Todos nós. Todos talvez seja um pouco de exagero. Quiçá haja uma ou outra exígua exceção. De uma forma ou de outra, por bem ou por mal, sem querer ou com querer, sempre ou quase sempre, temos algum débito. Sempre ou quase sempre, temos alguma dívida, alguma coisa pendente, pequena ou grande, significativa ou insignificante, mesquinha ou magnificente. Mas isso, a rigor, não tem a menor importância, pois o que conta mesmo é a dignidade do dever cumprido. A mesma dignidade da mosca que voa resoluta em direção à teia da aranha.

(em "Crônicas Anacrônicas" – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime” (inédito)

domingo, 30 de novembro de 2014

POESIA... AFINAL PRA QUÊ?

Com a palavra o editor:
— Por ora não, por favor!
Poesia, nem pensar!
Não adianta enviar.
Aceite conselho sincero,
procure mudar de gênero,
biografia, autoajuda, romance,
talvez tenha maior chance.
Não julgue sermos uns brutos,
quem comanda é o mercado,
e para esse tipo de produto,
não tem jeito, fica tudo encalhado.
Exceção rara,
só se for autor muito consagrado.

O poeta tal desdita não abala.
Persevera em labor tão adverso,
voz das entranhas não se cala,
confia no valor do fazer versos.
Ignora da poesia a morte decretada
segundo o juízo do crítico badalado.
Segue arrancando do âmago da alma
amor, prazer, tristeza, dor, revolta, calma
para colocar em palavras ritmadas
ao dispor do coração da humanidade,
irrefreável impulso herança de remota antiguidade.


(do livro “Poesia... Afinal pra quê?”)

sábado, 22 de novembro de 2014

A Raposa e as Uvas

     A Raposa caminhava por um caminho que costeava a encosta de um morro, ainda inacessível, na época em que aconteceu este acontecimento, ao tráfego de diligência, embora houvesse forte tráfico de influência dos poderosos locais junto às autoridades constitucionalmente constituídas para mudar essa situação e transformar (o caminho) em rota comercial passível de possível exploração comercial, transformado (o morro), graças à diligência de laboriosas mãos de inúmeros trabalhadores braçais obrigados a trabalhar praticamente de graça, sem achar a mínima graça e jamais ouvir sequer um simples obrigado do prepotente patrão, serviçais que eram, do proprietário da terra, num magnífico parreiral de uvas cabernet sauvignon.
     O dia estava nublado, mas para a Raposa era como se estivesse um ensolarado dia radiante com os raios solares refletindo em cada grãozinho de areia do caminho. A Raposa era uma otimista. Olhava tudo pelo lado bom. Encarava tudo pelo lado positivo das coisas. Era uma assídua leitora de livros de auto-ajuda. Não por precisão, mas por convicção. Vivia feliz. Muito feliz. Mas, especialmente, naquela tarde, aliás, não só naquela, mas em todas as demais tardes, não só tardes, mas manhãs e noites também, que lhe pareciam todas esplendorosas, vinha satisfeita com a vida, não só com a vida, mas também com o estômago, e em paz com sua consciência raposável. Acabara de comer (literalmente) várias galinhas de um galinheiro nas cercanias pulando a cerca. Fartara-se sem sentir qualquer falta moral, pois, aprendera com seus pais, que por sua vez também tinham aprendido com seus pais (deles) etc., que as galinhas foram feitas por Deus para serem comidas, particularmente, pelas raposas e ela, apenas dava continuidade a tal privilégio histórico, mantendo assim uma espécie de tradição da sua espécie. Assobiava alegremente uma ária de Verdi quando, de repente, pôs tento em alguns cachos de uva do parreiral e pensou de si para si:
     — Oh! Como a mãe-natureza é maravilhosa. Vejam – pensou esse verbo nos seus respectivos: modo, tempo, número e pessoa, com um sentido genérico, indefinido, sem se dirigir [mentalmente] a ninguém especificamente – que belas uvas. Estão maduras (enquanto ela assim pensava, continuava assobiar a ária de Verdi). Uma sobremesazinha até que vai cair bem agora, depois de tanta galinha. E uva, dizem, é digestivo. Vou aproveitar a oportunidade e provar alguns cachos.
Porém, o otimismo da Raposa, talvez, perturbasse psicologicamente de alguma forma ainda desconhecida seu raciocínio e daí turvasse sua visão, pois as uvas não estavam de forma alguma maduras, as uvas estavam verdes. E bem verdes. Vendo uma escada deixada ali à beira do caminho, sempre movida pelo seu inseparável espírito otimista, exclamou (dela para ela mesma, uma vez que estava sozinha):
     — Louvada seja a boa alma que providencialmente deixou esta escada aqui à beira do caminho, certamente, para facilitar minha vida permitindo, assim, que eu apanhe as uvas sem necessidade de ter que dar aqueles pulos ridículos para tentar, inutilmente, apanhá-las, conforme sucedeu com minha ancestral protagonista de outra versão bem mais antiga desta fábula.
Puxou a escada para junto de um dos pés de uva; subiu; colheu alguns cachos; desceu; e passou a desfrutar da fruta fruto de sua colheita. Enquanto mastigava os bagos colhidos franzia a testa, fechava os olhos, de onde escorriam grossas lágrimas, cerrava os lábios, crispava a face e, em face daquela situação, pensava:
     — Ah! Como estão deliciosas — motivada por seu permanente otimismo, sem levar em conta o sabor acerbo da fruta verde.
     Degustado o acepipe, sob o ponto de vista otimista dela, é claro, recolocou a escada no lugar à beira do caminho, pois além de otimista era uma raposa ordeira, e retomou seu caminho. Mal deu alguns poucos passos, uma cólica fenomenal transpassou-lhe as tripas fulminando-a. Virou almoço de urubu.



(do livro “Contos Medonhos”)

sábado, 15 de novembro de 2014

OS DOIS SONHOS DE JOSÉ

Era uma vez um marceneiro de nome José. Ele vivia numa cidadezinha bem longe lá no meio do mundo. Tinha uma esposa que gostava muito dele e dois filhos que eram muito bonzinhos. A família morava numa casa pequena, mas bem construída e era casa própria. Tinham comprado com financiamento e já estava paga. José tinha sua marcenaria ao lado da casa. Não era uma marcenaria grande, mas era bem montada e tinha uma boa freguesia. A família vivia com simplicidade, sem luxo, mas era uma vida decente e em paz.
Uma noite, José teve um sonho muito estranho. Quando ele acordou contou para a esposa o sonho. Tinha sonhado com um tesouro escondido embaixo de uma grande pedra redonda à beira de um rio caudaloso.
Ele disse à esposa que ia sair em busca do tesouro sonhado. Quando ele o encontrasse ficaria rico.
A esposa ponderou que ele não devia fazer aquilo. Eles viviam bem. Uma vida modesta, mas eram felizes.
José não deu ouvidos à esposa. No mesmo dia fechou a marcenaria. Nem acabou as encomendas em andamento. Seus clientes ficaram na mão. Vendeu suas máquinas e ferramentas por um preço bem baixo para vender rápido. Deixou um pouco de dinheiro com a esposa. Guardou para si o restante do dinheiro numa carteira. Numa mala, arrumou objetos pessoais, uma pá e uma picareta para cavar, e saiu pelo mundo afora a procura da grande pedra redonda à beira de um rio caudaloso embaixo da qual encontraria o grande tesouro.
Andou. Andou. E andou. Perguntou pra um. Perguntou pra outro. Onde ficava a tal a pedra? Ninguém sabia. Alguns pensavam que aquele sujeito fosse lelé da cuca. Mas só pensavam não diziam nada.
Depois de ter percorrido muitos e muitos quilômetros; passado muitos e muitos lugares sem encontrar a grande pedra; seu dinheiro já praticamente no fim, caminhava ele desanimado por uma estrada deserta, quando cruzou com um homem muito estranho que vinha pela mesma estrada, mas em sentido contrário.
Era bem alto e magro. A cara era azulada. Os olhos fundos. O nariz curvado parecia um bico de gavião. A boca enorme, banguela, os dentes restantes bem amarelos. Talvez ele tivesse caído e batido de cara no chão porque na testa apareciam dois galos um tanto pontudos, um de cada lado da testa. Andava no chão duro pedregoso sem calçado. E os pés eram bem esquisitos. Davam a impressão de não ser pés humanos. Pareciam deformados como se fossem cascos. Usava uma capa preta que cobria todo o corpo; na parte traseira era gozado, a capa ficava meio levantada.
Sem que José nada falasse o estranho desconhecido lhe dirigiu a palavra dizendo que sabia onde ficava a pedra redonda que ele procurava e passou a explicar detalhadamente para José o caminho para chegar até lá. Terminou suas explicações não disse mais uma palavra e continuou sua marcha. José meio apalermado com o ocorrido se virou para dirigir a palavra ao homem e ficou apalermado inteiro. Ele tinha desaparecido.
José ficou em dúvida se acataria ou não a orientação do estranho. Concluiu que valia a pena arriscar e seguiu pelo caminho indicado. Andou certo tempo e encontrou um grande rio caudaloso. Ficou animado. Caminhou pela margem do rio mais um pouco e de repente seu coração disparou. Avistou a grande pedra redonda.
Correu em sua direção e começou a cavar. Cavou, cavou, cavou. Em toda a volta. Uma vala bem funda. Cavou mais. Mais fundo. Mais fundo. E nada de tesouro. Cavou até alta noite quando exausto não tendo mais forças desmaiou de sono.
Teve então outro sonho. No sonho aparecia uma árvore enorme, alta, com um tronco bem grosso. Numa parte do tronco tinha um buraco e lá dentro um mapa do esconderijo de um grande tesouro.
José acordou sobressaltado com o sol batendo em sua cara. Passou a recordar o sonho. Lembrou que bem do lado de sua antiga marcenaria tinha uma árvore igualzinha a do sonho. Afobado arrumou suas tralhas e partiu rapidamente para casa.
Chegou em casa ao entardecer. A esposa e os filhos o receberam com muita alegria. Todos estavam ansiosos com a sorte dele. A esposa também estava preocupada porque o dinheiro tinha acabado, só restava um pouco de mantimento, e ela não saberia como fazer para alimentar os filhos. Ainda bem que o marido tinha voltado a tempo trazendo o tesouro.
José não quis perder tempo com explicações supérfluas para a mulher. Descarregou a bagagem e sem mais delongas rumou para a antiga marcenaria. Ao lado lá estava a magnífica árvore tal qual a do sonho. E numa parte do tronco o buraco. Meteu a mão no buraco e apalpou um pedaço de papel. Seu coração disparou ainda mais forte do que quando avistou a enorme pedra redonda. Apesar da pouca luz do entardecer foi capaz de ler o que estava escrito. Para sua surpresa não era um mapa. Era um bilhete:
José, você tinha um bom trabalho, não ganhava fortunas, mas era um trabalho honesto que permitia a você e a sua família viver bem. Motivado por um sonho de ambição abandonou tudo o que já tinha conseguido com sacrifício e partiu para realizar seu desejo de mais conquista. Seu sonho ambicioso virou pó. A felicidade estava bem junto de você, em suas mãos, e você deixou que ela escapasse entre os dedos. Agora se você quiser voltar a sua vidinha simples de antigamente terá de recomeçar do zero. Boa sorte!



(do livro “54 histórias que minha avó contava na kombi”)

sábado, 8 de novembro de 2014

A pintura de Ismael Nery sob o olhar poético de Murilo Mendes

O poeta Murilo Mendes (Juiz de Fora, MG, 1901 – Lisboa, 1975) conheceu o pintor Ismael Nery (Belém, PA, 1900 – Rio de Janeiro, 1934) em 1921. Imediatamente tornaram-se grandes amigos. A amizade entre os dois artistas perdurou intata e intensa até o instante final da vida do pintor. Murilo foi um fervoroso admirador de Ismael. Assim, podemos afirmar que ninguém melhor do que esse poeta para revelar literariamente esse pintor. E isso, acreditamos, foi feito no poema:

“Saudação a Ismael Nery”

Acima dos cubos verdes e das esferas azuis
um Ente magnético sopra o espírito da vida.
Depois de fixar os contornos dos corpos
transpõe a região que nasceu sob o signo do amor
e reúne num abraço as partes desconhecidas do mundo.
Apelo dos ritmos movendo as figuras humanas,
solicitação das matérias do sonho, espírito que nunca descansa.

Ele pensa desligado do tempo,
as formas futuras dormem nos seus olhos.
Recebe diretamente do Espírito
a visão instantânea das coisas, ó vertigem!
penetra o sentido das ideias, das cores, a tonalidade da Criação,
olho do mundo,
zona livre de corrupção, música que não para nunca,
forma e transparência. (3)
           
Poema pertencente ao bloco nomeado de “A Cabeça Decotada”, composto de dois poemas (o outro é Mapa), do primeiro livro de poesias de Murilo Mendes intitulado Poemas composto entre 1925 e 1929. Nesse poema uma persona lírica, em terceira pessoa, saúda o pintor Ismael Nery poetizando o processo criativo e a postura metafísica do artista plástico. O poema tem uma estrutura irregular em duas estrofes: a primeira com sete versos, a segunda com oito. Rima ausente – versos brancos, métrica não uniforme – versos livres, procedimento criativo poético coerente com o momento modernista de composição do poema que se abre com um verso criador de um espaço pictórico geometrizado e colorido: cubos verdes, esferas azuis, contraposto a um verso de natureza mística: Ente magnético, espírito da vida. Volta ao plano físico pela indicação de um dos aspectos da técnica criativa do pintor que faz os esboços das suas figuras humanas fixando os contornos dos corpos, seguida de nova fuga para o etéreo, região do signo do amor, partes desconhecidas do mundo. Retorno ao concreto com as figuras humanas movendo-se ritmicamente, mas que se desvanecem pela solicitação das matérias do sonho. A persona lírica termina a primeira estrofe apontando para o infatigável labor intelectual do pintor, espírito que nunca descansa.
Na segunda estrofe mais detalhes do ato criativo e da conduta metafísica do pintor. Ele procura abstrair-se do inexorável transcorrer do tempo, recebendo, sem intermediários, num instante vertiginoso, de um ente superior, a visão do mundo em formas que, adormecidas nos seus olhos, são despertadas dentro do tom do ato criativo, com as cores e os conteúdos que lhes são os mais pertinentes, num incorruptível espaço-tempo em moto-perpétuo, aliando forma e transparência, novamente confronto do material com o imaterial.
O advérbio de lugar Acima que abre o poema define um plano espiritual colocado em posição mais elevada do que a do plano material (mundano), metaforizado em cubos e esferas. Esses dois planos vão, então, do início ao fim do poema se antepondo e se imbricando. Um Ente magnético do plano mais elevado viabiliza – soprando o espírito da vida – o ato criativo do artista, colocado no plano material. Ele adquire então a competência necessária para criar artisticamente passando a agir no plano material, mas em estreita interligação com o plano espiritual – fixa contornos de corpos, transpõe região do amor, reúne partes desconhecidas do mundo, pensa atemporalmente formas, recebe visão do Espírito, penetra o sentido de cores e ideias – sendo ao final, recompensado do seu esforço pela realização da obra que tem seu componente material na forma e seu componente espiritual na transparência.
O poema, assim, em seu nível textual profundo constitui-se de uma oposição entre o espiritual e o material. Tal oposição pode gerar uma relação conflituosa (do verbo latino confligo, ere – bater, lutar, (mas também – juntar, unir)), certamente não isenta de tensão, que não vai ocasionar, entretanto, ruptura, ao contrário, vai tender à harmonização, à complementaridade. Há na verdade uma conciliação de contrários a partir de um processo dialético artístico pelo qual é atingida a síntese, isto é, realiza-se a obra.                      
Se agora, afrouxarmos um pouco o fio condutor da nossa análise do poema, mantida até aqui tanto quanto possível, limitados que somos por parca competência, dentro daquilo que entendemos como o conteúdo imanente do poema, e deixarmos que ela se contamine por algum biografismo podemos afirmar que o poema mantém estreita relação de fidelidade com a vida e a obra do pintor. A influência cubista que Ismael sofreu em sua pintura reflete-se nos cubos (e esferas). A marca surrealista na solicitação das matérias do sonho. E a presença quase que obrigatória da figura humana, nos quadros, aquarelas e desenhos que o pintor realizou, no fixar contornos dos corpos e no ritmos movendo figuras humanas. O próprio Murilo Mendes escreveu entre 1948 e 1949 vários artigos sobre Ismael Nery resumidos e reunidos em livro homenageando os cinquenta anos da morte do pintor (4). Aí podemos ler:

“O problema para os pintores mais jovens não é evidentemente ultrapassar Picasso (quando poucos na verdade poderiam atingi-lo), mas sim recolher sua lição, e tomar um caminho diverso. Foi o que fez Ismael Nery.” (p. 105)

“Ismael era um partidário da absorção das correntes de ideias que vão surgindo no transcurso dos tempos; não se poderia mostrar indiferente a uma teoria que vinha ampliar a zona de conhecimento, produzindo ressonâncias particulares no plano da arte. Não era um surrealista ortodoxo, mas tirou partido da doutrina.” (108)

            “Conforme acentuei, seu [de Ismael Nery] estudo predileto era o da figura humana.”(p. 106)

“Ismael Nery um artista interessado em exprimir a unidade da vida humana através de suas múltiplas manifestações. /... / procurou sempre extrair o eterno do transitório //... / nunca ter chegado à desumanização total; empregava muitas vezes a deformação – processo abstrato que remonta a vários séculos - mas demonstrando sempre respeito pela figura humana.” (108)

Ainda nessa mesma obra (op. cit. (4)), Murilo faz reverberar em prosa, mais de vinte anos depois da composição do poema, o conteúdo de alguns trechos de seus versos – um Ente magnético; Recebe diretamente do Espírito; espírito que nunca descansa; música que não para nunca –:

“Chamem a isto poder mediúnico, poder magnético, o que quiserem. //... / cumpre-me dizer que estou convencido de que ele [Ismael] era iluminado pelo Espírito Santo. (p. 95)
Pintava rapidamente e apagava logo; debaixo dos quadros que deixou, existem outros, pois, quando não apagava, pintava por cima. Tantas ideias e sugestões lhe vinham à cabeça que não tinha paciência para pousar a mão num trabalho lento: o intelectual sufocou o artesão. Desenhava com espantosa facilidade //... /”  (p. 95)

A percuciência intelectual associada ao afogadilho artesanal do pintor também não passaram desapercebidos a  Mário de Andrade que em artigo (5) datado de 1928 incluído na mesma obra em homenagem aos cinquenta anos da morte do artista afirma:

“//... / Ismael Nery pesquisa, assimilando todos os outros para ser mesmo ele só e o que é melhor, para ser quanto mais alto possa ser. E a contradição da rapidez com que pinta, no fundo ainda explica o indivíduo que pintando se limita a copiar uma criação já toda feita no espírito, toda completada no pensamento e que se fica por acabar na realização é porque não satisfez e não interessa mais o artista. “(p. 60)   

Para Murilo Mendes, Ismael Nery era um ser de extraordinário dinamismo e de “uma prodigiosa compreensão das formas plásticas” às quais impregnava de uma “sensualidade universal” após passarem pelo “batismo de sua visão”, mantendo simultaneamente contato estreito “com o plano intemporal”, por meio de sua religiosidade (era católico ardoroso), rompendo os limites do mundo físico e penetrando no mundo metafísico. A arte de Ismael Nery poderia ser colocada na equação: “sensibilidade micrométrica + visão intemporal dos acontecimentos”. (6) Essa intemporalidade – revelada no verso: Ele pensa desligado do tempo – era o ponto central da doutrina desenvolvida por Ismael, que Murilo nomeara de essencialismo. Em linhas gerais, essa doutrina propugnava que, para superar os aspectos trágicos de suas vidas, os seres humanos deveriam abstrair-se da noção de tempo. Todo o mal que aflige o homem moderno resultaria do fato de que ele fundamenta seu espírito na ideia de tempo e “o tempo traz no seu bojo a corrupção e a destruição.” Com a intemporalidade conquistar-se-ia o definitivo, o permanente, inatacáveis, incorruptíveis pelo tempo –  conceito que nos permite compreender a passagem do poema: zona livre de corrupção – sendo o catolicismo o caminho que levaria a essa conquista.   
Murilo Mendes nesse poema epidítico a Ismael Nery mantém-se fiel ao sentido geral de sua poética que é o de recusa às formas banais, presença de um senso muito vivo de modernidade, criação que amplia o real com ideias tomadas da fantasia potencializando as imagens cotidianas e recompondo

“os mil estilhaços da sua imaginação em um vitral desmesurado de crente surrealista.” (7)

E num sentido mais particular sua

“capacidade de apreensão visionária da realidade, aliada ao seu espírito inventivo, encontrou nas obras de pintores clássicos e contemporâneos um campo fértil para alimentar a sua poesia” (8)  

fato que o poema ora em estudo vem confirmar motivando-nos a endossar as palavras de João Alexandre Barbosa (citadas em Silva), quando da análise do poema “Joan Miró”, em homenagem que Murilo Mendes prestou ao famoso  pintor (surrealista) catalão, do livro Tempo Espanhol de 1959: 

“Procurando ajustar a palavra a uma ambiência de cunho visual por ele experimentada, Murilo Mendes busca a substituição do pictórico pelo linguístico a partir da metáfora.” (9)

O que evidencia a

“tendência do poeta a fazer-se ressonância em verso, da arte de outrem, captando-lhe a lição essencial para sua poesia”. (10)

Propomo-nos agora, numa atitude quiçá paradoxal (senão coisa pior), depois de termos procurado esmiuçar o poema para compreendê-lo e justificá-lo, enfrentar um obstáculo que poderá, talvez, dependendo da conclusão a que consigamos chegar, desarticular ou até mesmo invalidar toda a análise que até aqui empreendemos – encontrar uma resposta satisfatória para a questão: é possível por meio da poesia descrever uma pintura? Ou em outros termos, até que ponto podemos validar o conceito horaciano, embora deslocado de seu contexto poético original, ut pictura poesis?
Se dermos crédito ao filósofo iluminista alemão do século XVIII (LESSING, 1998), rigorosamente, a resposta seria: NÃO. A impossibilidade da transposição de uma forma de arte à outra residiria no fato de que a poesia usa como veículo expressivo e receptivo a linguagem verbal que é baseada em signos arbitrários, cujas imagens sonoras e sons articulados na fala organizam-se sequencialmente ou linearmente tendo como suporte o tempo sendo um meio adequado para descrever ações, enquanto que a pintura usa como veículo expressivo a linguagem das artes plásticas baseada em signos naturais cujas formas e cores organizam-se como um todo – recepcionado visualmente praticamente de uma só vez – tendo como suporte o espaço sendo um meio adequado para descrever corpos. A pintura pode imitar ações apenas alusivamente por meio de corpos e a poesia pode expor corpos apenas alusivamente por meio de ações, mas sempre que uma forma de arte invade indevidamente o território da outra resulta numa perda de qualidade da arte invasora. Segundo Lessing (quando da invasão da poesia ao campo da pintura):

“Enumerar ao leitor pouco a pouco muitas partes ou coisas que ele necessariamente deve ver de uma vez na natureza se elas devem construir um todo e querer que ele faça por meio disso uma imagem do todo: isso implica uma invasão do poeta no âmbito do pintor, sendo que o poeta desperdiça nisso muita imaginação a troco de nada.” (11)
           
Para outro filósofo, mais próximo de nós (FOUCAULT, 1999) a conclusão é idêntica à de Lessing. Pode-se ler em Foucault:

“Mas a relação da linguagem com a pintura é uma relação infinita. Não que a palavra seja imperfeita e esteja, em face do visível, num déficit que em vão se esforçaria por recuperar. São irredutíveis uma ao outro (grifo nosso): por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aquele que as sucessões da sintaxe definem.” (12)

Para Foucault há uma perda dupla: da parte do emissor – o poeta é incapaz de emitir por palavras tudo aquilo que vê na pintura; e da parte do receptor – o leitor é incapaz de reproduzir a imagem original do quadro lendo o texto. Todos perderiam: o poeta, o leitor e a arte: a poesia e a pintura. O resultado seria de frustração.
Uma solução, de validade restrita, para esse embate que buscasse confirmar a qualidade do nosso poema como expressão verbal passível de ser considerada representante de outro tipo de linguagem artística, aqui arte visual, seria apelar para a afirmação de que Saudação a Ismael Nery não aborda nenhuma pintura específica, mas é um poema que trata do processo criativo e da postura metafísica do pintor. Seu referente não é um corpo, um quadro, uma pintura, que como há pouco foi discutido deve ter como suporte o espaço, mas uma ação – o procedimento técnico do artista, sua inspiração, sua conduta moral – que tem como suporte o tempo [ainda que ele almeje a intemporalidade], e como tal, perfeitamente passível de ser poetizada. Murilo Mendes em Saudação a Ismael Nery metaforiza em versos o processo criativo pictórico e a postura metafísica de seu querido amigo após ter sido tocado sensivelmente como poeta pelo ato criativo e pela conduta moral do pintor.
E se o poema tratasse de uma pintura específica? O resultado seria necessariamente negativo? Só diante de uma situação concreta uma resposta palpável poderia ser tentada. Se enveredássemos por um caminho especulativo, poderíamos começar por abrandar o rigor da “intraduzibilidade” de uma forma de arte em outra, sendo menos rigorosos com a estanqueidade das linguagens artísticas. E se, por mero cabotinismo literário, priorizássemos nosso foco na linguagem verbal, poderíamos dizer que, embora os signos verbais, no ato de produção da língua, seguem-se linearmente um ao outro, fato que lhes dá uma marca inequívoca de temporalidade, a eles, por serem signos arbitrários, não lhes podemos negar a faculdade de descrever um corpo, por mais maçante ou estapafúrdia seja a sintaxe apresentada. Tudo, ou quase tudo, dependerá da capacidade criativa do autor. Como disse o poeta querido: Penetra surdamente no reino das palavras/ Lá estão os poemas que esperam ser escritos. O resto, bem, o resto fica por conta da nossa imaginação de leitores. É aí que deveremos encontrar o naco gostoso da graça que nos cabe.               

Notas
Mendes, Murilo. Poesia. [org.} Maria Lúcia Aragão. Rio de Janeiro: Agir, pp. 28-29,1983.
Mendes, Murilo. “Recordação de Ismael Nery” em: Ismael Nery 50 anos depois. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1984.
Andrade, Mário de. “Ismael Nery”  op. cit., 1984.
Araújo, Laís Corrêa de. Murilo Mendes. Petrópolis: Vozes, pp. 182 –183, 1972.
Bosi, Alfredo. “Tendências contemporâneas” em: História sucinta da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 43ª ed., pp. 446-447, 2003.
Silva, Francis Paulina Lopes da. “A obsessão pelas Artes Plásticas” em: Murilo Mendes; Orfeu transubstanciado: ensaio. Viçosa: UFV, p. 109, 2000.
Silva, Francis P.L. op. cit. p. 114.
Silva, Francis P.L. op. cit. p. 115.
Lessing, G.E. op. cit. p. 211.
Foucault, Michel. “Las Meninas” em: As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 8ª ed., p. 12, 1999.

Bibliografia

ANDRADE, Mário de. Ismael Nery 50 anos depois. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1984.
ARAÚJO, Laís Corrêa de. Murilo Mendes. Petrópolis: Vozes, 1972.
BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 41ª ed., 2003.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo; Martins Fontes,  8ª ed., 1999.
LESSING, G.E. Laocoonte ou sobre as fronteiras da Pintura e da Poesia. Com esclarecimentos ocasionais sobre diferentes pontos da história da arte antiga. Introdução, tradução e notas de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, 1998.
MENDES, Murilo. Poesia. [org.] Maria Lúcia Aragão. Rio de Janeiro: Agir, 1983.
_______________ Ismael Nery 50 anos depois. São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, 1984.
SILVA, Francis Paulina Lopes da. Murilo Mendes; Orfeu transubstanciado: ensaio. Viçosa: UFV, 2000.

(do livro “Ensaios Desnecessários” – inédito)

sábado, 1 de novembro de 2014

SER ANTISSOCIAL

Uns com os outros, os seres humanos, em sua esmagadora maioria, são bem pouco amistosos. Cruzam-se diariamente pelas ruas ignorando-se mutuamente. Enfrentam-se durante horas a fio em infindáveis filas para as mais variadas finalidades sem nem ao menos trocar um olhar. Encontram-se no elevador do edifício em que moram ou trabalham e mal e mal murmuram entre si algumas sílabas acerca das condições meteorológicas.  Se fossem mais civilizados sem dúvida observariam com mais atenção a Natureza e, por exemplo, imitariam os cães que, numa inequívoca demonstração de elevada sociabilidade, sempre que se encontram, mesmo pela primeira vez, cheiram, uns aos outros, o rabo.

(em “Crônicas Anacrônicas – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime" (inédito))



sábado, 25 de outubro de 2014

DESFAZER O NÓ DA GRAVATA

Desfazer o nó da gravata
Não contar mais bravata
Vestir o pijama:
Logo mais Jesus chama

Ficar daqui pra lá
De lá pra cá
Ninguém mais ama:
Logo mais Jesus chama

Única diversão
Assistir televisão
Ir cedo pra cama:
Logo mais Jesus chama

Dentadura postiça
Aparelho de surdez
Parece até injustiça
Falta só a invalidez

Pau sempre mole
Em vez de crescer se recolhe
Do garanhão não sobrou nem a fama:
Logo mais Jesus chama

Jogado pras traças
Em nada achar graça
Por melhor o programa:
Logo mais Jesus chama

Dor no peito
Coração com defeito
Urgente eletrocardiograma
Tarde demais: que disgrama!
Jesus chamou.


(do livro “Poesia... Afinal pra quê?”)
http://www.4shared.com/office/K2pKaABwba/Poesia_Afinal_pra_qu.html

sábado, 18 de outubro de 2014

A Galinha que não botava Ovo nenhum

Era uma vez um homem muito, mas muito pobre, mal tendo onde cair morto (e olha que cair morto a gente pode cair praticamente em qualquer lugar, quer dizer, não em todos os lugares, evidentemente, mas que são muitos os lugares onde se pode cair morto ninguém em sã consciência haverá de contestar, espero). Seu único bem era uma galinha que ele ganhara numa rifa beneficente. Algum pentelho com certeza vai querer perguntar como um homem tão pobre pôde comprar um bilhete de rifa beneficente se era tão pobre que mal tinha onde cair morto? A resposta é simples, pentelhos de merda. Ele não comprou. Ele ganhou da esposa de um conhecido abastado comerciante conhecida por seu elevado espírito filantrópico e que vivia praticando ações filantrópicas ali nas proximidades do viaduto embaixo do qual o pobre homem pobre tinha o seu lar.
Como o pobre homem pobre não alimentava a galinha (coitado, não conseguia alimentar nem a si próprio quanto mais outro ser, embora irracional, por mais que tivesse pena dele [não dele – homem – mas dele – ser irracional - ou seja - dela - a galinha]), ela era raquítica, despenada, dava pena. Por não ingerir as quantidades mínimas biologicamente necessárias de proteínas, carboidratos e sais minerais, ela era incapaz de pôr ovos apesar de botar todo seu instintivo esforço em, diariamente, tentar fazê-lo. Ela cisca-cisca-ciscava pelas calçadas, e no asfalto das avenidas das imediações do viaduto em que morava com o seu dono, expondo-se à violência urbana dos pés transeuntes e dos automotivos pneus, colocando em risco a própria vida em busca de um algo qualquer de comer. Mas os pardais e os pombos eram muito mais espertos e sempre levavam vantagem em tudo. O pobre homem pobre, privado assim de uma omelete, ou de um ovo poché, ou, até de um simples ovo estrelado, às vezes pensava em fazer uma canja, mesmo que ralinha de galinha raquítica, ou um ensopado magro, mas logo afastava tal pensamento. Ele afeiçoara-se à bichinha. Nas noites frias dormiam abraçadinhos e apesar de desdentada e feia ela era, afinal, sua fiel companheira...
Eis, porém, que, um belo dia, um vendedor ambulante de bilhete de loteria passando por ali se encantou com a galinhazinha, embora ela fosse raquítica, despenada, desdentada e feia, conforme já dito. Mas a vida é assim mesmo, cheia de mistérios; e amor é coisa que a gente não explica, amor é coisa que a gente sente; e quem ama o feio bonito lhe parece e o amor do ambulante pela galinha foi fulminante, amor à primeira vista. Ele propôs, então, ao pobre homem pobre um negócio: — Fico com a galinha em troca destas três últimas frações da federal, corre amanhã, é o avestruz, meu, vai que você ganha, já pensou?
O pobre homem pobre a princípio rejeitou veementemente a oferta do vendedor ambulante de bilhete de loteria. Aquela galinha era seu único bem, e ele pensava bem muito menos no sentido material e muito mais no sentido espiritual. Ela era sua fiel companheira das horas alegres, que eram tão poucas, e das horas tristes, que eram tantas. Dos dias ensolarados e dos nem tanto. Das noites quentes e, principalmente, das noites frias. Mas o vendedor ambulante de bilhete de loteria, como bom vendedor, colocou toda a Ciência Retórica a serviço de sua causa, e argumentou e contra-argumentou até que conseguiu convencer o pobre homem pobre. Seu argumento final arrasador foi que, se ele (o pobre homem pobre) realmente amava a bichinha, devia deixar de lado seu egoísmo, e aceitar o negócio para o bem dela, pois do jeito que as coisas estavam, se ela não morresse antes esmagada sob as rodas de um carro, muito breve ia morrer de inanição; enquanto ele (o vendedor ambulante de bilhete de loteria) podia dar um galinheiro decente pra ela, além de ração balanceada à vontade, diariamente.
Fechado o negócio, o vendedor ambulante de bilhete de loteria meteu a galinha cocoricó no sovaco e sus se picou dali. Aquele dia, o pobre homem pobre passou uma noite de cão sem a galinhazinha sua fiel companheira. No dia seguinte madrugou, saiu logo cedo e ficou o dia todo catando papel (catar papel era seu meio miserável, porém honesto, de subsistência). No final da tarde, ao passar diante de uma casa lotérica, lembrou-se de conferir o resultado. O número sorteado no primeiro prêmio era igualzinho ao número impresso nos seus três bilhetes. O pobre homem pobre deixou de ser pobre (não ficou milionário, mas deixou de ser pobre). Comprou um sobradinho cinco por vinte e cinco geminado num bairro classe média média. Comprou um opala quatro portas. Botou o resto do dinheiro na poupança e passou a viver de juros. Jurou nunca mais catar papel. Hoje só cata pulga do seu novo fiel companheiro vira-lata e coça o saco (o seu não o do cachorro).


(do livro “Contos Medonhos”)

sábado, 11 de outubro de 2014

O BAILE DOS CACHORROS

Era uma vez, há muito tempo, quando os animais ainda falavam, os cachorros decidiram organizar um grande baile para comemorar o Dia do Cão.
Como era esperada a presença de um grande número de cães de todas as raças, cores, todos os tamanhos, tipos, credos, sexos etc. etc. os organizadores decidiram por bem que os convidados ao chegar à festa deveriam deixar o rabo na portaria do salão. Motivo: evitar que no calor do baile, com o balança pra cá, balança pra lá, típica manifestação de alegria,  os rabos viessem a se enroscar uns nos outros o que provocaria inevitável confusão. E assim foi feito.
À medida que os cachorros chegavam ao baile, tiravam o rabo, entregavam para o porteiro e recebiam uma senha para retirar o respectivo rabo quando fossem embora.
O baile seguia calmamente com os pares caninos dando voltas no salão. A orquestra tocava bolero, tango, mambo e principalmente pagode e samba de gafieira porque aquela cachorrada era chegada num sambinha.
Lá pelo meio da madrugada, o Joca, um dobermann muito metido ficou doido quando viu a Dogmar, uma poodle  toda branquinha dentro de uma minissaia de fechar o comércio tendo ao lado um vira-lata  com cara de fraco. O Joca não teve dúvida. Foi tirar a Dogmar pra dançar. O vira-lata era faixa preta simplesmente e fez o Joca rebolar sem bambolê.
O baile virou um tremendo sururu. Era mesa que voava. Cadeirada na cabeça era o que não faltava. A orquestra tentou acalmar os ânimos e botar ordem no recinto atacando um sambão tradicional. Não adiantou nada. O pau continuou comendo solto. O pistão tirou a surdina e tocou bem alto pra polícia não manjar a bagunça.   
De repente um irresponsável, porque não era verdade, foi só pra zoar, gritou: Fogo!
Não deu outra. Todo mundo se precipitou como doido para a saída. O porteiro foi atropelado. Ninguém deu bola pra aquela história senha para retirar o seu rabo. À medida que os cachorros conseguiam se livrar do salão e passavam pela portaria pegavam a esmo o primeiro rabo que lhes caía na pata, botavam no respectivo traseiro e caiam fora. Não prestavam a mínima atenção se o rabo que tinham agarrado era o seu ou não.
É claro que aconteceu o que era de se esperar. Mais tarde, já mais calma, com o juízo no lugar, a cachorrada foi percebendo que o rabo que agora carregavam no traseiro não era necessariamente o seu. Ele havia sido trocado por causa daquela confusão toda que tinha acontecido no baile.
Desde então, na tentativa de recuperar o rabo perdido, os cachorros passaram a procurar nos traseiros dos outros companheiros o seu próprio rabo. ´

É por isso que os cachorros, quando se encontram pelas ruas, cheiram o rabo um do outro.

(do livro "54 histórias que minha avó contava na kombi")

sábado, 4 de outubro de 2014

Reescritas modernas do legado romântico: a “Canção do exílio” de Gonçalves Dias.

                Qualquer texto, verbal ou não — compreendido texto como um bem cultural que possui significação e que almeja comunicação — é um “palimpsesto” (Genette, 1982). Quer isso dizer que sobre qualquer texto, o texto matriz ou o hipotexto, outro texto, um hipertexto, pode ser calcado. Restringindo nossas idéias ao campo particular dos textos verbais literários — a literatura — podemos dizer, acompanhando Bakhtin (1997), que um texto sempre dialoga com outros textos pré-existentes. Diálogo por vezes sutil, implícito, outras abundante, explícito. Pacifico, quando a obra acompanha as tendências da moda. Conflituoso, quando se opõe ao status quo. Mas sempre diálogo. Ninguém cria nada do nada. Cada novo texto depende de outros textos para vir à luz. E uma vez criado representa mais um elo, fraco ou forte, colocado na corrente de infindáveis elos formadora do acervo universal dos textos literários.  O ato criador ratifica a tradição.  
            Intertextualidade é um dos nomes possíveis para exprimir a relação entre hipertextos e hipotextos (Kristeva, 2005; Vasconcellos, 2001).
            O hipertexto costuma dialogar com múltiplos hipotextos, em geral canônicos, para neles colher matéria verbal que lhe alimente. Alguns hipotextos, porém, ultrapassam o convencionalismo canônico e atingem condição de verdadeiros arquétipos. Nesses casos, é comum surgir uma profusão de hipertextos em que a intertextualidade escancara-se copiosamente. Podemos aí distinguir dois tipos de intertextualidade: a paráfrase e a paródia (Sant’Anna, 2003).
            A característica principal da paráfrase é a harmonia entre hipertexto e hipotexto. Na paródia ocorre confronto. Paráfrase é reafirmação da obra original. As palavras mudam. A forma pode mudar, mas o conteúdo, a essência mantém-se. Paródia é confronto com a obra original. Independente de palavras e forma o conteúdo, a essência da obra original é subvertida. A paráfrase repete. É continuidade. A paródia contesta. É descontinuidade. Na paráfrase o hipertexto aproxima-se do significado do hipotexto. Na paródia afasta-se. A paráfrase busca um efeito de condensação, de reforço das idéias. A paródia busca um efeito de deslocamento, de deformação. No plano da linguagem definido pelos eixos paradigmático e sintagmático, a paráfrase tem lugar no eixo paradigmático, dos efeitos de paralelismo, metafóricos; a paródia, no eixo sintagmático, dos efeitos de justaposição, metonímicos.

            Para demonstrar a aplicação desses conceitos vamos considerar o poema “Canção do exílio”, 1843, de Gonçalves Dias (1985):

Kennst du das Land, wo die Citronen blühn,          (Conheces o país onde florescem as laranjeiras
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühn,             que no verde escuro da folhagem ardem frutos de ouro,
Kennst du es wohl? — Dahin, dahin!                      conheces bem? — Lá, lá!
Möcht’ich … ziehn. (Goethe)                                   quisera eu... estar.)

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Esse poema é um ponto de referência dentro da tradição literária brasileira e pode ser considerado um ícone da poesia do Romantismo brasileiro. Ele tem sido parafraseado e parodiado desde o século XIX. Casimiro de Abreu o parafraseou já em 1855 e novamente em 1857.
             Exemplo de paráfrase mais moderna é o poema “Nova canção do exílio”, 1945, de Carlos Drummond de Andrade (1992):

A Josué Montello
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.

O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.

Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.

Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)

Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.

            Exemplo de paródia pode ser citado o poema “Canção do exílio”, 1930, de Murilo Mendes (1994):

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

           
            O poema original tem versos de sete sílabas, com tonicidade nas terceira, quinta e sétima sílabas. É uma redondilha maior. Métrica e ritmo que dão ao poema leveza e musicalidade. O próprio título assim sugere: é uma canção. O apelo ao sentido da audição é uma das características da poética romântica de uma maneira geral, e com maior ênfase, na de Gonçalves Dias. O poema apresenta uma estrutura de estrofes composta por três quadras seguidas de duas sextilhas; e de rimas: sabiá, lá, lá sabiá,, cá, lá, sabiá (2º., 4º., 10º., 12º., 14º., 16º., 18º.); flores, amores, primores ( 6º.,8º., 13º.), um tanto livre sem estrita obediência a uma rigidez formal paradigmática como preceituava a poesia do Classicismo. Essa liberdade de construção formal, o “repúdio aos padrões, às regras e aos modelos da Antiguidade, cultivados pelo gosto francês predominante em toda a Europa” (Camilo, p. 22) pode ser apontada como uma das características marcantes do Romantismo. Ela se constituiu em importante herança para o Modernismo que dela usou e abusou.
            A voz lírica apresenta o poema em primeira pessoa do singular abrindo-o com o sintagma — Minha terra. Tal fato associado ao clima ufanista que se instaura no transcorrer dos versos, em relação à terra natal do “eu-lírico”, evidencia forte apego ao torrão de origem. O pronome, do singular, evolui para o plural como a procurar envolver todos os compatriotas no mesmo apego. A construção anafórica de toda a segunda estrofe com pronome possessivo em primeira pessoa do plural reforça esse objetivo. A repetição dentro do discurso é recurso retórico que serve à amplificação afetiva (Lausberg, 2004). E a repetição não pára em palavras isoladas. Estende-se a versos completos: onze dos vinte e quatro versos da canção repetem-se integralmente e três, parcialmente. Na leitura do poema sentimos martelar em nossa mente que a terra do poeta (a nossa terra) é maravilhosa. Que o Brasil é maravilhoso. A voz poética quer transmitir um vibrante sentimento de nacionalismo. Nacionalismo que foi uma das características mais marcantes assumidas pelo Romantismo brasileiro em sua primeira fase. Nacionalismo do qual Gonçalves Dias foi um dos principais bastiões.
            O nacionalismo do poema exprime-se pela sublimação dos bens naturais da terra. A palmeira, que, embora não sendo árvore nativa, trazida do oriente pelos colonizadores tão bem se adaptou à nova terra a ponto de transformar-se em paisagem típica de seu extenso litoral. O Sabiá, ave nativa, presente em todos seus recantos com seu mavioso canto, com estatuto de substantivo próprio ao ser grafado com inicial maiúscula para realçar sua especificidade. E as estrelas que no seu céu abundam. E suas flores das várzeas. E seus vívidos bosques. Tudo é um primor. Tanto que a vida ganha mais vida sob o império do amor. É o sublime natural em sua acepção mais simples e direta utilizado para exprimir a grandeza da pátria. Nacionalismo apresentado de maneira pura e até ingênua.
            Os advérbios de lugar — cá e lá — criam interessante oposição. O , lugar onde naquele momento se encontra o poeta, longe da pátria, é empobrecido, enquanto há engrandecimento do , a terra natal do poeta. O enaltecido mais o repudiado infundem sensação de mal-estar no “aqui-agora”, de distanciamento nostálgico que impregna o corpo e a alma do poeta com a saudade da pátria querida. O poeta por estar longe de sua terra natal sente-se exilado em terras estrangeiras. O exílio do poeta provoca-lhe a manifestação do sentimento de “saudade nacional”. Binômio — saudade-nacionalismo — muito do gosto da primeira leva de românticos brasileiros.             Melancolia foi sentimento que proliferou em maior ou menor grau entre grande parte dos artistas românticos. Nascida do embate entre o individualismo que esses artistas desenvolveram e as contradições advindas das novas condições da vida moderna, que a partir do século XIX celeremente iam-se impondo, para o nosso poeta, sentindo-se exilado no estrangeiro, nasce da saudade da pátria. A nostalgia surge quando o poeta se põe a cismar, ruminar, pensar insistentemente, sozinho, ausente do convívio dos homens. Isolado do mundo, seus pensamentos podem concentrar-se melhor. Seu cismar em nada se desvia da coisa pensada, E isso se dá pela conjugação de isolamento com noite. Noite, privilegiada pelos românticos, em associação ao obscuro, ao soturno, ao mistério, aos sonhos, ao inconsciente, em oposição ao dia, privilegiado pelos clássicos, associado à clareza, à luz, à vigília, à razão (Camilo, op. cit. p. 31). Noite também quando o burburinho do dia amaina e o silêncio passa a reinar. Esse isolamento noturno constitui condição ideal para o poeta extravasar suas saudosas lembranças da terra natal.  As vírgulas entre sozinho e noite no 9º. verso e os travessões e vírgula no 15º. verso reforçam, pela construção formal, o desejo de misantropia noturna ideal para um pensar mais intenso na pátria distante.
            Para o poeta, pessoa física, o desejo manifesto na última sextilha do poema, infelizmente, alguns anos depois, não se concretizou. Deus lhe foi cruel e fez que, no retorno de uma de suas viagens à Europa, desaparecesse náufrago nas profundezas das verdes águas, então bravias, do mar que banha as praias da sua terra onde, hoje, nas raras palmeiras, um sabiá, às vezes, ainda teima em pousar.        
     
            Carlos Drummond faz paráfrase do poema original ao reiterar com outras palavras valores presentes no hipotexto. Porém, o nacionalismo ufanista do texto modelo desaparece. Desaparecem os qualificativos minha, nossa, nosso, nossas, nossos. Desaparece até a menção à terra natal — Minha terra. Em seu lugar surge um indefinido longe onde, na palmeira, um também indefinido sabiá (ficamos sem saber) talvez cante, ou não. A sublimação da natureza baixa de tom e fica comedida, embora ali é tudo belo e fantástico.
            O título original é resgatado com a adição do adjetivo Nova. O poeta explicita, assim, a intertextualidade e personaliza sua criação. Poetiza usando de bastante liberdade formal, própria de um poeta modernista, então, amadurecido. Os versos são livres e brancos. A maioria dos versos, porém, curtos, quatro, cinco sílabas poéticas, aproxima o poema de uma redondilha menor o que dá caráter incisivo às idéias que as palavras procuram exprimir. A voz poética se oculta em uma bem dissimulada terceira pessoa. O étimo é praticamente todo ele substantivo, bem mais até que no já substantivado texto original o que dá ao poema extrema simplicidade significante a disfarçar toda a trama de significados. O uso de muito poucas formas verbais, duas apenas — cantam, cintila — excluídas as de ligação, minimiza as ações e faz com que o pensamento se retarde sobre as coisas pensadas.
            A nostalgia surgida da condição de afastamento, de estar distante de um outro lugar que não este em que se está aqui, agora, e dos seus bens naturais – o sabiá, a palmeira, o céu, as flores, a mata – também impregna o hipertexto. Só que fica comedida; arrefece-se; distancia-se. O advérbio longe, ausente no hipotexto, é o responsável pela infusão do clima nostálgico. Separado por vírgula destaca-se. Ganha mais ênfase pela repetição quatro vezes ao longo do poema, no início, no meio e no fim, e aqui ganha especial destaque. Constitui isolado o último verso, substantivado (quase que concretamente) pela presença do artigo definido — o —.
            O ambiente noturno, inestimável patrimônio romântico, também traz sua marca para o texto parafrástico. O sintagma na noite, entre vírgulas para enfatizar sua importância, como adjunto adverbial associado ao tempo verbal futuro pretérito — seria — condiciona o modo de se atingir a felicidade. O estar solitário completa a circunstância desse condicionamento. O poeta, entretanto, optou pelo termo , em lugar de sozinho empregado pelo bardo romântico. O adjetivo sozinho não deixa dúvida. É o estar solitário. A palavra isolada no início do verso é ambígua. Pode ser adjetivo e significar solitário, tal qual o poema original. Mas pode também ser advérbio e significar apenas, unicamente, sentido que enfatizaria a necessidade da noite como condição para ser feliz — unicamente, na noite, seria feliz. A ambiguidade enriquece o texto.
            O hipertexto tem o mesmo número de versos que o hipotexto: vinte e quatro, e a mesma divisão estrófica: três quadras e duas sextilhas; é construído em total paralelismo a ele. O par de versos — / Minha terra tem palmeiras, / Onde canta o Sabiá; / — tem correspondência no par — / Um sabiá / na palmeira, longe. / — com inversão da posição do sujeito (substantivo definido próprio) último sintagma do segundo verso — o Sabiá — para sintagma nominal de abertura do poema (porém substantivo indefinido comum) — Um sabiá — no lugar do sujeito — Minha terra — transformado num indefinido adjunto adverbial — longe. São respectivamente os versos: 1º.- 2º., 11º.- 12º. e 17º.- 18º. nos dois poemas. O par — / As aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá. / — (3º. e 4º. versos) tem correspondência no seco e direto — / Estas aves cantam / um outro canto. / — também 3º.- 4º. versos. A estrofe — / Nosso céu tem mais estrelas, / Nossas várzeas têm mais flores, / Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida mais amores./  resume-se na fria e distante — / O céu cintila / sobre flores úmidas. / Vozes na mata, / e o maior amor. (sem qualificação possessiva) 5º.- 8º. versos. O par — / Em cismar, (—) sozinho, à noite, (—) / Mais prazer encontro eu lá; /  com / Só,(só) na noite, / seria feliz: (.) /  — versos 9º. – 10º. e 15º. – 16º. O par — / Minha terra tem primores, / Que tais não encontro eu cá; / (/ Sem que desfrute os primores / Que não encontro por cá; /) — com — / Onde é tudo belo/ e fantástico, / (/ para onde é tudo belo / e fantástico: /) — versos 13º. – 14º. e 21º. – 22º. respectivamente nos dois poemas. / Não permita Deus que eu morra, / Sem que eu volte para lá; / com / Antes um grito de vida e / voltar. /  19º. – 20º. versos. / Sem qu’inda aviste as palmeiras, / Onde canta o Sabiá. /  com / a palmeira, o sabiá / o longe. /  23º. – 24º. e últimos versos.
            Paráfrase pura. Fria paráfrase. Bem ao modo de boa parte da, toda ela genial, poética drummoniana.

            Na Canção do exílio de Murilo Mendes vamos encontrar uma paródia do poema de Gonçalves Dias. A identidade de título aponta para a intertextualidade. Publicado pela primeira vez em 1930 no livro de estréia do poeta: Poemas 1925-1929 é o primeiro poema da primeira parte do livro denominada de O jogador de diabolô. Ele pode ser inserido na corrente ideológica verde-amarelada do Modernismo brasileiro dos primeiros anos, cheia de apelo nacionalista inconsequente, lastreada em frágil liberalismo, cultora da blague e da paródia. Escrito em dezesseis versos livres e brancos, distancia-se da métrica, da rima e da musicalidade do hipotexto. Apresenta uma voz lírica que também em primeira pessoa abre o poema com o mesmo sintagma — Minha terra — fazendo, porém, em contraposição ao poema modelo, em lugar de elogios, acerba crítica generalizada à sua terra.
            Se, em Gonçalves Dias, o poema buscava sublimar a natureza da terra natal, em Murilo Mendes, o efeito pretendido é bem o oposto. Apela para o grotesco. O movimento é exatamente contrário, descensional. E bem mais generalizado. Não se restringe apenas à natureza. Estende-se da natureza, à intelectualidade, às instituições, à economia. Em lugar do culto ao nacionalismo ufanista pela sublimação dos bens naturais da pátria, uso do grotesco (estética muito explorada pelo Romantismo [Camilo, op. cit. p. 29-31]) marcado pela irreverência, pela ironia, pelo sarcasmo para atacar em vários aspectos a terra natal.         
            Crítica ao colonialismo cultural do país. A palmeira transforma-se em macieiras da Califórnia e o sabiá, em gaturamos de Veneza para ressaltar o estrangeirismo que grassa pela terra, apontando para a dependência do país ao estrangeiro, notadamente aos Estados Unidos e à Europa, ou seja, todo o mundo civilizado ocidental.
            Rebaixamento, com ranço racista, do movimento literário antecedente ao Modernismo, o Simbolismo, na figura do poeta negro Cruz e Souza seu principal representante. Rebaixamento racista por colocar ironicamente pretos em torres de ametista, pois, embora o mencionado poeta simbolista tenha vindo do baixo estrato social, filho de país escravos, fez, no entender do “eu-lírico”, arte alienada, fechado em uma equivalente torre de marfim.
            Crítica ao exército, instituição responsável pela defesa da pátria, metonimicamente representado por uma de suas mais importantes patentes, a dos sargentos, pela atribuição irônica de valores culturais que, a bem da verdade, lhe são tradicionalmente considerados estranhos, criando um efeito de nonsense.
            Crítica grosseira à intelectualidade do país. Os pensadores são prostitutas que se vendem a prazo. 
            Apelo à oralidade pelo uso de termos coloquiais — A gente; sururus — procedimento característico do Modernismo brasileiro, que coloca num nível pedestre a relação entre o povo, a gente, e seus representantes políticos, metaforizados em oradores, e equiparados a pernilongos, inseto comum de regiões tropicais, hematófago, transmissor de doenças, inconveniente pelo desassossego noturno que provoca e pelo desconforto da coceira resultante de sua picada; banaliza as relações familiares sob os olhares de uma Mona Lisa que só pode ser uma cópia, pois o original está no Louvre. Cópia provavelmente medíocre pendurada na parede de uma sala de uma casa de uma família burguesa classe média medíocre sem classe.
            Se no hipotexto, o poeta, exilado numa terra estrangeira, distante da terra natal, pede a Deus que não morra antes de rever sua pátria, em Murilo Mendes, o “eu-lírico” morre sufocado na própria terra natal, sentida como uma terra estrangeira.  A terra parece tão estranha aos olhos do poeta que ele se sente um exilado na própria pátria. 
            De repente a voz poética dá a impressão que vai mudar de rumo e entrar pelo caminho do nacionalismo ufanista ao sublimar flores (mais bonitas) e frutas (mais gostosas) trazidas à cena acompanhadas do mesmo possessivo coletivo — nossas — mas um expedito adversativo — mas — recoloca as coisas no seu devido desaprumo desabonador, agora de cunho econômico-financeiro: custam os olhos da cara.
            Assim, em praticamente catorze dos dezesseis versos do poema, o grotesco está presente para rebaixar as coisas da terra do poeta. Nos dois últimos e isolados versos, porém, ele não resiste. Sentindo-se exilado na própria terra, para ele toda ela descaracterizada; sentindo saudades da pátria na própria pátria, anseia lamentosamente poder desfrutar uma verdadeira fruta da terra (carambola no entender do poeta) e ouvir um genuíno sabiá. Escorrega, finalmente, na casca de banana do saudosismo nacionalista. Deixa-se invadir pela nostalgia, nostalgia da boa, nostalgia romântica.             
           

Bibliografia

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GENETTE, Gerard (1982) – Palimpsestes – La littérature au second degré. Paris: Éditions du Seuil.
KRISTEVA, Júlia (2005) – Introdução à semanálise. Tradução de Lúcia Helena França Ferraz, 2ª. ed. São Paulo, Perspectiva.
LAUSBERG, Heinrich (2004) – Elementos de retórica literária. Tradução de R.M. Rosado Fernandes, 5ª. ed. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
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VASCONCELLOS, Paulo Sérgio de (2001) – Efeitos intertextuais na Eneida de Virgílio. São Paulo: Humanitas/FAPESP.


(do livro "Ensaios Desnecessários" - inédito)