domingo, 30 de julho de 2017

A treva


em sua loca

funda toca

estreita pouca

a treva quieta

ali parada

ar de louca

paciente

espia

espreita

espera

o momento certo

de abocanhar

e triturar

em suas mandíbulas

tenazes rijas

a incauta vítima

distraída

presa fácil

que por ali

bem à frente

certamente

irei passar

domingo, 23 de julho de 2017

Cogito ergo...


de pé elevo a voz

brindo o progresso

que tanto sucesso

tem feito entre nós



arauto de verso

de pé quebrado

o chocho brado

oculta o inverso



fogo de queimada

água apodrecida

ar poluído

terra devastada



ó queridos fraternos

tudo gente boa

não é à toa

que está este inferno

domingo, 16 de julho de 2017

Recompensa


meio-dia fica a postos

já vêm a mesa está posta

improvisa o que almoçar

com as sobras do jantar



o inverno virou um inferno

convidado do efeito estufa

 no bolso do avental recolhe

o resto do fundo de garantia



essa máquina de sangue e ossos

não vai a chá da tarde de táxi  

uma vida rumo ao crepúsculo

vulgar tal qual a da massa



tetas caídas sem sutiã

vulva seca ao toque

em luta cega sem ego

pra conservar esse lar

domingo, 9 de julho de 2017

Único


o momento escorre pelos vãos do tempo
primitivo conceito oriundo do movimento
eterno mistério inescrutável para sempre
oculto por mais que a ciência tente o oposto

embora isso possa parecer estranho
à primeira vista destituído de sentido
caso se deixe os pensamentos fluir
soltos se afigura como coisa natural

limpo de corpo nem tanto talvez de alma
busco com sua somatória preencher meu
dia outro dia uma sequência em que mal
me reconheço morador de outras terras

suspiro profundo novamente acreditando
assim provar a minha existência em que
todos apesar de encadeados são sozinhos
ou em outras palavras cada um é único

domingo, 2 de julho de 2017

Progresso


aproveito a comodidade oferecida
pelo extraordinário desenvolvimento
que a microeletrônica tem atingido
e abro meu houaiss3 eletrônico na palavra
progresso
onde encontro
entre outras acepções
para o uso em sentido absoluto
o significado de
a evolução da humanidade
da civilização
modernização
meu aurélio século xxi
proporcionando igual comodidade
informa que
progresso
é “acumulação de aquisições materiais e de conhecimentos objetivos capazes de transformar a vida social e de conferir-lhe maior significação e alcance no contexto da experiência humana civilização desenvolvimento”
um dia desses
em visita a um dos sebos do centro por acaso
me caiu nas mãos um livro de fotografias
da minha cidade na primeira metade do século passado
folheando aquelas memoráveis páginas
enchi meus olhos de imagens incríveis
se comparadas ao estado atual da megalópole
me ative a uma série de fotos
tiradas em diversos pontos ao longo
das margens do rio tietê em seu trecho urbano
em particular algumas ali nas proximidades
onde hoje existe a ponte cruzeiro do sul
me encantei de ver
barcos a remo
disputando uma regata
um solitário pescador
de chapéu e colete
em um ponto da margem
retirando um peixe do anzol
com a vara de pesca sob as axilas
observado pelos ocupantes de um barco a remos
que navegava pelo meio do rio
um nadador em pleno voo
a partir de uma plataforma de madeira
num sensacional salto de anjo
audazes mulheres saindo das águas
ao término da primeira travessia
do rio a nado
realizada no ano de 1924
quando fechei o precioso livro documentário
divisei na estante de literatura brasileira
bem ali em frente o livro
“poesias completas” de mário de andrade
não resisti e abri na página 44
em que estava o poema tietê
do pauliceia desvairada
li
“era uma vez um rio...
.......................................................................................................................
as embarcações singravam rumo do abismal descaminho...
.......................................................................................................................
— nadador! vamos partir pela via dum mato-grosso?
— io! mai!... mais dez braçadas...
.....................................................................................................................”
sem saber bem por que
saí daquela livraria de livros usados
com o coração cheio de nostalgia e
passei a caminhar a esmo pelas ruas
quando me dei conta
estava sobre a ponte cruzeiro do sul
aturdido observei
o trânsito incessante
de cá pra lá e de lá pra cá
sobre os dois lados da ponte
o engarrafamento infernal
abaixo se estendendo a perder de vista
em todas as pistas da marginal
as motos costurando como doidas
os outros veículos
que se arrastavam como lesma
os olhos passaram a lacrimejar ao contato com
a fumaça dos escapamentos
apesar do controle oficial do ar
ouvi quase ensurdecido
a zoada dos motores e
as buzinas neuróticas
inutilmente
querendo abrir espaço no berro
olhei para aquele rio morto
encurralado na calha de concreto
construída com os bilhões financiados pelos japoneses
na tentativa vã de conter as inundações ribeirinhas
alto preço pago pela ocupação irresponsável do solo
com suas águas pútridas cobertas de
espuma tóxica
lixo
restos de
plástico
móveis podres
carniça
senti o fedor insuportável de merda
subindo daquele esgoto a céu aberto
e lembrei das fotografias antigas
há pouco vistas no livro do sebo
e não pude evitar de pensar
— caramba que situação deplorável
na minha cabeça ficou martelando
a pergunta que não queria calar
— será isso progresso? se for
que porra de progresso é esse?