domingo, 24 de abril de 2016

Canção do Asilo

minha terra tem politicalha
onde chafurdam os medacá
os políticos que aqui malversam
também malversam como lá

nosso céu tem mais fumaça
nossos morros têm mais favelas
nossos bosques já morreram
nossa vida mais esparrelas

em andar sozinho à noite
mais temor encontro eu lá
minha terra tem politicalha
onde chafurdam os medacá

minha terra tem horrores
que tais também encontro eu cá
em andar sozinho à noite
mais temor encontro eu lá
minha terra tem politicalha
onde chafurdam os medacá

permita deus que eu morra
vendo as coisas melhorar
livre dos horrores
que também encontro eu cá
distante de tanta politicalha
onde chafurdam os medacá

domingo, 17 de abril de 2016

POEMÍCULO IMPATRIDIÓTICO

as margens erodidas do pútrido tietê
fazem ouvidos moucos
aos brados roucos de um povo paranoico na tumba sufocados
é só libertinagem e o rei do tráfico
foragido
brilha no seu morro a todo
instante

sem pudor a desigualdade
conquistada
com braço forte
vista grossa e muita manha
mama em seu seio a bandalheira
e desfila sem respeito sua sorte

— é cilada armada —
o idiota ladra
— salve! salve-se! (quem puder)

um pesadelo imenso
um raio dissemina
desamor e desesperança
só porque em seu céu
tristonho e ímpio
a miragem do corinthians resplandece

nanico por sem-vergonheza
seria grande forte um colosso
não fosse a opção pela safadeza

terra espoliada
por um entre tantos mil
é por isso que
está esta cagada
dos filhos-da-puta é mãe servil
e pros párias nada
puta-que-pariu

deitado eternamente de bruços
ao somar é subtraído
e leva no rabo
profundo
aviltado feito gente preta e pobre
contaminado pelo sovaco do povo imundo

seus tristonhos campos têm mais
dores
do que a terra mais ferida
ossos busque sem mais vida
nessa vida em seus
dissabores

— é cilada armada —
o idiota ladra
— salve! salve-se! (quem puder)

desamor eterno peja sim seu bobo
o bárbaro que tenta o estrelato
e diga o verde papagaio nessa faina
sequaz do porvir de um inglório passado

mais persegue a injustiça a escrava
ao sul ao norte
enquanto os filhos-da-puta
tiram o cu da reta e escapam da labuta
como se fugissem da própria morte

terra espoliada
por um entre tantos mil
é por isso que
está esta cagada
dos filhos-da-puta é mãe servil
e pros párias nada
puta-que-pariu!

domingo, 10 de abril de 2016

FALAR É FÁCIL

       Vamos imaginar que haja um estoque infinito de verdades disponíveis à apropriação de nossa imaginação. Quando eu me aproprio de uma dessas verdades ela se torna uma crença para mim. Eu tenho meu conjunto de crenças. Você tem o seu. Algumas dessas crenças temos em comum, outras não. Temos em comum também o saldo de verdades que ainda não se transformaram em crença para ninguém. 
Ao longo do tempo, nossas crenças podem se alterar. E normalmente se alteram. 
As crenças que temos em comum nos congregam. 
Não nos tornam iguais. Promovem nossa fraternidade.
Diminuem nossas diferenças. 
As crenças que não temos em comum acentuam nossas diferenças.
Liberdade é conviver com as diferenças. 
O saldo de verdades que ainda não se transformaram em crença irá contribuir para aumentar ou diminuir nossas diferenças. Depende de como nos apropriemos dele.    
        Há talvez duas maneiras básicas de diminuirmos nossas diferenças.
Uma seria por meio do diálogo. Da interlocução. Com o uso da Retórica. Mais simples. Mais elaborada. Mas sempre Retórica. A arte de persuadir pelo discurso. Persuasão encontro da argumentação com a oratória, razão dominando a emoção, emoção querendo sobrepujar a razão. O objetivo é levar o interlocutor a crer na crença (sincera ou falsa) do locutor.   
Outra seria por meio da força física. Da agressão corporal. Com o uso da Violência Física. Mais fraca. Mais forte. Mas sempre Violência Física. A técnica de “persuadir” pela porrada. Porrada com pé, pau, pedra, bala, bomba, míssil. O objetivo é obrigar o oprimido a aceitar a crença do opressor.
Essa segunda maneira deixa claro seu desejo de domínio, domínio que o opositor quase sempre procura justificar como necessário apesar dos males que sempre provoca. A vontade de dominar é explícita.
Na primeira maneira, o desejo de domínio vem camuflado pela linguagem que pode ser verbal, visual, auditiva, olfativa, tátil. O domínio a ser conquistado vem disfarçado em oferta de ocasião a ser aproveitada. A vontade de dominar está implícita. 
        E é aí que mora o perigo! 
Se os envolvidos estivessem imbuídos das melhores intenções. Se o diálogo fosse franco, aberto, sincero, sem segundas intenções etc.. Enfim, essas coisas simples, puras, ingênuas que tornariam o viver melhor ou menos pior se prevalecessem em nossas condutas. E o posicionamento final fruto de uma decisão consensual cristalina límpida. Não haveria perigo. 
Mas infelizmente não é assim que acontece. O que acontece é justamente o contrário. Engodo. Ludibrio. Vantagens escusas. 
        E é por isso que temos que ficar espertos para não sermos enganados. E nossa esperteza acaba alimentando o círculo vicioso de esperteza que continua a girar sua roda viva. Os mais espertos que nós, diante de nossa esperteza, armam-se melhor e tornam-se mais espertos. 
         A busca de domínio implícito pode causar males tão ruins ou até piores que o explícito, baseado na violência física. O domínio implícito pode causar males psicológicos irreparáveis que afetam nosso organismo, individual e social. E tudo dentro da lei, da ordem e do progresso. Basta que haja desequilíbrio nas condições de persuasão. E praticamente sempre há. Desequilíbrio econômico. Financeiro. Social. Cultural. Educacional.
     Para ilustrar vamos imaginar a seguinte situação: um presidente de um paiseco inexpressivo no cenário das nações eleito democraticamente defende certas ideias que beneficiam a esmagadora maioria da população de seu país. Essas ideias contrariam os interesses de uma minoria plutocrática de um paisão bem expressivo e seu presidente, também eleito democraticamente, decide assumir, por interesses políticos, a defesa da minoria compatriota em detrimento da maioria estrangeira. Os dois presidentes vão defender suas posições discursando perante uma assembleia, da qual seus países são membros, organização que se diz representar o consenso de interesses de seus afiliados. Será que daria pra conjeturar qual dos dois filhos a tal organização vai preferir preterir? 
        Ou então: um modesto fabricante fabrica um determinado produto com excelente qualidade, mas seus recursos financeiros só permitem que ele faça propaganda num jornaleco semanal de bairro. O mesmo produto, porém com qualidade bem inferior, é fabricado por uma megaindustria que anuncia insistentemente o produto no horário nobre da televisão. Por hipótese, os dois produtos têm mais ou menos o mesmo preço. Será que daria pra conjeturar qual dos produtos vai vender mais?
       Todo este blá-blá-blá, por ter sido escrito por mim, fadado ao ostracismo está o seu fim. Se tivesse sido escrito pelo Walter Benjamin já teria ganhado um montão de prêmio assim!

(em "Crônicas Anacrônicas - Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime" (inédito))

domingo, 3 de abril de 2016

HUMANITARICINISMO

                   Alguns bilionários se reuniram para anunciar que pretendem doar metade de suas fortunas para ser irmanamente dividida entre os bilhões de desvalidos espalhados por este mundo afora.
            O gesto humanitário busca amenizar o sofrimento desses bilhões de pobres infelizes. Sofrimento patrocinado justamente pela existência de bilionários.
            Como já são mais de quatro bilhões de miseráveis, para cada vinte bilhões de dólares distribuídos, caberá a cada pobrete qualquer coisa por volta de cinco dólares  quantia que dará para comprar pelo menos um substancioso hambúrguer acompanhado de uma porção de batatas fritas. Talvez não sobre troco para o refricola.
            Por favor, não sejamos céticos diante de tão louvável ação. Convenhamos que é um começo. Se a outra metade também for doada dará para comprar mais alguns sanduíches.
Agora, solução mais consistente para o problema provavelmente seria caso não houvesse mais bilionários nem milionários e menos pobretes. Como isso nunca vai acontecer, talvez haja sim menos mais bilionários e mais mais pobretes, o problema deve ser considerado insolúvel e o oba-oba humanitaricinista de tempos em tempos ocorrerá. 


(em “Crônicas Anacrônicas – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime” (inédito))