domingo, 25 de novembro de 2018

PT 11 ─ onde há vida

onde há vida
existe criação
pra peitar a morte

as coisas não têm em si poesia
a poesia é uma coisa
usada pra tirar poesia das coisas

os acontecimentos
são só acontecimentos
perante a poesia aproveitados
pra revelar ou não sentimentos

os segredos dentro das casas
o rumor de gente nas ruas
as pessoas em sociedade
diante da poesia são invocados
ou deixados repousar em paz

da fome da saciedade
do cansaço do descanso
da secura da chuva
do equívoco da longa viagem no escuro
do calor da luz do dia claro
nada significam além
de seus significados
reinterpretados ou abandonados
ao deus-dará pela poesia

a bile a careta de gosto amargo
o riso sardônico o gozo frustrado
a dor ampliada o corpo excedente
exumando sepultado passado
recomposição da lembrança
enfrentamento no espelho do presente
dissipação da esperança
caso se queira
são matéria de poesia
para tanto é preciso destarte
não se importar em mentir iludir
não se aborrecer em fazer
algo imprestável perecível
no curto ou longo arco do tempo
pois é pra isso que existe
a profissão de procurador de poesia
ou vate (à merda)
ou bardo (carrega dor do farto fardo)
ou poeta (pateta sujeito abjeto predicado com posto)

domingo, 18 de novembro de 2018

PT 10 ─ o bafo quente do vento bate

o bafo quente do vento bate
na cara crestando a pele
no alto o azul se tinge de branco projetando
no espelho tremelicante sombras esconsas
no baixio as águas se engolfam provocando
estrondos intermitentes que ensurdecem
ora menos ora mais
às vezes espuma borrifa os pés
descalços sobre a rocha rugosa
a cabeça permanece baixa
entrementes a mente em rodopios
eis que levanto a fronte
encaro o rebojo
que irrompe estrepitoso
dispara rumo a mim
no fundo profundo
cessam
o calor da pele
os estrondos
os rodopios
esta ingênua pilhéria

domingo, 11 de novembro de 2018

PT 9 - nestes tempos sujos

nestes tempos sujos
estas palavras amarradas
deixam um rastro de mesquinhez
nestes tempos sujos
esta boca seca
traz como mensagem a derrota
esperança
forma rara secreta dura
recusar-se ao grande
aceitar o mínimo
os temas passam
as pessoas passam
tudo passa
o presente passa
passou o passado
o futuro passará
tudo passará
resistir reexistir
fogo orvalho
firme bandalho
fiel fugaz
sublime destino grotesco
a lâmina atravessa
a carne o osso
a pedra o fosso

domingo, 4 de novembro de 2018

PT 8 ─ o velho muro recém-rabiscado

o velho muro recém-rabiscado
esconde o arco do céu sombreado
nuvens sobre assento mal-acabado
onde sento minha bunda bolorenta

as formas frias que se dispersam ao léu
perturbam a paz do homem que cata papel
as veias do mundo imundo estão entupidas
de ganância e maldade pelo rabo ingeridas

amanhã talvez amanhã hoje não hoje não
talvez vá ao supermercado comprar pão
hoje fico por aqui me ajeito com bolacha
polenta talvez não sei o que você acha