desapega da superfície
verniz opaco desgastado
abandona o falso aparente
máscara de mil faces colada à cara
adentra as entranhas
poço escuro
chega ao fundo
âmago amargo
invade as entranhas
perscruta as entranhas
remexe as entranhas
estranhas as entranhas?
bamburra as entranhas
separa a ganga
elimina o estéril
colhe o ouro tão raro
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domingo, 31 de dezembro de 2017
domingo, 24 de dezembro de 2017
Drama caipira
não da imortal tragédia clássica
em remoto tempo
nas longínquas terras tebanas acontecida
tratam estes versos mas
sim de perecível comédia caipira
em tempos atuais
nas vizinhas terras taubateanas imaginado
porém aqui trama semelhante
àquela distante segue adiante
nos primeiros capítulos da novela
o antigo chefe qual laio a história revela
perdeu o posto de comando esse último
abatido ao cruzar perigoso desfiladeiro
por abandono de cargo o primeiro
nada tem ele a reclamar que fique claro
coube ao infeliz final merecido
o oráculo para ele foi cumprido
todos reverenciam agora
o novo chefe empossado
entretanto para se saber o desfecho deste drama
é preciso acompanhar o prosseguimento da trama
mais dia menos dia deverão ser revelados
os destinos do édipo tupiniquim
e da moderna nada casta jocasta enfim
em remoto tempo
nas longínquas terras tebanas acontecida
tratam estes versos mas
sim de perecível comédia caipira
em tempos atuais
nas vizinhas terras taubateanas imaginado
porém aqui trama semelhante
àquela distante segue adiante
nos primeiros capítulos da novela
o antigo chefe qual laio a história revela
perdeu o posto de comando esse último
abatido ao cruzar perigoso desfiladeiro
por abandono de cargo o primeiro
nada tem ele a reclamar que fique claro
coube ao infeliz final merecido
o oráculo para ele foi cumprido
todos reverenciam agora
o novo chefe empossado
entretanto para se saber o desfecho deste drama
é preciso acompanhar o prosseguimento da trama
mais dia menos dia deverão ser revelados
os destinos do édipo tupiniquim
e da moderna nada casta jocasta enfim
domingo, 17 de dezembro de 2017
De re metallica
há dias como metal líquido
fluindo ligeiro que preenchem
todo o molde das horas sem falhas
outros como metal amolecido
ao fogo dos fatos que forjam
em persistente tarefa a passagem do tempo
e há aqueles como duro metal
submetido ao incessante frio martelar dos ponteiros
que se vão encruando a ponto de querer arrebentar
fluindo ligeiro que preenchem
todo o molde das horas sem falhas
outros como metal amolecido
ao fogo dos fatos que forjam
em persistente tarefa a passagem do tempo
e há aqueles como duro metal
submetido ao incessante frio martelar dos ponteiros
que se vão encruando a ponto de querer arrebentar
domingo, 10 de dezembro de 2017
Corpo
pele
sobre a carne
carne
sobre o osso
osso
fosso de mim
estrutura dura
cerne do soma
cérebro
novelo convulso
caos pastoso de nervos
desordem de anseios
fonte de prazer e dor
poço de ideias
estrutura mole
cerne do sema
soma com sema
corpo vivo
pasto de vermes
soma sem sema
corpo morto
antepasto de vermes
sobre a carne
carne
sobre o osso
osso
fosso de mim
estrutura dura
cerne do soma
cérebro
novelo convulso
caos pastoso de nervos
desordem de anseios
fonte de prazer e dor
poço de ideias
estrutura mole
cerne do sema
soma com sema
corpo vivo
pasto de vermes
soma sem sema
corpo morto
antepasto de vermes
domingo, 3 de dezembro de 2017
Clichê
ao amor não cabe medida
é coisa incontível incontida
já ensinou o poeta maior que amor
é ferida que corrói curando salva matando
amor que é amor faz gemer sem causar dor
e extravasa e reprime e solta e abafa o grito
dá a vitória sempre ao perdedor
ignora os limites do infinito
amor tem horror a preconceitos preceitos conceitos
amor que é amor é pra ser aceito de qualquer jeito
só recomenda nunca se deixar de lembrar
viver sem amar é viver para salgar o mar
é coisa incontível incontida
já ensinou o poeta maior que amor
é ferida que corrói curando salva matando
amor que é amor faz gemer sem causar dor
e extravasa e reprime e solta e abafa o grito
dá a vitória sempre ao perdedor
ignora os limites do infinito
amor tem horror a preconceitos preceitos conceitos
amor que é amor é pra ser aceito de qualquer jeito
só recomenda nunca se deixar de lembrar
viver sem amar é viver para salgar o mar
domingo, 26 de novembro de 2017
Cartema ao poeta Manoel
Estimado bardo:
Muito me orgulha
que nossa querida língua
conte com tão insigne figura
como a sua
poeta criador
de tantos e tão belos poemas
que servem para engrandecê-la ainda mais
como expressão da cultura do nosso povo.
Embora de certa forma
constrangido pelo pudor
sou compelido pela vaidade
a confessar-lhe que
ouso ter veleidades poéticas.
O que trocando em miúdos significa dizer que
rabisco meus versinhos.
E completo a confissão lhe informando que
sua poesia é um de meus paradigmas.
Ah! caro Maneco (perdoe se abuso da intimidade)
como eu gostaria de fazer poesia igual a sua.
Há momentos em que chego até a
sentir inveja de você.
Ninguém é capaz de falar
tudo do nada
com tão
sábias ignorãças
como você.
Quisera eu saber a seu modo
“apalpar as intimidades do mundo
usar palavras que ainda não tenham idioma
repetir repetir até ficar diferente
descobrir que as coisas que não têm nome
são mais pronunciadas por crianças
aprender a escrever o cheiro das árvores
entender que poesia é voar fora da asa
errar bem o nosso idioma
fazer o nada aparecer
ser lido pelas pedras
ter palavras que sirvam na boca dos passarinhos
não gostar de palavra acostumada
parecer com nada parecido
não servir mais pra pessoa
estar em eternidades.”
Então eu leio e leio de novo
depois releio e releio de novo
os seus versos
pra ver se fica dentro de mim
pelo menos algum resquício
que sirva de chama inspiradora
mas qual o quê tudo o que sobra é nada!
Vai ver que sou muito duro de molejo
não tenho jeito pro negócio.
Mas também tem uma coisa sou um cara turrão
não desisto fácil não.
Fiquei sabendo um dia desses
assistindo um documentário na televisão
que você
além de exímio criador de versos
é também um excelente criador de gado.
Tive então uma ideia que
talvez pudesse me ajudar
a achar minha inspiração.
Decidi que devia comer carne de boi
criado em suas terras.
Rodei os açougues aqui da capital
até que por fim
encontrei o que queria.
Comprei logo a peça inteira
levei para casa e pedi pra cozinheira
ir preparando ao longo da semana
das mais diversas maneiras
crua fatiada bem fininho
moída pra fazer bolinho
frita
assada
ensopada
tudo com os mais apetitosos temperos
pra minimizar qualquer chance de erro
e passei a comer sua carne Manoel
todos os dias
no almoço e
no jantar.
Apesar dos meus esforços
ainda que possa parecer ignorãça
de minha parte
até agora
infelizmente
nada.
Não consegui escrever sequer
um poemelho
que fosse
uma estrofe
que prestasse
um verso
que chegasse aos pés dos seus.
Mas não tem importância.
Ainda não estou pensando em desistir.
Vou continuar tentando.
Lendo seus livros e
comendo sua carne.
Para minha sorte e alegria
as duas coisas são de primeira!
Muito me orgulha
que nossa querida língua
conte com tão insigne figura
como a sua
poeta criador
de tantos e tão belos poemas
que servem para engrandecê-la ainda mais
como expressão da cultura do nosso povo.
Embora de certa forma
constrangido pelo pudor
sou compelido pela vaidade
a confessar-lhe que
ouso ter veleidades poéticas.
O que trocando em miúdos significa dizer que
rabisco meus versinhos.
E completo a confissão lhe informando que
sua poesia é um de meus paradigmas.
Ah! caro Maneco (perdoe se abuso da intimidade)
como eu gostaria de fazer poesia igual a sua.
Há momentos em que chego até a
sentir inveja de você.
Ninguém é capaz de falar
tudo do nada
com tão
sábias ignorãças
como você.
Quisera eu saber a seu modo
“apalpar as intimidades do mundo
usar palavras que ainda não tenham idioma
repetir repetir até ficar diferente
descobrir que as coisas que não têm nome
são mais pronunciadas por crianças
aprender a escrever o cheiro das árvores
entender que poesia é voar fora da asa
errar bem o nosso idioma
fazer o nada aparecer
ser lido pelas pedras
ter palavras que sirvam na boca dos passarinhos
não gostar de palavra acostumada
parecer com nada parecido
não servir mais pra pessoa
estar em eternidades.”
Então eu leio e leio de novo
depois releio e releio de novo
os seus versos
pra ver se fica dentro de mim
pelo menos algum resquício
que sirva de chama inspiradora
mas qual o quê tudo o que sobra é nada!
Vai ver que sou muito duro de molejo
não tenho jeito pro negócio.
Mas também tem uma coisa sou um cara turrão
não desisto fácil não.
Fiquei sabendo um dia desses
assistindo um documentário na televisão
que você
além de exímio criador de versos
é também um excelente criador de gado.
Tive então uma ideia que
talvez pudesse me ajudar
a achar minha inspiração.
Decidi que devia comer carne de boi
criado em suas terras.
Rodei os açougues aqui da capital
até que por fim
encontrei o que queria.
Comprei logo a peça inteira
levei para casa e pedi pra cozinheira
ir preparando ao longo da semana
das mais diversas maneiras
crua fatiada bem fininho
moída pra fazer bolinho
frita
assada
ensopada
tudo com os mais apetitosos temperos
pra minimizar qualquer chance de erro
e passei a comer sua carne Manoel
todos os dias
no almoço e
no jantar.
Apesar dos meus esforços
ainda que possa parecer ignorãça
de minha parte
até agora
infelizmente
nada.
Não consegui escrever sequer
um poemelho
que fosse
uma estrofe
que prestasse
um verso
que chegasse aos pés dos seus.
Mas não tem importância.
Ainda não estou pensando em desistir.
Vou continuar tentando.
Lendo seus livros e
comendo sua carne.
Para minha sorte e alegria
as duas coisas são de primeira!
domingo, 19 de novembro de 2017
Briga de foice
o poeta
esgravata
o poema
desbarata
o poeta
cata
o poema
desacata
o poeta
aparata
o poema
achata
o poeta
contata
o poema
delata
o poeta
relata
o poema
maltrata
o poeta
trata
o poema
arrebata
o poeta
reata
o poema
empata
o poeta
resgata
o poema
destrata
o poeta
aquilata
o poema
enlata
o poeta
arremata
o poema
sucata
o poeta
formata
o poema
mata
o poeta
esgravata
o poema
desbarata
o poeta
cata
o poema
desacata
o poeta
aparata
o poema
achata
o poeta
contata
o poema
delata
o poeta
relata
o poema
maltrata
o poeta
trata
o poema
arrebata
o poeta
reata
o poema
empata
o poeta
resgata
o poema
destrata
o poeta
aquilata
o poema
enlata
o poeta
arremata
o poema
sucata
o poeta
formata
o poema
mata
o poeta
domingo, 12 de novembro de 2017
Boa lição de vida
embora a tivesse conhecido apenas há pouco
ambos em idade avançada ela mais que eu acredito
me presenteou com uma boa lição de vida
possibilitou que estivesse junto dela naquele leito
num momento tão importante de sua vida
no primeiro instante de sua morte
ambos em idade avançada ela mais que eu acredito
me presenteou com uma boa lição de vida
possibilitou que estivesse junto dela naquele leito
num momento tão importante de sua vida
no primeiro instante de sua morte
domingo, 5 de novembro de 2017
Beleza pura
prometo de hoje em diante
não ser mais pessimista
este sujeito mal-humorado
implicante que em tudo vê defeito
vou deixar a ironia de lado
e enxergar o lado bom da vida
vou olhar este vasto mundo
imundo
com olhos de brandura meigos de ternura
vou achar tudo beleza pura
quando eu encontrar um bando
de crianças famélicas
sujas maltrapilhas abandonadas
mendigando pela cidade
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“mas também tem um montão
de criança bem tratada bem alimentada
que frequenta escola cara e usa roupa de grife”
quando eu passar por uma
das centenas de favelas que pululam
aos quatro cantos desta magnífica metrópole
com seus milhares de barracos ao estilo gaudí
paredes feitas de madeira velha e pedaços de papelão
piso de terra batida teto de restos de lona plástica
amontoados uns sobre os outros
em tremenda promiscuidade
fedor de cocô no ar exalando
de esgoto que escorre aberto ao céu
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“mas também tem um montão
de gente que mora em casa de alvenaria
com todo saneamento básico
sobrado geminado uns
sobrado semi-isolado outros
alguns em
sobrado isolado dos dois lados
ou apartamento bem montado
tem gente até que mora
bem acima do inferno do rés do chão
lá no alto quase dentro do céu
em cobertura milionária
de não sei quantos mil metros quadrados”
quando eu andar distraído desavisado
por rua deserta ou mesmo movimentada
e aí ter a oportunidade de ser abordado
por um ou mais laboriosos cidadãos
a pé de carro ou de motocicleta
sem muita noção de boa educação
com um baita revólver na mão
apontado bem para o meio da minha cabeça
solicitando que eu entregue minha carteira
vai ser legal à beça
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“até que tive uma baita de uma sorte
poderia ter sido levada também a vida
por bala mancomunada com a morte
porém foi levado apenas o dinheiro
fruto do trabalho de um mês inteiro”
quando eu caminhar ao longo das margens
dos rios córregos ribeirões que cortam o
sagrado solo desta imensa capital do estado
e encontrar principalmente depois de boa chuvarada
flutuando sobre as águas escuras cheirando à bosta
milhares de garrafas plásticas de embalagem
e densa espuma de algum produto tóxico
competindo pra ver quem é que consegue
cobrir mais área de superfície
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“o ser humano é mesmo genial
primeiro faz água pura cristalina cheia de vida
virar um líquido fétido podre morto
depois usando o poder de sua tecnologia
volta a transformar
uma verdadeira merda fluida
de novo em prometida água potável
própria pra se beber ou ao menos se lavar”
quando eu me encontrar perdido
no meio da multidão que invade
shopping centers supermercados
parques clubes jardins
restaurantes bares lanchonetes
teatros cinemas casas de shows
consultórios ambulatórios hospitais
ônibus trens aviões
nos fins de semana
nos meios de semana
nos inícios de semana
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“já imaginou se não tivesse todo esse povaréu
como seria triste nossa vida
quão terrível nossa solidão
ia faltar tanto calor humano”
quando eu me pegar preso
num destes puta congestionamentos
do caótico trânsito urbano de veículos
de manhã indo para o trabalho
de noite voltando pra casa
durante o dia rodando daqui pra lá de lá pra cá
ou nos fins de semana e nas vésperas de feriados
indo pro litoral pra enfrentar nas padarias
fila pra comprar leite pão e cigarro
pegar micose na areia da praia
ingerir uns coliformes fecais a mais
ao tomar agradável banho de mar
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“pelo menos quando eu chegar vou poder relaxar
beber uma cervejinha assistindo ao meu time jogar
se a esposa se lembrou de botar pra gelar
se as crianças tiverem ido mais cedo pra cama
se a sogra não resolveu dar as caras pra aporrinhar”
é por essas e por outras que doravante
posso até jurar por deus se quiserem
conforme prometi acima
não serei mais pessimista
nem menos
não ser mais pessimista
este sujeito mal-humorado
implicante que em tudo vê defeito
vou deixar a ironia de lado
e enxergar o lado bom da vida
vou olhar este vasto mundo
imundo
com olhos de brandura meigos de ternura
vou achar tudo beleza pura
quando eu encontrar um bando
de crianças famélicas
sujas maltrapilhas abandonadas
mendigando pela cidade
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“mas também tem um montão
de criança bem tratada bem alimentada
que frequenta escola cara e usa roupa de grife”
quando eu passar por uma
das centenas de favelas que pululam
aos quatro cantos desta magnífica metrópole
com seus milhares de barracos ao estilo gaudí
paredes feitas de madeira velha e pedaços de papelão
piso de terra batida teto de restos de lona plástica
amontoados uns sobre os outros
em tremenda promiscuidade
fedor de cocô no ar exalando
de esgoto que escorre aberto ao céu
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“mas também tem um montão
de gente que mora em casa de alvenaria
com todo saneamento básico
sobrado geminado uns
sobrado semi-isolado outros
alguns em
sobrado isolado dos dois lados
ou apartamento bem montado
tem gente até que mora
bem acima do inferno do rés do chão
lá no alto quase dentro do céu
em cobertura milionária
de não sei quantos mil metros quadrados”
quando eu andar distraído desavisado
por rua deserta ou mesmo movimentada
e aí ter a oportunidade de ser abordado
por um ou mais laboriosos cidadãos
a pé de carro ou de motocicleta
sem muita noção de boa educação
com um baita revólver na mão
apontado bem para o meio da minha cabeça
solicitando que eu entregue minha carteira
vai ser legal à beça
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“até que tive uma baita de uma sorte
poderia ter sido levada também a vida
por bala mancomunada com a morte
porém foi levado apenas o dinheiro
fruto do trabalho de um mês inteiro”
quando eu caminhar ao longo das margens
dos rios córregos ribeirões que cortam o
sagrado solo desta imensa capital do estado
e encontrar principalmente depois de boa chuvarada
flutuando sobre as águas escuras cheirando à bosta
milhares de garrafas plásticas de embalagem
e densa espuma de algum produto tóxico
competindo pra ver quem é que consegue
cobrir mais área de superfície
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“o ser humano é mesmo genial
primeiro faz água pura cristalina cheia de vida
virar um líquido fétido podre morto
depois usando o poder de sua tecnologia
volta a transformar
uma verdadeira merda fluida
de novo em prometida água potável
própria pra se beber ou ao menos se lavar”
quando eu me encontrar perdido
no meio da multidão que invade
shopping centers supermercados
parques clubes jardins
restaurantes bares lanchonetes
teatros cinemas casas de shows
consultórios ambulatórios hospitais
ônibus trens aviões
nos fins de semana
nos meios de semana
nos inícios de semana
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“já imaginou se não tivesse todo esse povaréu
como seria triste nossa vida
quão terrível nossa solidão
ia faltar tanto calor humano”
quando eu me pegar preso
num destes puta congestionamentos
do caótico trânsito urbano de veículos
de manhã indo para o trabalho
de noite voltando pra casa
durante o dia rodando daqui pra lá de lá pra cá
ou nos fins de semana e nas vésperas de feriados
indo pro litoral pra enfrentar nas padarias
fila pra comprar leite pão e cigarro
pegar micose na areia da praia
ingerir uns coliformes fecais a mais
ao tomar agradável banho de mar
vou achar uma beleza
e pensar em contrapartida
“pelo menos quando eu chegar vou poder relaxar
beber uma cervejinha assistindo ao meu time jogar
se a esposa se lembrou de botar pra gelar
se as crianças tiverem ido mais cedo pra cama
se a sogra não resolveu dar as caras pra aporrinhar”
é por essas e por outras que doravante
posso até jurar por deus se quiserem
conforme prometi acima
não serei mais pessimista
nem menos
domingo, 29 de outubro de 2017
Amor sublime amor
o amor que conta
definitivamente não é o primeiro
que deve estar sepultado nas catacumbas da memória
o amor que conta
definitivamente é o último
que deve estar vivo ativo operante
se o primeiro resistir
e conseguir ser único
valerá como último
definitivamente não é o primeiro
que deve estar sepultado nas catacumbas da memória
o amor que conta
definitivamente é o último
que deve estar vivo ativo operante
se o primeiro resistir
e conseguir ser único
valerá como último
domingo, 22 de outubro de 2017
Amor e sexo
amor sem sexo é fraternidade
sexo sem amor é sacanagem
amor com sexo ou
sexo com amor
é esplendor
sexo sem amor é sacanagem
amor com sexo ou
sexo com amor
é esplendor
domingo, 15 de outubro de 2017
A verdade nua e crua
a verdade nua e crua
ser de mentira
representação grotesca do nada
nada vezes nada noves fora zero
ficção desfigurada do vazio do vácuo
blefe da vida
perdição pelas trilhas de campos estéreis
ofertório de sorrisos subservientes com insegura prepotência
compaixão regada a lágrimas semissecas
engodo do destino
qualquer ponto de vista leva a igual perspectiva
vice-versa com mesmo sentido
mentira de ser
a crua e nua verdade
ser de mentira
representação grotesca do nada
nada vezes nada noves fora zero
ficção desfigurada do vazio do vácuo
blefe da vida
perdição pelas trilhas de campos estéreis
ofertório de sorrisos subservientes com insegura prepotência
compaixão regada a lágrimas semissecas
engodo do destino
qualquer ponto de vista leva a igual perspectiva
vice-versa com mesmo sentido
mentira de ser
a crua e nua verdade
domingo, 8 de outubro de 2017
domingo, 1 de outubro de 2017
Alea jacta est
o dado foi dado
ao que tudo indica
pra ser jogado
prova disso foi dada
pelo bravo general que
segundo dados não confirmados
depois de ter dado
pra alguns de seus soldados
demonstrando que valentia
e vontade de dar o rabo
podem conviver lado a lado
ao atravessar o rubicão
deixou nos anais da história
a frase famosa
“alea jacta est”
pra assinalar de maneira metafórica
sua decisão heroica que
lhe traria em primeira instância
momentos de glória mas que
lhe tiraria a vida em seguida
na ponta de punhal traidor
desde então até os dias de hoje
pra prestar homenagem talvez
a tão ilustre figura histórica
nas casas de jogo do mundo todo
funcionando na legalidade
ou na clandestinidade
a receita continua sendo adotada
porém de forma menos figurada
ao dar via de regra por meio de
um início alentador
a falsa sensação de vitória
para acabar logo depois
com a raça do mísero jogador
ao que tudo indica
pra ser jogado
prova disso foi dada
pelo bravo general que
segundo dados não confirmados
depois de ter dado
pra alguns de seus soldados
demonstrando que valentia
e vontade de dar o rabo
podem conviver lado a lado
ao atravessar o rubicão
deixou nos anais da história
a frase famosa
“alea jacta est”
pra assinalar de maneira metafórica
sua decisão heroica que
lhe traria em primeira instância
momentos de glória mas que
lhe tiraria a vida em seguida
na ponta de punhal traidor
desde então até os dias de hoje
pra prestar homenagem talvez
a tão ilustre figura histórica
nas casas de jogo do mundo todo
funcionando na legalidade
ou na clandestinidade
a receita continua sendo adotada
porém de forma menos figurada
ao dar via de regra por meio de
um início alentador
a falsa sensação de vitória
para acabar logo depois
com a raça do mísero jogador
domingo, 17 de setembro de 2017
A dor não é doença
a dor não é doença a dor é sinal de doença
a dor doe sem dor pior
a dor não é para ser adorada a dor é para ser respeitada
a dor não é para ser ignorada a dor é para ser aplacada
a dor almeja nossa salvação a dor é uma bênção
uma bênção dolorida que quer tudo
bem são
domingo, 10 de setembro de 2017
domingo, 3 de setembro de 2017
domingo, 27 de agosto de 2017
Antes agora
tomo-te tua boca de seda
sobre minha áspera boca
e quisera ter-te tomado bem antes
muito antes do agora tempo fugidio
e só pude tomar-te agora tão tarde
mas tomo antes agora do que nunca
tomo-te teu corpo de amante
sobre meu letárgico corpo
e quisera ter-te tomado bem antes
antes mesmo do início sempre
e só pude tomar-te agora tão tarde
mas tomo isso agora é o que importa
toma-me cola tua pele na minha
crava tuas mãos em meus músculos
faze meu corpo teu corpo
respira por mim meu sopro
alimenta meu ser com o leite
de tuas entranhas
toma-me ordena-me viver
faze-me rochedo imenso a teu lado
e deglute minha rude carnadura
antes que ela se faça dura agonia
e se desfaça em morte escura
agora que a vida se derrama encantada sobre nós
domingo, 20 de agosto de 2017
A perdição de Adão
em verdade em verdade
vos digo amigos
a perdição de adão
foi a imprudência
de ter comido
atrás da árvore da ciência
achando que era escondido
homem é mesmo trouxa
a pera de eva
que a mulher leva
guardada entre as coxas
domingo, 13 de agosto de 2017
Arremate
era uma casa modesta mas certa
vê-la transformada em mansão
um filho audacioso cobiça
o pai pródigo enguiça
o filho ouriça
o pai pródigo se afasta
o filho gosta
o pai pródigo some
o filho assume
o pai pródigo avaliza
o filho atomiza
o pai pródigo propicia
o filho dissocia
o pai pródigo invoca
o filho provoca
o pai pródigo apavora
o filho arvora
o pai pródigo volta
o filho desgosta
o pai pródigo ajeita
o filho desfeita
o pai pródigo desencrava
o filho aconchava
o pai pródigo luta
o filho oculta
o pai pródigo cala
o filho engala
o pai pródigo disponibiliza
o filho desincompatibiliza
o pai pródigo se escafede
o filho excede
o pai pródigo lamenta
o filho arrebenta
o pai pródigo deplora
o filho ignora
o pai pródigo cambaleia
o filho alardeia
o pai pródigo murcha
o filho incha
o pai pródigo morre
o filho recorre
o pai pródigo apodrece
o filho esquece
ali antes havia valores talvez
de importância desprovidos
daí deixou de haver o havido
nada daquilo vigorou mais
novos valores valeram depois
a casa modesta no prejuízo
frustrada futura mansão
levada a juízo
foi arrematada em
leilão
domingo, 6 de agosto de 2017
Mercadores modernos da fé
usam boa lábia e língua afiada
uma desgastada retórica bitolada
empregam todos os meios de comunicação
ondas de rádio ao vivo e a cores na televisão
ludibriam a sofrida gente simplória
com aparência humilde a rigor finória
apregoam a extirpação de todo sofrimento
mediante extorsão de dízimo em pagamento
vendem fórmulas de felicidade
em templos pululados pela cidade
mercadejam sem pejo com a religião
usufruindo da boa-fé da população
acumulam fortunas escandalosas
passando por pessoas respeitosas
são os mercadores modernos da fé
pastores pés de bode fedendo a chulé
domingo, 30 de julho de 2017
A treva
em sua loca
funda toca
estreita pouca
a treva quieta
ali parada
ar de louca
paciente
espia
espreita
espera
o momento certo
de abocanhar
e triturar
em suas mandíbulas
tenazes rijas
a incauta vítima
distraída
presa fácil
que por ali
bem à frente
certamente
irei passar
domingo, 23 de julho de 2017
Cogito ergo...
de pé elevo a voz
brindo o progresso
que tanto sucesso
tem feito entre nós
arauto de verso
de pé quebrado
o chocho brado
oculta o inverso
fogo de queimada
água apodrecida
ar poluído
terra devastada
ó queridos fraternos
tudo gente boa
não é à toa
que está este inferno
domingo, 16 de julho de 2017
Recompensa
meio-dia fica a postos
já vêm a mesa está posta
improvisa o que almoçar
com as sobras do jantar
o inverno virou um inferno
convidado do efeito estufa
no bolso do avental recolhe
o resto do fundo de garantia
essa máquina de sangue e ossos
não vai a chá da tarde de táxi
uma vida rumo ao crepúsculo
vulgar tal qual a da massa
tetas caídas sem sutiã
vulva seca ao toque
em luta cega sem ego
pra conservar esse lar
domingo, 9 de julho de 2017
Único
o momento escorre pelos vãos do tempo
primitivo conceito oriundo do movimento
eterno mistério inescrutável para sempre
oculto por mais que a ciência tente o oposto
embora isso possa parecer estranho
à primeira vista destituído de sentido
caso se deixe os pensamentos fluir
soltos se afigura como coisa natural
limpo de corpo nem tanto talvez de alma
busco com sua somatória preencher meu
dia outro dia uma sequência em que mal
me reconheço morador de outras terras
suspiro profundo novamente acreditando
assim provar a minha existência em que
todos apesar de encadeados são sozinhos
ou em outras palavras cada um é único
domingo, 2 de julho de 2017
Progresso
aproveito a comodidade oferecida
pelo extraordinário desenvolvimento
que a microeletrônica tem atingido
e abro meu houaiss3 eletrônico na palavra
progresso
onde encontro
entre outras acepções
para o uso em sentido absoluto
o significado de
a evolução da humanidade
da civilização
modernização
meu aurélio século xxi
proporcionando igual comodidade
informa que
progresso
é “acumulação de aquisições materiais e de conhecimentos
objetivos capazes de transformar a vida social e de conferir-lhe maior
significação e alcance no contexto da experiência humana civilização desenvolvimento”
um dia desses
em visita a um dos sebos do centro por acaso
me caiu nas mãos um livro de fotografias
da minha cidade na primeira metade do século passado
folheando aquelas memoráveis páginas
enchi meus olhos de imagens incríveis
se comparadas ao estado atual da megalópole
me ative a uma série de fotos
tiradas em diversos pontos ao longo
das margens do rio tietê em seu trecho urbano
em particular algumas ali nas proximidades
onde hoje existe a ponte cruzeiro do sul
me encantei de ver
barcos a remo
disputando uma regata
um solitário pescador
de chapéu e colete
em um ponto da margem
retirando um peixe do anzol
com a vara de pesca sob as axilas
observado pelos ocupantes de um barco a remos
que navegava pelo meio do rio
um nadador em pleno voo
a partir de uma plataforma de madeira
num sensacional salto de anjo
audazes mulheres saindo das águas
ao término da primeira travessia
do rio a nado
realizada no ano de 1924
quando fechei o precioso livro documentário
divisei na estante de literatura brasileira
bem ali em frente o livro
“poesias completas” de mário de andrade
não resisti e abri na página 44
em que estava o poema tietê
do pauliceia desvairada
li
“era uma vez um rio...
.......................................................................................................................
as embarcações singravam rumo do abismal descaminho...
.......................................................................................................................
— nadador! vamos partir pela via dum mato-grosso?
— io! mai!... mais dez braçadas...
.....................................................................................................................”
sem saber bem por que
saí daquela livraria de livros usados
com o coração cheio de nostalgia e
passei a caminhar a esmo pelas ruas
quando me dei conta
estava sobre a ponte cruzeiro do sul
aturdido observei
o trânsito incessante
de cá pra lá e de lá pra cá
sobre os dois lados da ponte
o engarrafamento infernal
abaixo se estendendo a perder de vista
em todas as pistas da marginal
as motos costurando como doidas
os outros veículos
que se arrastavam como lesma
os olhos passaram a lacrimejar ao contato com
a fumaça dos escapamentos
apesar do controle oficial do ar
ouvi quase ensurdecido
a zoada dos motores e
as buzinas neuróticas
inutilmente
querendo abrir espaço no berro
olhei para aquele rio morto
encurralado na calha de concreto
construída com os bilhões financiados pelos japoneses
na tentativa vã de conter as inundações ribeirinhas
alto preço pago pela ocupação irresponsável do solo
com suas águas pútridas cobertas de
espuma tóxica
lixo
restos de
plástico
móveis podres
carniça
senti o fedor insuportável de merda
subindo daquele esgoto a céu aberto
e lembrei das fotografias antigas
há pouco vistas no livro do sebo
e não pude evitar de pensar
— caramba que situação deplorável
na minha cabeça ficou martelando
a pergunta que não queria calar
— será isso progresso? se for
que porra de progresso
é esse?
domingo, 25 de junho de 2017
Delírio dominical
logo cedo a longa espera abominável espera
na sala de espera do consultório médico
porra é domingo e está superlotado de gente
não é possível esta cidade está
cada dia pior insuportável
ainda bem que tenho você pra me suportar
compreender amar
o arroz congelado descongelado no micro-ondas
requentado no forno convencional a gás
ficou duro uma merda
mas não importa o que importa é que estamos aqui
juntos nos querendo nos amando
comendo este arroz duro de merda
tomando este chardonnay importado argentino gelado
uma delícia você não acha acho que bom
depois vamos tomar um café vamos
a gente podia ir dançar
preciso cuidar das plantas
cheiro de mato cortado
cheiro de terra molhada
e no céu
o dinossauro quer te abocanhar
avanço empunhando minha espada
pra te defender é claro
não é necessário o vento amigo colabora comigo
transforma o dinossauro em sapo
que a moça donzela deve beijar
pra ele virar príncipe desencantado
a lua quarto crescente brilha no quarto
na sala na varanda
cresce seu brilho ao te ver pra ela olhar
olho daqui de cima a vida lá embaixo
e olho pra cima e acho que percebo
quanto sou arrogantemente insignificante
no banho o sabonete me transforma em espuma
e meu corpo imundo escorre
pelo ralo do box do banheiro
arrastado para o esgoto com a água do chuveiro
momentaneamente aqui neste ambiente
sou apenas espírito
perfume de magnólia artificial no ar
mais tarde de madrugada na cama
voltarei a me corporificar
não perdes por esperar
por ora devo armazenar bom estoque de cuspe
pra lubrificar o membro e poder melhor te penetrar
e então sim definitivamente me dissolver
me dissolver indefinidamente em ti
caramba esta grappa é mesmo danada de boa
domingo, 18 de junho de 2017
Velho tema novo
canto agora feliz bem docemente
com tal remanso e com tamanho agrado
meus desenganos foram dominados
o teu amor é a força que me sustenta
esse amor que tu me dás de presente
sendo íntegro sincero e delicado
traz alegria vem pleno de cuidado
generoso sempre nunca insolente
e nada mais a desejar me atrevo
se tanto assim mereço meu desejo
é também te amar pois quero e devo
unidos avancemos nesse ensejo
vamos juntos desfrutar todo o enlevo
dessa tal conquista é tudo que almejo
domingo, 11 de junho de 2017
Vi no velório
pelo piso frio de gastado granito
entre tênis botas sandálias sapatos
impassível às vozes veladas
vi no velório
uma ligeira formiguinha
movendo resoluta as patinhas
caminhava para um destino ignorado
ignorada pelos vivos distraídos
e até pelo morto dorminhoco
domingo, 4 de junho de 2017
A infâmia o tempo desvela
no pântano pestilento
que me vi envolvido
respiro ofegante
ar contaminado
pelo miasma ambiente
animais peçonhentos
rastejam ao redor
o ataque é iminente
querem certamente
envenenar meu sangue
a qualquer momento
o charco pode me tragar
me levando sem esforço
pro fundo de escuro fosso
na noite sem lua
vou cauteloso
é preciso estar atento
o inimigo é perigoso
vou destemido
sem atrevimento mas forte
não há por que temer a sorte
obrigo-me a ouvir
a eloquência do silêncio
no momento
a melhor palavra é a palavra não dita
mesmo que fosse bem dita seria maldita
hoje devo calar
nenhuma palavra
engolir em seco
domingo, 28 de maio de 2017
A invenção das palavras é
fruto de uma necessidade
básica do ser humano
comerciar humanidade
barganha de desengano
domingo, 21 de maio de 2017
Égalité fraternité
somos todos iguais
não não somos todos iguais
como podemos ser iguais um ao outro
se nem mesmo o eu que eu sou agora
não é mais igual
ao eu que eu era minutos atrás
logo de manhã ao despertar estava feliz da vida
por ter feito também feliz uma amigo visceral
meu velho intestino grosso
que todo dia já bem cedo quer se ver livre
das sobras do jantar da noite passada
e solicita que eu deposite esse subproduto
no vaso sanitário do banheiro do apartamento
depois fiquei tenso apreensivo
ao pensar nas contas que tenho de pagar
enquanto fazia a barba espantado
olhando no espelho feito um babaca
esta cara cada dia mais de bruaca
agora estou aqui frente à tela deste computador
sofrendo suando penando pra tentar alinhavar
as parcas palavras deste inútil poemelho pentelho
em que procuro mal dizer sem me desdizer
que não não somos absolutamente todos iguais
cada um é cada um
e como acabei de escrever
mesmo esse um não é um mas muitos uns
quem disser – todos devíamos ter o mesmo salário
ou é um bom salafrário ou é um grande otário
a ideia de acabar com a propriedade privada
que me desculpem os comunistas
não merece outro destino que a privada
pública ou privada
mas uma coisa se pode afirmar com convicção
embora não seja simples resolver a questão
não é justo alguém ter renda mensal de milhão
e tantos nem ter dinheiro prum mísero pão
é intolerável haver habitações das mais belas
e uma cacetada de promíscuas favelas
porque se não somos todos iguais
também não podemos ser tão desiguais
domingo, 14 de maio de 2017
Amor helmíntico
minha paixão por ti é tão intestina
que chego a sentir gana de ser
uma lombriga em teu abdome
quisera estar a todo o momento
no íntimo de teus pensamentos
na forma de um belo cisticerco
alojado ao lado de teu cerebelo
mas por mais que eu me mexa
tu não me dás qualquer atenção
sinto-me desprezada uma solitária
e bem que podia trazer-te prazer
vontade não falta crê é visceral
provocar-te deliciosa coceira anal
me transformando num ágil oxiúro
no duro este meu supremo ideal
domingo, 7 de maio de 2017
Cicatriz
marca deixada por uma lesão
sinal ou vestígio de destruição
lembrança persistente de um grande sofrimento
foi o que restou deste demorado relacionamento
queloide hipertrófico imune a tratamento
depende somente do transcorrer do tempo
para o corpo mostrar indícios de restauração
para a alma sentir sintomas de regeneração
domingo, 30 de abril de 2017
Vox populi
voz do povo voz de deus
diz o dito popular
querendo com isso dizer
que deus elegeu o povo
como seu porta-voz
a manifestação do povo
um número grande de gente
ligada por uma causa comum
representa coisa certa
pois é como se deus
assim quisesse se manifestar
e ele é onisciente afinal
com base nesse preceito
procuro tirar uma conclusão
dos resultados da última eleição
leio a ficha corrida dos candidatos
eleitos pelo povo para
o senado
a câmara federal
os legislativos estaduais
as câmaras municipais
olho também as fichas
por uma questão de equidade
do novo presidente
dos vinte e sete governadores
dos cinco mil e tantos prefeitos
e por mais que revire as ideias
na minha cachola cansada
chego sempre a igual resultado
deus deve sofrer coitado
pra nossa triste agonia
de irremediável afonia
domingo, 23 de abril de 2017
Elegia fracassal
à luz da dolorosa situação a que chegamos
tenho calafrios e escrevo um século depois
escrevo sentindo engulho atônito diante da feiura
disto tudo feiura desconhecida dos mais antigos
canto um canto parco estreito rouco
dos farrapos feitos a ferro fogo força
canto o presente e cantando o presente
também canto o passado e o futuro
porque o presente é presente do passado
e o futuro terá como passado o presente
futurismo enaltecido no sempre presente passado modernista
a par da modernidade que ruge range geme estruge ferra fere
garroteia
e tem sido geradora e transmissora ao longo de décadas até
os dias de hoje
de tantos suplícios que será então do nosso futuro? qual
será nossa saída?
rrrr rodas e engrenagens sois eternas? não tendes mais fim?
maquinismos em fúria a espalhar corrosivo sêmen
em fúria fora e dentro de mim
a penetrar por todos meus poros
fazendo-me exalar mau cheiro
lateja-me a cabeça rrrr ruídos modernos
de vos ouvir demasiadamente sem cessar
e tenho a boca seca por vos querer cantar rrrr máquinas
infernais
eia modo moderno de ser que exiges permanente mudança de
modo de ser
sem tempo a perder para formar tradição trocar passou ser
tradição
eia modo moderno de ser que criaste a fobia do novo e preferes
o ter ao ser
eia mercado imperador absoluto e tirano
eia consumo eia consumo eia consumo eis a ordem geral
eia artes que vos banalizastes e também virastes mercadoria
vítima de mercancia
eia artistas verdadeiros e verdadeiros picaretas que
virastes farinha do mesmo saco
tudo se transforma em produto a ser consumido em coisa a ser
adquirida
eia outro também te transformas em coisa a ser possuída para
em seguida ser descartada
e se como disse a clarice eu sou o outro do outro então eu
também me coisifico
e todos nós acabamos nos coisificando
ó megalópoles com vossas avenidas ruas praças viadutos
túneis passarelas
apinhadas de todos os tipos de veículos apinhadas de todos
os tipos de gente
todos os tipos de milhões de coisas moventes querendo passar
ultrapassar
se esfregando se apertando se ralando se amassando aos
encontrões
em crispações absurdas fruto de promíscua fúria inútil de ir
e vir
e tudo acaba se arrastando quase parando
xô shopping centers substitutos hodiernos das catedrais do
passado
acolheis em vosso regaço multidões de fiéis adoradores de
mercadorias
fetiches em exposição permanente nas fachadas das vossas
lojas altares
aparelhos eletromecatrônicos domésticos ou não aparelhos de
barba fogões fornos geladeiras máquinas de lavar máquinas de secar ferros
elétricos rádios televisores aparelhos de vídeo máquinas fotográficas
filmadoras computadores gravadores escâneres telefones com fio sem fio
celulares aparelhos de fax impressoras
aspiradores de pó enceradeiras aquecedores ventiladores
condicionadores de ar torradeiras cafeteiras liquidificadores moedores
trituradores espremedores acendedores exaustores purificadores batedeiras
vibradores
figurinos da última moda roupas de grife milhares de modelos
de calçados
coisas todas modernas coisas grandes pequenas originais
banais úteis inúteis
por que pervertidamente vos enroscais à minha vista?
coisas coisas coisas coisas coisas que toda a gente quer
comprar
quem tem necessidade de tanta coisa?
ah arranha-céus avançais para o alto apoiados em vossas
garagens subterrâneas
massa de concreto armado milimetricamente projetado pela
engenharia da especulação
cada vez mais e mais vos amontoais uns aos outros para
abrigar amontoada crescente
massa de gente desamada quotidianamente deslocada pela
economia da obrigação
dos apartamentos onde habitam para os edifícios onde
trabalham e vice-versa etc.
hurra agricultura moderna com tuas supermáquinas de plantar
irrigar colher debulhar
tua química agrícola com adubos sintéticos agrotóxicos e
espécies transgênicas
acaso estás ao menos mitigando a fome crônica destes bilhões
de famintos?
psiu medicina moderna teus aparelhos de diagnosticar
dia-a-dia mais se sofisticam
tuas técnicas cirúrgicas e teus medicamentos dia-a-dia mais
se aprimoram
mas novas doenças não cessam de se manifestar velhas doenças
de ressuscitar
as filas para algum tipo de atendimento médico só fazem
aumentar
os hospitais mais e mais são insuficientes
cada vez maior é o número de gente doente
olá comunicações por terra por água e por ar bons motivos
tendes para essa pressa
importantíssima reunião? grande negócio? ou só um giro de
breve regresso?
oi gigazilhões de informações é preciso que sejais
informadas num picossegundo?
quase tudo não passa de cultura inútil notícia falsa ou
fofoca de gente do submundo
oh propaganda & marketing eu me prostro a vossos pés
e vos reverencio por conseguirdes me fazer
acreditar em que não devia e a querer possuir o que não
preciso
pô poluição da terra da água e do ar será preciso o fogo do
inferno para vos liquidar?
ufa efeito estufa buraco de ozônio aquecimento global nada
mal
xi extinção das calotas polares elevação do nível dos mares
arre finalmente o fim das florestas a morte dos lagos rios
oceanos?
não demora o dia de não ter mais água pra correr pelos canos
eh-lá excelente herança vamos deixar para as futuras
crianças
bum bombas mais e mais bombásticas capazes de destruir o
mundo em segundos
eca sistema econômico fubeca tens o dom magnífico de
produzir grandes riquezas
mui justamente concentradas nos bolsos privilegiados de uns
poucos
à custa de muitos injustamente obrigados a chafurdar em
imbatível pobreza
hupa-lalá democraticamente institucionalizadas corrupções
políticas
hupa-lalá todos os tipos de extraordinárias violências e
injustiças
hupa-lalá magníficas especulações nas bolsas de valores
hupa-lalá inteligentíssimas megafraudes financeiras
hupa-lalá apetitosíssimos juros bancários
hupa-lalá rentabilíssimo tráfico de armas
hupa-lalá lucrativíssimo tráfico de drogas
hupa-lalá show de esportes pela tevê
hupa-lalá show de notícias pela tevê
hupa-lalá show de fé pela tevê
hupa-lalá show de mediocridade pela tevê
hupa-lalá desenvolvimento
hupa-lalá desigualdade social
hupa-lalá progresso
hupa-lalá degradação ambiental
hupa-lalá
hupa-la
hup
glup
hip-hurra tudo isto tão maravilhosamente moderno
supermoderno transmoderno
vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum
fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon
bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi
bi bi bi bi bi
trim trim trim trim trim trim trim trim trim trim trim trim
trim
bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip
bip
pam pam pam pam pam pam pam pam pam pam pam pam
pein pein pein pein pein pein pein pein pein pein pein pein
poin poin poin poin poin poin poin poin poin poin poin poin
tik tik tik tik tik tik tik tik tik
tak tak tak tak tak tak tak
rrrrrrrrrrrriiiiiiiiissssssssssssssssssssskkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
pif paf pof puf puf puf puf puf puf puf puf puf puf puf puf
puf
cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof
cof-cof
ai ai ai ui ui ui dói dói dói dói dói dói dói dói dói dói
dói dói
upa upa papapapapapapapapapapapapapapapapapapapaaaaaaaa
tsk tsk tsk
crash ash ash ash ash ash ash ash
xi iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
big-bang
BUUUMMM?
domingo, 16 de abril de 2017
Desaprender de ser humano
o capital acumula
o poder corrompe
a justiça falha
a gente consome
a pobreza prolifera
a fome mata
a fumaça alastra
o calor aumenta
o gelo escorre
o oceano sobe
a floresta arde
a água seca
a vida vacila
o humano claudica
a luz pisca
o mal se espalha
a poesia encolhe
domingo, 9 de abril de 2017
A morte é a vida da vida
por mais que evolua a inteligência humana
por mais que progrida a ciência humana
embora a sabedoria humana
de uma maneira geral
não acompanhe esses eventos
provavelmente jamais o ser humano
consiga dar explicação cabal
do porquê do fenômeno da vida
vai daí que acabe apelando
ainda que em última instância
para alguma forma de teologia
pode especular acerca
da origem do universo
o big bang
a curvatura do espaço-tempo
os buracos negros
as galáxias as estrelas os planetas os cometas
do surgimento de vida na terra
do processo evolutivo das espécies
ao longo das longas eras
pode entender nos mais íntimos detalhes
como se dá a reprodução
seu ciclo biológico sua evolução
seus azares e seu fenecimento
mas por que existe vida
talvez nunca alcance a compreensão
permanecendo o fenômeno
para sempre um mistério
a menos que se aceite a ideia
de que o fato se deu por mero acaso
a partir de uma conjunção particular
acidental de partículas elementares
que passaram a evoluir para formas
cada vez mais e mais complexas
deixando de lado por ora
essas frouxas especulações metafísicas
sobre a justificativa da existência da vida
quiçá o que fosse
digno de apontamento
se merecesse esse direito
seria um fato óbvio ululante
a vida
por alguma razão
é um ato de criação
com a característica notável
de ter a vontade inabalável
de querer permanecer
a vida
trocando em miúdos
quer viver
e viver sempre
cada vez mais
a vida
para atingir seus fins
criou as criaturas
vegetais e animais
com a propriedade de perenizar a vida
por meio do processo de reprodução
o que resultou em complicação
a vida
percebeu a enrascada
em que se meteu
ao querer se eternizar por meio
da reprodução das criaturas
criara um moto-perpétuo no qual
as criaturas cresceriam indefinidamente
aumentando as necessidades de meios
de sobrevivência de forma insustentável
a vida
procurou uma saída
para o impasse
que ela mesma criou
inventou então o fenecer
para dar cabo das criaturas
a vida
com tal profilático processo
de renovação de estoque
denominado também morte
vai-se mantendo viva
domingo, 2 de abril de 2017
A perdição de Eva
em verdade em verdade
vos digo minhas amigas
eva encontrou a perdição
por ter dado agasalho
à cobra gulosa de adão
deus tinha sido bem claro
no paraíso nada de bandalho
ela vacilou e teve de pagar caro
não devia ter subestimado o eterno
onipresente voyeurismo divino
de presente pelo seu desatino
ganhou o terráqueo inferno
domingo, 26 de março de 2017
Vide bula
uma possível receita experimental
para tentativa de vida talvez legal
eu sou um outro dos outros até o fim
os outros devem ser não eus em mim
domingo, 19 de março de 2017
Carta ao poeta
Ao Sr. Carlos D. de Andrade
Círculo Primeiro – Limbo – Ala Luminosa
Prezado Poeta,
Lendo o livro de sua autoria, Amor Natural, deparei-me com o
poema: “Quando desejos outros é que falam”.
Terminada a leitura senti forte desejo de lhe falar. É por
isso que lhe escrevo.
Claro que há quem aprecie. Às vezes até bastante. Quanto a
isso não tenho preconceito. Conforme as circunstâncias até aceito.
E suas palavras, poeta, são tão inspiradoras: Ocultas
melodias ovidianas! Dúlcida paragem!
É lindo. É belo, belíssimo. Mas tem uma coisa, bravo vate,
depende de quem é o buraco. Depende de quem é que entra com o apito.
Porque uma coisa é certa: pimenta no rabo dos outros é
refresco.
Quando o referido membro longo, digamos a título de
ilustração, 160 milímetros, calibre 38, e duro, bem duro, despetaladas as
pétalas do ânus, vai penetrando, mesmo bem lubrificado e lentamente, avançando
e recuando pela via estreita, como o senhor tão poeticamente introduz, creia-me
caro trovador, dói pra cacete.
Por mais que o fiofó esteja calejado. Por mais que a rosca
esteja espanada.
Sei, não de ouvir dizer, mas por experiência própria e senti
vontade de lhe testemunhar.
Por ora é só.
Atenciosamente,
Sua fã incondicional,
Maria do Perpétuo Socorro.
domingo, 12 de março de 2017
Consumo
consumar
consumismo
consumindo
consumados
consumíveis
consumição
consumada
consome
consumidor
consumação
consumista
vade retro!
consumado
consumidor
consummatum est!
domingo, 5 de março de 2017
A gente de dinheiro e o lixeiro
a gente de dinheiro gera bastante lixo
o lixeiro cata o lixo gerado pela gente de dinheiro
a gente de dinheiro nem liga pro lixo que gerou
o consumismo da gente de dinheiro é extraordinário
a gente de dinheiro vai ver acha que gerar tanto lixo
é coisa mais que natural supranatural legal é um luxo
mostra o poder do dinheiro que a gente de dinheiro tem
o lixeiro não consegue nem de longe ter ideia
de quanto é preciso gastar pra tanto lixo gerar
o lixo gerado pela gente de dinheiro
é recolhido de madrugada pelo lixeiro
e jogado no lixão na periferia da cidade
pra ser disputado com unhas e dentes
por um bando de seres semi-humanos
em acirrada competição com cães vadios ratos e urubus
um dia não sei quando
a gente de dinheiro e o lixeiro vão se encontrar
o encontro será lá no lixão eterno onde os dois vão
descansar
mas enquanto isso não acontece
a gente de dinheiro continua a gerar um baita montão de lixo
pro lixeiro poder catar
senão o pobre coitado acaba desempregado
e se isso acontece
ai meu deus como é que ele vai se virar se
o lixeiro continua a gerar um baita montão de filho
que precisa mal e mal alimentar
domingo, 26 de fevereiro de 2017
Arco-íris cinza
a gente aprende na escola
que sete são as cores do arco-íris
vermelho laranja amarelo
verde azul anil e violeta
porém nesta megalópole maravilhosa
ocorre um extraordinário fenômeno
o arco-íris é cinza
em lugar do colorido tradicional
o que se observa é um dégradé
começando num cinza-claro
e terminando num negro-carvão
intrigado com o fenômeno pedi explicação
ao prof. google que nos dias de hoje
é o maior sabichão da paróquia
o prof. google que sabe tudo de tudo
não há coisa que ele não saiba
sabe mais que a mais completa enciclopédia
me informou que o arco-íris cinza acontecia
devido à excelente qualidade do ar da cidade
me satisfiz com o ensinamento fornecido
fiquei sabendo também sobre a lenda
que conta existir no fim do arco-íris
um tesouro escondido
outro dia quando apareceu
um lindo arco-íris cinza no céu
peguei o meu automóvel
e dirigi em direção
ao que eu supunha fosse seu fim
pra tentar encontrar o tal tesouro
depois de rodar algum tempo
cheguei ao que considerei fosse um lago
que de azul não tinha nada nada nada
era onde acabava o arco-íris cinza
o que ali vi me deixou estarrecido
uma quantidade imensa de lixo
se acumulava nas margens do lago
garrafas de plástico latinhas de bebida
saquinhos de embalagem móveis podres
uma espessa espuma escura flutuava na superfície
e uma forte fragrância de merda emanava das águas
que katzo de tesouro nojento é esse pensei com meus botões
ao ver um cidadão sem cpf sair de um dos milhares de
barracos de papelão e madeira que cercavam todo o lago
perguntei-lhe no momento que por mim passava
o que aquilo tudo significava
solícito ele me esclareceu então que o lago
na verdade não era lago era uma represa
principal fonte de abastecimento de água da região
fiquei indignado com a qualidade do meu tesouro
pensei em ir ao presidente do país
ao governador do estado
ao prefeito do município
para reivindicar meus direitos
mas depois desisti do intento
concluí não valer a pena seria perda de tempo
aproveitando a ocasião tirei o pinto pra fora
dei uma boa mijada naquela água imunda
entrei no carro e voltei pra casa
domingo, 19 de fevereiro de 2017
Mar freguês
ó mar cagado quanto do teu coliforme
são de fezes de nosso abdome
por te poluirmos quantas moreias morreram
quantos baiacus em vão inflaram
quantas tainhas ficaram por procriar
para que fosses merdeado ó mar
valeu a pena? tudo vale a pena
se a ambição não é pequena
quem quer passar além da conta
tem que arcar com a dor imposta
deus ao mar muita água e bem limpa deu
mas nele é que despejamos a nossa bosta
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Lala lá
era uma vez um menino
de apelido lala
que sonhava um dia
poder chegar lá e
ser presidente do
clube de malha do bairro em que morava
com a família remediada que a duras penas
se aguentava pagando as despesas do mês
situação porém bem melhor do que
já tinham enfrentado na dura secura
do agreste nordeste
lala apesar da pouca instrução que tivera
era um menino muito inteligente
e cheio de vivacidade
que gostava de estar com gente
e também de empinar pipa
mas que por necessidade
teve de trabalhar desde cedo
lala foi ser operário numa fábrica
que fazia bastante fumaça e barulho
e que justificava toda essa atividade
por conta da geração dos empregos que proporcionava
às pessoas humildes das imediações e de mais distante
mas que na verdade transformava aquela fumaça e barulho
em mais dinheiro que só fazia engordar a conta bancária
dos proprietários da fumaça do barulho e dos salários
daquele montão de operários
lala como era bem esperto logo percebeu
a maldade que era feita a toda aquela gente
e decidiu botar a
boca no microfone
acusando a injustiça da ingrata situação
lala virou um importante líder sindical
cuja fala acusando os males do capital e
clamando pelos direitos dos pobres
correu por todos os cantos do país
e à medida que o tempo passava
mais ele ficava conhecido e famoso
mais todo mundo o respeitava
por causa disso lala foi perseguido
pelos truculentos donos do poder de então
e vejam só que coisa de meter dó
na base da porrada mandaram o rapagão
pro fundo do xilindró
lala entrementes não desanimou
nunca perdeu a esperança
de um dia ver realizado seu sonho bizarro
de ser presidente do clube de malha do bairro
lala depois de muito insistir
com muitas idas e vindas
sempre a perseverar sem jamais desistir
apoiado pelo povo simples
mas desta vez com o beneplácito
de boa parte dos detentores
da grana
que no frigir dos ovos são quem ditam
as regras do jogo afinal eles são os bacanas
juntamente com a força idealizada
da classe chamada de intelectualizada
finalmente foi escolhido presidente
do clube de malha do bairro
hip hip hip hurra
gritou o povo todo contente
agora é a vez da gente
e foi como foi dizem que foi
lala governou de um jeito que parecia correto
aumentando a renda da população pobre
porém em surdina tirava da cartola seu coelho
não bulindo ao contrário se unindo aos ricaços
que continuaram como sempre senhores do pedaço
os miseráveis por outro lado deixavam por ora de ser
como tinham sido desde os tempos das caravelas
na conta de medida provisória passaram a receber
de graça sem esforço ajuda oficial em dinheiro
- ai que bom não quero saber de trabalhar não
foi o que se ouviu da boca pra fora bastante
de muito preguiçoso metido a espertalhão
o governo detinha esse poder e decidiu
usá-lo pra distrair a população carente
mesmo sem base sólida de sustentação
por isso fadado ao fracasso a longo prazo
lala soube usar
o poder que o poder lhe conferia
para promover o bem-estar
não só do povo carente
resolvendo aparentemente
apesar da baixa escolaridade
como num passe de mágica
a insolúvel inequação social
que até então tinha assolado o país
mas também e por que não ora bolas
de seu povo próximo quer dizer sua gente.
além de sub-repticiamente procurar perenizar
o poder a duras penas conquistado democraticamente
nas mãos independentemente do que pudesse custar
para poder é claro continuar a cuidar
da população deixando todo mundo contente
para tanto inspirado na vasta experiência acumulada
por todos os governos anteriores não fugiu à regra e
instalou com aprimoramentos esquema arrecadador
de divisas e outros proventos para a alimentação
dos próprios bolsos
dos companheiros de longa jornada
dos cupinchas chupins
que não fazem nada
dos amigos do peito
a quem se deve todo o respeito
dos agregados e afiliados arrivistas
tantos que nem cabem na baía de todos-os-santos
dos correligionários mercenários
que só pensam em papar a grana do erário
mecanismo muito antigo tradicional
oficial com salvo-conduto
denominado de propinoduto
tubulação onde em vez de petróleo corre dólares
projetada pela engenharia da corrupçao nacional
aperfeiçoada pela patota de lala com aumento
tanto de seu diâmetro quanto do comprimento
sendo que quem paga a conta é o povo
o que não representa nada de novo
pra lala e sua turma o tempo das vacas magras já era
doravante só relaxar gastar e gozar
a pobreza de before
a partir de entonce never more
a tal pessoal intelectual
filósofos artistas os da academia
considerados pensadores de um modo geral
que tinha apoiado a campanha do ex-sindicalista
ficou de queixo caído diante da revelação das patifarias
mas não teve peito de partir pra malhação e
houve por bem enfiar a viola no saco e ficar de bico calado
excceto os que tinham o rabo preso nas mamatas do estado
e um ou outro mais atrevido que cantaram de galo
ciscando sobre o leite derramado
fracas ameaças de sublevação
partidas de partidos da oposição
sob alegação de desrespeito à democracia
foram sufocadas pelo argumento irretorquível
de que se o antigo companheiro de luta
depois desafeto por causa da briga pelo poder
quando presidente do mesmo clube de malha
governou um bocado pendurado no saco
do falecido cacique político baiano
e de sua gorda corriola voraz
por que lala não podia procurar sarna pra se coçar?
embora os inevitáveis detratores apontassem falhas
lala fez seu clube de malha ser campeão
por dois campeonatos consecutivos
e encerrou seu mandato por cima da carne seca
com a popularidade nas nuvens mesmo sem usar beca
colocando em seu lugar prima-dona de confiança
para dar continuidade a sua inestimável herança
lala oficialmente fora da presidência
prosseguiu em sua missão social ingente
dar palestra a peso de ouro pra todo tipo de gente
sem deixar de agasalhar honesta aguardente
talvez um dos seus poucos pequenos vícios
se é que se pode chamar isso de vício
por que convenhamos mortal nenhum é de ferro afinal
entretanto agora com alguma vantagem
para os cofres do clube de malha
não havia mais necessidade do desperdício
como antes dos cem mil reais por viagem
toda vez que batia a soturna vontade noturna
de beber no abc umas biritas os patrícios
por ter também seguido o preceito do santo italiano
como fazem religiosamente a maioria dos políticos
fiéis franciscanos espalhados por este mundo de deus
preceito que recomenda dar para poder receber
por ter dado bom naco da sua santa vida
ao bem do povão durante diversos anos
dizem que recebeu em troca favores dos amigos
tais como triplex em condomínio de luxo na praia
sítio em atibaia pra pescaria de fim de semana
a cantina com o nome do santo no recanto de moradia
cantina que ele nem sonhava poder entrar um dia
pra almoçar ou jantar quando era carente de grana
para completar em parte tantos outros benefícios
transformou um de seus
descendentes de estimação
num mega empresário do setor de exportação
de produtos diversos e gêneros alimentícios
carne de vaca sem ser doidona
para uma comunidade do arizona
linguiça suína tenra e sadia
para uma freguesia da lombardia
frango pelado livre de toda gripe
para certo distrito de moçambique
galinha-d’angola com passaporte diplomático
para o norte da europa e o sudeste asiático
agora quem sabe fosse o momento
de um pequeno post
scriptum
á guisa talvez de esclarecimento
este poemículo embora pareça ofensivo
e ridículo se imbui de elevado espírito
tem a pretensãp de alcançar o objetivo
de mostrar por uma modesta metáfora
o poder corruptível do poder político
como ganância unida a desmando
de governo podem fazer um projeto
pra conquistas legítimas de um povo
virar coisa mais fedida que ovo podre
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