domingo, 29 de maio de 2022

Vaidade tudo vaidade

não há sabão bastante pra lavar toda esta imensa sujeira
que entretém o noticiário diário sobre esta fina gentalha 
que translucidamente não larga do poder nem a porrada 

isso não é coisa passageira é inerente à humana natureza 
ser amiga fervorosa até os ossos da vaidade e da riqueza 
porque aquilo que conta é a grana pois com ela tudo tá bacana 
quanto ao povão na precisão que tome no redondinho quietinho
isso ninguém há de contestar nem criança em idade pré-escolar
se alguém pretender fazê-lo vai parecer que está fora do ar 

por exemplo quando fico aqui dando panca de lúcido
jogando fora palavras inúteis pela brisa mal arrastadas 
bocó acho que sei o que se passa com a desgraça alheia 
escondido em falsa compaixão que o coração aligeira
nítido no duro tudo aceito e no conforto me esgueiro 

domingo, 1 de maio de 2022

Se um dia

emergisse da tortuosa tarefa
imposta por mim a mim mesmo
deliberadamente talvez
sem compreender bem por quê
de pretender com voz roufenha
cantarolar as inglórias vitórias
e derrotas retumbantes
que vi vivi sofri impus 
exultei lastimei inventei supus 
fui cúmplice voluntário arrastado 
pela vida afora

falsamente despreocupado
com o silêncio mundano diante dela
por lhe arrogar valor inerente por definição 
soberba autoestima vanglória ridícula 
convencido da ignara alheia incompreensão
vacilante frente a algum aplauso ocasional
buscando consolo em chã  filosofia  
fugaz é o estrépito dos fogos de artifício
flébil o alarido saído das vielas da vaidade
frouxas ideias disponíveis ao rompimento
pronto para entrar no mercado de ilusões

e gritasse sem hesitação 
com toda a força dos pulmões
a cara transbordante de raiva
lavada pelo choro da amargura
basta não faço mais nada disto
chega de tanta inutilidade desisto
não vou mais esbanjar meu tempo
ele é curto precioso
aqui e alhures agora e depois
vou atrás de novas distrações
continuar às moscas mas
decididamente consciente
na medida do possível 

essa atitude a ninguém comoveria nem deveria
afinal de contas as pessoas de bem têm 
contas mais importantes para dar conta
e as de mal têm de cuidar dos seus bens
em lugar de atentar pras lamúrias de um desocupado

destarte continuo imergido nas ruínas 
de meus castelos de areia
adornados com jardins de escória
onde floresce na primavera a doce melancolia
e no rigor invernoso a amargosa alegria
o olhar cada vez mais enevoado 
o pensamento cada vez mais embotado
nos gestos lentidão beirando o insuportável
na curvatura da espinha bem pra lá de madura
o desenho de um contorno inconfundível
suporte da vestimenta da morte
derradeiro presente da vida

solitário vou moldando o vazio com nada
a espera do dia em que tudo isto afinal
definitivamente acabe