emergisse da tortuosa tarefa
imposta por mim a mim mesmo
deliberadamente talvez
sem compreender bem por quê
de pretender com voz roufenha
cantarolar as inglórias vitórias
e derrotas retumbantes
que vi vivi sofri impus
exultei lastimei inventei supus
fui cúmplice voluntário arrastado
pela vida afora
falsamente despreocupado
com o silêncio mundano diante dela
por lhe arrogar valor inerente por definição
soberba autoestima vanglória ridícula
convencido da ignara alheia incompreensão
vacilante frente a algum aplauso ocasional
buscando consolo em chã filosofia
fugaz é o estrépito dos fogos de artifício
flébil o alarido saído das vielas da vaidade
frouxas ideias disponíveis ao rompimento
pronto para entrar no mercado de ilusões
e gritasse sem hesitação
com toda a força dos pulmões
a cara transbordante de raiva
lavada pelo choro da amargura
basta não faço mais nada disto
chega de tanta inutilidade desisto
não vou mais esbanjar meu tempo
ele é curto precioso
aqui e alhures agora e depois
vou atrás de novas distrações
continuar às moscas mas
decididamente consciente
na medida do possível
essa atitude a ninguém comoveria nem deveria
afinal de contas as pessoas de bem têm
contas mais importantes para dar conta
e as de mal têm de cuidar dos seus bens
em lugar de atentar pras lamúrias de um desocupado
destarte continuo imergido nas ruínas
de meus castelos de areia
adornados com jardins de escória
onde floresce na primavera a doce melancolia
e no rigor invernoso a amargosa alegria
o olhar cada vez mais enevoado
o pensamento cada vez mais embotado
nos gestos lentidão beirando o insuportável
na curvatura da espinha bem pra lá de madura
o desenho de um contorno inconfundível
suporte da vestimenta da morte
derradeiro presente da vida
solitário vou moldando o vazio com nada
a espera do dia em que tudo isto afinal
definitivamente acabe