domingo, 24 de novembro de 2019

Esse eu

o meu corpo
que eu sinto por dentro
ora bem ora mal
que eu vejo por fora
jovem outrora hoje alquebrado
com o qual tenho me apresentado
para os outros com seus disfarces
a mim mesmo com seus tormentos
é a representação única e exclusiva
de um conjunto de átomos comuns
ao universo e reunidos por mero acaso
numa forma que me constituiu como ser
ser que não é mas que está
pois em permanente mudança de estado
na aparência e no comportamento
desde o momento da junção daqueles
determinados óvulo e espermatozoide
da minha mãe e de meu pai para então
não mais cessar até seu instante final
do que se convencionou chamar vida
quando a estrutura orgânica complexa
dotada de pele carne ossos cérebro
que se movimenta se agita e estanca
que procura ordenar seus pensamentos
que sente frio calor bem-estar fadiga dor
desejos tantos procedentes descabidos
paz angústia alegrias tristezas amor
ódio vaidade cobiça gula preguiça
deixará de existir como um arranjo
particular de matéria e de mente
para retornar ao amontoado simples
de partículas elementares do mundo
que talvez um dia venham a fazer parte
de moléculas de espinhos de mandacaru
ou componentes do dna de minhocuçu

domingo, 17 de novembro de 2019

Fosco brilho

para o fundo do túmulo levarei este segredo
atos cativos das catervas longe bastante do degredo
das quais vastas conquistas foram sempre a mola mestra
ainda que pessoas de bom senso franzissem a testa
mas somos mesmo seres mesquinhos bem pequenos
claro que com exceções raras em climas mais amenos
embora queiramos nos passar por grandes inutilmente
alheio a todas essas picuinhas segue o sol diariamente
grandeza de fato se encontra na espontânea natureza
basta entrar em jogo a razão pra começar a confusão
talvez um bom indício para ilustrar isso do que falo
se não for por favor é só apagar considerando um ato falho
seja a quantidade de lixo despejada no mar de modo diuturno
se continuar assim logo vamos ter que nos mudar para saturno

domingo, 10 de novembro de 2019

Fingo ergo sum

não abro mais a boca a todo este descalabro
agora para mim nada mais importa
para falar em poucas palavras estou farto
saturei chega arre

tarefa vã querer desvelar o mistério do mundo
quando basta tão somente se deixar existir
seguir pelas ruas da cidade o vaivém da multidão
acaba o dia vem a noite pra depois amanhecer etecetera 

bobagem preocupação com o intocável destino
o problema realmente grave é qual o destino
a ser dado ao lixo aos milhões de toneladas
diariamente gerado espalhados pelas estradas

bem pior então são as crianças abandonadas
sem esperança futuros ladrões ou mendigos
tendo o chão como colchão se a tanto forem dignos
cuja subumana existência não necessita de relógio

entrementes volto a minha monotonia crônica
onde dia após dia enterro meus íntimos desejos
de onde com dificuldade saio quando colo a máscara
da falsidade à cara porém voltar para ali logo almejo

em conclusão ao que disse no início
doravante vou manter meu bico fechado
debaixo de seja qual for o fogo cruzado
curtindo despropositado penar fictício

domingo, 3 de novembro de 2019

Fim da picada

a gente acaba
se acostumando
se conformando
a este estado de velho
singela ou quem sabe
ironicamente chamado
de melhor idade

estado em que paciente
se deve conquistar
a condição de cadáver
para ser transformado em pó
depois de arder no crematório
ou de apodrecer no cemitério
deixando como maior legado
seus sonhos irrealizados