Fatalismo

fracote aquele que chora
fingindo ter desencanto
as lágrimas inúteis de agora
farão falta pro futuro forçoso pranto

frívolo quem se deixa levar por ardente
desejo infiel mero sentimento vão
a esparsa volúpia hoje fantasia quente
mais adiante trará frigidez ao coração

fútil matraca eu falando até a voz ficar rouca
não adianta se você fica o bicho come se corre
ele pega melhor talvez se fechasse minha boca

fundo e escuro é o fim quando se morre
antes porém é preciso viver
ainda que se tenha de sofrer

Húmus poético

parcas estas raízes minhas buscam versos em terra árida
sob o implacável asfalto escalavrado de remendo e buraco
sobre tantas tortuosas vias que correm tontas desenfreadas
entre logradouros abandonados desta tão triste megacidade

com assombro deparam intricada rede de terríveis tubulações
em competição acirrada por espaço subterrâneo escasso o aéreo 
ali implantadas com jeito assim meio que um tanto caótico
por laboriosas minhocas mecânicas comandadas por gente humana

múltiplas são as finalidades pretendidas com tão ardiloso esquema
levar rala água dita tratada a partir do esgoto que corre em tubulação
ao lado para torneiras privilegiadas a lares e bares espalhados pela cidade

também miríade de fios para conduzir elétrons promotores de diversão
comunicação imprescindível iluminar aquecer agitar eletrodomésticos
saudade do cheiro bom de terra úmida depois de uma chuva honesta

Gente

gente gente gente tanta gente cada vez mais
que passou que passa que vai passar cada vez mais
em suas particulares viagens coletivas semelhantes cada vez mais
em suas diversidades se avoluma o amontoado cada vez mais
de gente frenética atolada em palpitantes problemas cada vez mais
estatísticas oficiais apontam sinais de melhoras cada vez mais
fracos a longo prazo o ruído saído das turbinas ensurdece cada vez mais
moucos ouvidos da civilização rangendo dentes cada vez mais

Ilusão

pretendemos conquistar todo o mundo
desvendar seus mais recônditos segredos
abrir caminhos pelos mais perigosos destinos
e somos sem perceber criaturas tão frágeis

somos sem perceber criaturas tão frágeis
mas capazes de provocar muita destruição
destruição para alcançar e manter poder
justificar a construção do bem felicidade

justificar a construção do bem felicidade
com palavras mal ditas de dedo em riste
ridículo apontar defeito no que não tem jeito
juntar os pedaços do que jamais foi inteiro

juntar os pedaços do que jamais foi inteiro
solitária solidariedade acreditar em utopia
senão ao menos na ingenuidade da magia
de suportar unidos o mal que não será desfeito

Esse eu

o meu corpo
que eu sinto por dentro
ora bem ora mal
que eu vejo por fora
jovem outrora hoje alquebrado
com o qual tenho me apresentado
para os outros com seus disfarces
a mim mesmo com seus tormentos
é a representação única e exclusiva
de um conjunto de átomos comuns
ao universo e reunidos por mero acaso
numa forma que me constituiu como ser
ser que não é mas que está
pois em permanente mudança de estado
na aparência e no comportamento
desde o momento da junção daqueles
determinados óvulo e espermatozoide
da minha mãe e de meu pai para então
não mais cessar até seu instante final
do que se convencionou chamar vida
quando a estrutura orgânica complexa
dotada de pele carne ossos cérebro
que se movimenta se agita e estanca
que procura ordenar seus pensamentos
que sente frio calor bem-estar fadiga dor
desejos tantos procedentes descabidos
paz angústia alegrias tristezas amor
ódio vaidade cobiça gula preguiça
deixará de existir como um arranjo
particular de matéria e de mente
para retornar ao amontoado simples
de partículas elementares do mundo
que talvez um dia venham a fazer parte
de moléculas de espinhos de mandacaru
ou componentes do dna de minhocuçu

Fosco brilho

para o fundo do túmulo levarei este segredo
atos cativos das catervas longe bastante do degredo
das quais vastas conquistas foram sempre a mola mestra
ainda que pessoas de bom senso franzissem a testa
mas somos mesmo seres mesquinhos bem pequenos
claro que com exceções raras em climas mais amenos
embora queiramos nos passar por grandes inutilmente
alheio a todas essas picuinhas segue o sol diariamente
grandeza de fato se encontra na espontânea natureza
basta entrar em jogo a razão pra começar a confusão
talvez um bom indício para ilustrar isso do que falo
se não for por favor é só apagar considerando um ato falho
seja a quantidade de lixo despejada no mar de modo diuturno
se continuar assim logo vamos ter que nos mudar para saturno

Fingo ergo sum

não abro mais a boca a todo este descalabro
agora para mim nada mais importa
para falar em poucas palavras estou farto
saturei chega arre

tarefa vã querer desvelar o mistério do mundo
quando basta tão somente se deixar existir
seguir pelas ruas da cidade o vaivém da multidão
acaba o dia vem a noite pra depois amanhecer etecetera 

bobagem preocupação com o intocável destino
o problema realmente grave é qual o destino
a ser dado ao lixo aos milhões de toneladas
diariamente gerado espalhados pelas estradas

bem pior então são as crianças abandonadas
sem esperança futuros ladrões ou mendigos
tendo o chão como colchão se a tanto forem dignos
cuja subumana existência não necessita de relógio

entrementes volto a minha monotonia crônica
onde dia após dia enterro meus íntimos desejos
de onde com dificuldade saio quando colo a máscara
da falsidade à cara porém voltar para ali logo almejo

em conclusão ao que disse no início
doravante vou manter meu bico fechado
debaixo de seja qual for o fogo cruzado
curtindo despropositado penar fictício

Fim da picada

a gente acaba
se acostumando
se conformando
a este estado de velho
singela ou quem sabe
ironicamente chamado
de melhor idade

estado em que paciente
se deve conquistar
a condição de cadáver
para ser transformado em pó
depois de arder no crematório
ou de apodrecer no cemitério
deixando como maior legado
seus sonhos irrealizados

Esfacelamento

quem manda na minha boca morreu
antes de nascer sou o único herdeiro
de meus atos sou meu fiel escudeiro
que em toda guerra nunca se abateu

mas saibas que enquanto viver jamais
esquecerei tua piedade pois percebes
a angústia e de braços abertos recebes
os carentes de compaixão cheios de ais

eu que da ameia dou derradeira mirada
para o campo de luta e vejo os soldados
desta vez irremediavelmente cercados

a fortaleza está prestes a ser saqueada
em definitivo depois de perdas severas
sua reconstrução se houver levará eras

Velhas velhacarias

apesar de ter baixado o consumo de luz
a conta  vem mais cara todo mês a luta
pra se viver até nas sombras está cada dia
mais difícil a gente é tratada na força bruta

por enquanto se ouvem apenas murmúrios
manifestos desagrados contra tamanha dureza
contudo uma hora talvez engrosse de vez a voz
do povo esclarecido revoltado com tanta safadeza

essa história vem de longe é coisa bem antiga
antes mesmo do tempo das capitanias hereditárias
eternos chupões cordiais meu trisavô que o diga

agora se curte alegria gastando dólares em orlando
tristeza é posta de lado não importa a situação precária
a massa que fica na saudade dá um jeito e vai levando

Filosofia barata

uma coisa é mais ou menos ou a própria coisa
porque a coisa pode muito bem ser outra coisa
visto que vivemos nos enganando com a coisa 
conforme as circunstâncias de agir com a coisa

essencial talvez seja estar vivo para poder senti-la
depois cada um que faça o que melhor lhe apraza
e saiba encontrar o caminho que mais lhe satisfaça
respeitado o direito dos outros de estar no mundo 

quem quiser ir profundo que vá ou que nade de boia
importante seria se houvesse boa dose de bondade
em um meio ambiente de paz e franca liberdade
sem esquecer que nada é eterno nem a eternidade

por mais as pessoas insistam em se convencer de
crença ao contrário de todo modo importante quem
sabe seria saber se haverá oxigênio pra se respirar
ou se vão ter de modificar nosso sistema pulmonar

embora mísseis imprudentes continuem a cair
sobre cabeças de gente desavisada do contrário
de outros protegidos em seus abrigos erguidos
pelo poder da grana que ergue fortes muralhas

enquanto como manteiga em refogado de alho
 os icebergs continuam a derreter sob o calor
das discussões sobre o destino do mundo podre
aqueço no micro meu leite com chocolate do padre

Escola a outra

nunca há um só momento igual ao outro
sempre por mínimo que seja muda em silêncio
ou não alguma coisa sob o sol até o sol e a
nuvem dragão de há pouco que virou massa de
fumaça preta de escapamento feito noite de
pesadelo sombra em sonhos de sonos diversos

o olhar tem mais encurtado seu horizonte
pela idade e pela barreira de prédios crescentes
em moto perpétuo caso se reparar ao virar
para a direita de quem olha de frente
para logo em seguida virar para a esquerda
nas costas de alguém que mantém pés no chão
e não dá bola se o eixo da terra sofre precessão
apenas tem ouvidos atentos ao ronco da cambiante
cuíca na perdida simplicidade do desfile mutante
lembrança borrada dos carnavais de antigamente

Saturno

soturno seu turno
em torno do sol
embora distante
não o bastante
suficiente pra cobrir
com manto de chumbo
os tempos pra sempre dos medos
que levam os dedos
e deixam os falsos anéis
pro mascateio no mundo mercado
buraco escuro sem fundo
por nós ambulantes
arrogantes fantoches 
merecedores de todo deboche
nesta dança macabra
aos acordes infernais
que movem os cordéis

Vinda posterior

no tempo que se amarrava cachorro com linguiça e
se transportava água em canais apoiados em pórticos
vinho tinto já trazia benefícios ao corpo e ao espírito
relâmpago clarões no céu bastante atemorizadores

surgiram as metrópoles cada vez mais e mais verticais
muitos altares foram abandonados sobre outros pilares
o ser humano quis ser suportado agora talvez seja tarde
pra se voltar atrás solução só novo derrame de basalto

narciso necessita lago tranquilo onde possa se espelhar
são singulares os carros alegóricos da escola pública nas
particulares os pais preferem pros filhos não se misturar
a grade curricular da penitenciária prevê ensino de assalto

o acórdão não se coaduna com os acordes do vento nas dunas
comendo de marmita estranho ser apenas sargento e opulento
na favela do alemão é normal os dissabores vir em várias cores
e os transeuntes nem ligam mais pro presunto lançam olhares

curiosos destilam curiosidades menos amenas nas volúpias
expostas publicamente no jornal das dez as pessoas calmas
seguem em manada na busca de um meio de ficar inteiro
uma vez que o número de vagas está destinado aos amigos

do presidente previdente mandou libertar muitos escravos
formou exército de maltrapilhos pilhados em maus odores
o suor escorrendo aos montes pela fronte é sinal de sol
brilhando no horizonte os pobres de bolso batem palmas

movidos por ambição desenfreada a cambada solta o freio
de mão deixa o caminhão despencar na banguela decifrar
o segredo não será preciso preciso ser pouco mais preciso
ou não sei lá devagar com o andor que o santo sente dor

Entardecer

quem dera enxugasse o suor da testa
ao fim de mais um dia de trabalho honesto
para sentir o sossego natural e justo
que deve estar na alma de quem é limpo
e fosse feliz e triste ao mesmo tempo
sorrindo vagamente melancólico
fingindo compreender aquilo que sente

e acreditasse em mim como ser sincero
para olhar dentro de mim e enxergar
uma coisa certa e reta e estar de acordo
comigo sem subterfúgios mas não consigo
pela simples razão de ser um ser humano
padrão e de mim por causa disso sinto pena

então desço os olhos para o chão e os
deixo fixados num ponto indefinido
e os pensamentos se acham perdidos
em desalentos enquanto lentamente
o anoitecer vai escurecendo o ambiente

Cada vez mais pior

cidadãos de bens têm o direito
para o benefício de seus negócios
de uma reserva prudente contra perdas inesperadas
na proporção de seus patrimônios
a juros legítimos e moderados
quando assim lhes for conveniente
frisando-se que não são tolerados
quaisquer tipos de privilégios especiais
apenas os de praxe quais sejam habituais
esse princípio basilar do sistema capital
se aplica a indivíduos e a companhias
não tanto públicas mas particularmente privadas
cujos detalhes podem ser postos em consideração
para o pleno esclarecimento dos interessados
a fim de que não paire a menor sombra de dúvida
quanto ao inegável bem trazido à sociedade
como um todo resultante de tal medida
com o que hão de concordar até os mais céticos
ficando a maioria ou quase satisfeita com a criação
do mencionado modo de adiantar dinheiro
público para o setor privado todavia tantos
com dinheiro abundante não o empregam
em negócios geradores de emprego
permanecendo milhões sem trabalho efetivo
diminuindo o potencial exploratório do mercado
além de que cada vez mais menos querem trabalhar no campo
porque afinal não é nada fácil sempre caminhar ao sol
dia após dia entra ano sai ano vendo brotar só erva daninha 
e sabendo que tudo isso não é mais do que bem pouco
mesquinharia

Dos quintos globais

viver com siso
é o que me falta
sequer tenho o dente
agora
precisão das fórmulas
matemáticas
por favor me poupem
vamos parar com tal ridículo
das parlengas poéticas não
faço a menor ideia do que fossem
eu jamais falei versos sempre falho
frente e verso não nego são fatos
entrementes não minto
se eu falo
“A”
podem crer
eu queria dizer “b”
mas se eu falo
“B”
acreditem
seria tão bom se soubesse
o que bê quereria dizer

Serena serenata ao sereno

cansei de cantar tanta canção
inútil porque vazia meu pulmão
quando assim expira é puro desatino
doravante vou cultivar videira
produzir só vinho de primeira
predileção perene apenas por casta nobre
esmagada com os pés em tina de cobre
deitado na taça não bruto com graça
nele o olvido ser ledo cedo ao destino
sei não saber ser infenso ou avesso
ao cantar meus ais mormente banais
versejo chinfrim uma rosca sem-fim
vinicultura há de me dar algum tino
enfim
aproveito a oportunidade pra declarar
que finalmente estou aprendendo amar
minha professora uma senhora mulher
mandei até fazer uma nova dentadura
perfeita dama clareou minha vida escura
meu sal na medida certa adeus incertas
horas pra ela farei debaixo da sua janela
serenata com fagote sanfona e violino

Destino final

o mar serve de esgoto pro mundo real
é o destino final do nosso cocô intestinal
a internete serve de esgoto pro mundo virtual
é o destino final do nosso cocô mental

Desejos

sabe querida sabina
você não é mais uma menina
assim espero vai compreender
o que eu tenho pra lhe dizer

por favor não confunda minha conduta
como se fosse a de um caga-regras
desses tantos nobres pessoas
negociantes do ramo de autoajuda
que fraternalmente pretendem nos impingir

é apenas uma pequena digressão
de quem não tem mais nada
de útil a fazer no vazio da vida

caso não lhe agradar
cara sabina
pode jogar na latrina
vou procurar aceitar

é claro que você já deve ter observado
que todos temos os mais diversos tipos
de desejos os quais eu me atrevo
a dizer pertencem a três categorias
os necessários
os desnecessários toleráveis e
os intoleráveis

beber água pra mais de litro todo dia
faz parte da primeira
uma taça da vinho durante as refeições
da segunda
de um gole uma garrafa de cachaça
da terceira

você sabina
sabida como é saberá encontrar
outros exemplos pertencentes não só à
família dos líquidos como é aqui citado
mas também à dos sólidos dos pastosos e gasosos
além de outros mais
normais nem tanto e anormais

evidentemente que isso tudo é relativo
como tudo ou praticamente quase tudo
naquilo que é relativo à vida o é
tanto na ida quanto na volta
sem contar com as reviravoltas

daí que pra uns o certo é de um jeito
pra outros de outro
ademais depende se vai rolar algum
pra uns tantos tanto faz como fez
varia com a vontade do freguês
e pros restantes de jeito nenhum

digamos estes versos aqui versados
para mim tão necessários
para uns poucos benevolentes talvez
desnecessários porém toleráveis
enquanto pra uma imensidão são
absolutamente intoleráveis


todavia de qualquer maneira
querida sabina
permita que insista no tema
e lhe peça que ouça
com atenção o que digo
aceitando minhas palavras
como um conselho de amigo

procure controlar seus desejos
sendo sempre uma pessoa esperta
mas esperteza no bom sentido
aquele da direção correta
que é a que conduz à conquista
da soberania do bem comum
nesse objetivo insisto
nunca desista

porque você
estimada sabina
apesar de jovem já deve ter
começado a perceber que
a vida é cheia de armadilhas

com facilidade saímos da boa trilha
enveredando por terreno pantanoso
que nos emporcalha de lama
não o corpo
mas a alma

pântano do qual com frequência
não conseguimos mais escapar
e nele sucumbimos na indecência 

Falar é fácil

nem sempre é possível sorrir há muitas razões para chorar
nem sempre se tem desejo de cantar há momentos de calar
bom seria a vida ser só sorrisos mas muita vez ela dá ânsia
tem também hora em que o melhor dos cantos é o silêncio

aqui não se trata de sentimentos corriqueiramente falsos
porém do sentir verdadeiro de quem dá valor à existência

para a conquista do bem é necessário muito sacrifício
perseverança constante extremo controle sobre os sentidos
ter grandeza de espírito pra saber absolver a falha alheia
evitar mas aceitar os próprios erros pois ninguém é perfeito
almejando ser um sincero e fiel intérprete da bondade
entendendo que homens são criaturas cheias de complexidade
que com sua elaborada linguagem falam a e fazem b

Embuste

contemplo na tela embevecido pela graça
o corpo que se movimenta ondulante
com elegância roubando a cena a todo instante
da mulher esplendorosa quiçá obra divina sem jaça
capaz de aliar ao perfil delgado aparência de força
me induzindo a pensar que talvez tenha sido feito
para o sonho impossível de um inacessível leito

a presença constante do voluptuoso ambiente
propicia a criação de condição de pleno êxtase
tão almejado para gozo do langor consequente
fato que hoje não enrubesce mais nenhuma face
afinal é traço marcante característico do sexo
mesmo quando envolvido em paixão sublime
que o faça dotado de vigor maior que o da carne
aliando ao encanto carnal excitante valor moral
na doce convivência de beleza física e espiritual

mas o olhar ao vivo e de perto encontra vil surpresa
a divina figura portadora de prometida ventura
vira um monstro medonho merecedor de desprezo

a singeleza da imagem é uma deslavada impostura
condizente com vida em que prospera a falsidade
e ferozmente é disputada a perniciosa vanglória
e traição o que se deve esperar como atitude sincera
a mentirosa máscara pretende deixar escondida a marca
do tempo implacável sobre o corpo da pobre criatura
de pele tão esticada pela plástica que o peito bate na cara
e o mito da juventude eterna induz a inevitável riso
só impedido por compaixão à pessoa tão desprovida de siso

incompleta se olhando no espelho não há como não se sentir patética
por querer colocar o mundo a seus pés pela força de ruinosa estética
o dano provocado por fora acompanha o mal que lhe rói as entranhas

insensato daquele que se deixa iludir pelo culto de uma imagem falsa
mais dia menos dia irá deplorar pelas consequências do engano nefasto
não é nada fácil aceitar o desgaste atroz inevitável do corpo da gente
porém não há como manter o ontem agora e pra sempre

Doravante

não caminharemos mais sobre as águas
usando o artifício de pedras submersas
para o apoio dos pés
e engodo dos crédulos
porque a partir deste instante
seremos etéreos
eternos senhores de nosso corpo
não mais existente
massa particular de partículas sobre a crosta
agora livre do jugo dos sentimentos
geratriz apenas talvez
de difusas lembranças fugazes
em seu inexorável retorno ancestral
aquém e além do bem e do mal

Como ia dizendo

hábito antigo sempre tão atual é o
beija-mão de ladrões desde que endinheirados
basta folhear as páginas de nossa história pra constatar
o fato e bom número de poetas se especializaram no ato

aproveito pra dizer que não quis lareira em minha casa
pra não ser responsável em dar o mesmo destino que tem
sido dado a grande parte das árvores das nossas florestas
na verdade em sinal de protesto até parei de comer churrasco

todavia agora me calo não pretendo jogar lenha nessa fogueira
afinal o sol nasce para todos embora só alguns o aproveitem
satisfatoriamente nunca deveríamos nos esquecer disso
a recompensa por não mais existir é poder ter existido

enquanto zilhões desempenham o papel de meros pregos
nesta tragicomédia minorias protagonizam como martelos
e se vai acreditando que ao morrer se alcança a vida eterna
embora creia que melhor fosse talvez crer na morte eterna 

Demente

a mente
pretensiosa vidente
mergulhada num pulular permanente
de múltiplos pensamentos movidos
pela vontade de conhecer tudo
olha incessante para a obscuridade do desconhecido
acreditando falsamente
que ele pode ser posto sempre evidente
por mais oculto esse se manifeste
pressupõe a possibilidade radical
de descobrir o entendimento total
da origem de todos os fenômenos
para libertá-los de seus conteúdos silenciosos
por considerar tal condição alienada
na fluida interioridade do movimento da vida
cuja enigmática multiplicidade deve ser dominada
por mais difícil seja esse domínio
estabelece quiméricos projetos
para a exegese integral da existência
sua perfeita desmistificação
liquidando com imaginária desordem da natureza
para atingir uma impossível unidade
e obtém como resultado 
além do aumento da espessura do livro da história
um mundo cada vez mais fragmentado

Deserto

quem sabe quisessem saber
por certo
por que não dei
certo
na vida
questão que
decerto
em responder não consigo
ao certo
visto nem mesmo eu sei
o porquê

na certa
pensarão que os levo
a certo
jogo de palavras
supérfluas vazio
no que direi
a bem da verdade
que nisto
acertam

jogo de palavras
resultante de
certo
acerto
que comigo fiz

tudo não passa
de passatempo inócuo
desacerto
de quem louco
nada tem de pior
a fazer do que em seu
 desconcerto
jogar um pouco
de areia inútil no
deserto
de mim

Nódoa

num impensado impulso reproduzi
o rosto espantado mais tarde exibi
não fazia ideia o quanto o fato desconcerta
para o qual não se carece de mestria na certa

daí aprendi que no fundo o duro é criar direito
ralar é preciso pra atenuar a presença do inferno
que por qualquer pretexto teima em se instalar
porque paz é condição energeticamente singular

claro que sob o efeito de algum encanto raro
a vida zomba um bocadinho menos da gente
no que ingenuamente se acredita de repente

entretanto porém presto na boca vem o travo
de uma realidade à qual o amor é subalterno
largo domínio triste país do amargo eterno

Quis o destino

por me ter unido a ela passei
quantas e tantas duras agruras
no angusto peito sonhos desfeitos
em sobejas umbrosas horas fora
as aparências e as coincidências
delineavam quiçá quietude
falsidade pura sob o céu ateu
aqui ali surgiam de penoso eito
cadentes infecundos frutos
suas palavras agulhas dardejando
dentro a revolta me tornando bruto
passo a passo me despia da inteligência
andrajosa que ainda me restava
pra me vestir de todo caduco véu
e meu grito mal se fazia em balbucio
nasciam desde o primeiro instante
daquela união tão malfadada
outras duas vidas estropiadas
a percorrer veredas errantes
do escarcéu da conjunção
emergia a evidência de que
ela logo acabaria não podia
durar muito tempo mais
exilado em meu próprio canto
sequei o pranto me tornei calado
sem querer ser rude
relutei o quanto pude
colocar no lixo aquilo que já
há bom tempo estava sucatado
assim mesmo sofri acusação de agir
de modo irrefreado das obrigações fugir
dos deveres buscar me evadir assim
quis me imputar uma putada descarada
que fique anotado que na lei me apoiei
e se alguém por ventura prejudiquei
que me seja aplicada pena severa
tenho endereço fixo estou à espera
erodido de sentimentos segui caminho
petrificado sofrendo no anonimato
porém livre daquela escória afugentado o desejo
anteriormente constante de pensar agora me mato
lançado em nova torrente
do curso da vida conheci outras gentes
num liame de galhos folhas e palha
ora alegre com amigos ora triste com a gentalha
destarte os dias foram passando
até que o destino entendeu que
talvez eu merecesse uma pausa
a onda furiosa fosse decomposta
a amargura enfim posta de lado
vivesse sem nenhuma ameaça mais
tivesse dali pra frente só tempo feliz
assim o destino determinou assim ele quis
e pra isso me colocou numa linha de bonança
me deu uma mulher maravilhosa preciosa querida
que transformou este velho de novo numa criança

Direitos da criança

criança mais que tudo na vida
precisa ser muito bem protegida
porque toda e qualquer criança
representa nossa maior esperança
de um mundo futuro melhor

toda criança não importa o seu nome
não pode de jeito nenhum passar fome
precisa ter sua saúde muito bem cuidada
faça frio ou calor nunca sendo abandonada
porque é o que pode lhe acontecer de pior

toda criança precisa de ter um lar
não pode de jeito nenhum trabalhar
deve ir desde cedo pra boa escola
brincar pular divertir jogar bola
estudar bastante pra ser competente

toda criança deve ter liberdade
para expressar sua curiosidade
ser tratada com muito carinho
sempre desde pequenininha
pra ser uma pessoa contente

toda criança tem todos esses direitos
mas precisa aprender a ter respeito
pelos direitos dos outros a ter limites
em suas vontades não ter faniquitos
e assim crescer como boa gente

Corpo

corpo do acaso surgiste ínfimo cresceste amadureceste
segue tua marcha agora aos poucos murchando
vai em múltiplas direções todas com único e certo destino
misturando-te por ora a essa balbúrdia incessante e insana
em luta constante para tentar definir teu reduto espacial

esforça-te em manter teus pés firmes no chão
quaisquer venham a ser teus movimentos
com cada átomo que te compõe vibrando na frequência certa
serenidade tem como guia mas nos momentos de raiva
que a espuma vertida de tua boca não seja espessa
com sabedoria tira as pedras de teu caminho
desviando-te dos perigos tantos por ele escondidos

procura manter o equilíbrio mesmo que seja instável
se possível evita a tristeza mas não transbordes de alegria
se uma desgraça te sacudir
treme na base mas não te deixes explodir
busque a superação não te ponhas a perder

corpo do acaso surgiste ínfimo cresceste amadureceste
segue tua marcha sempre permitindo que arda
o fogo sagrado que todos devem ter na alma
segue tua vida sobrevivendo com dignidade

Democracia

governo em que o povo exerce a soberania

povo exercer soberania
é bonito é soberbo é supimpa
só que o povo no exercício da soberania
costuma ter o mau hábito de zelar
com particular soberania
pro seu povo particular
 e quem não faz parte desse povo
isto é a imensa maioria
acaba no frigir dos ovos tendo
que se contentar em chupar o dedo
pra não dizer outra coisa

sistema político em que os cidadãos
elegem periodicamente seus dirigentes por meio de eleição

eleger periodicamente os dirigentes
é legal é bacana é excelente
só que os sacanas uma vez de posse do poder
não querem mais saber
de tirar as mãos da direção
obtida por meio de escolha livre
invariavelmente bem intimamente
mancomunada com a plutocracia

regime em que há liberdade de associação e de expressão
e no qual não há distinções ou privilégios de classe
hereditários ou arbitrários

face à classe herdeira de vários sobrenomes famosos
sobreposta aos privilégios adquiridos
graças ao arbítrio da livre iniciativa
essa singela assertiva
compõe a base de utópica teoria
cuja existência na prática é totalmente inexistente
salvo exceções bem raras 

livre associação patrimônio da humanidade
para viabilizar empreendimentos variados
respeitado o princípio do contraditório
que em sua plenitude ou nem tanto promovam

atividades responsáveis pela maciça degradação do planeta
ou para combate paliativo da degradação do planeta

negócios geradores de injustas desigualdades
ou filantropias para guaribar tais injustiças

processos públicos e privados exploradores
das mais variadas formas de vícios
ou obras religiosas para explorar a
boa-fé de zilhões de crentes carentes

uniões de pessoas de sexos opostos
e do mesmo cada vez mais para
dividir as despesas da casa
neuroses depressão solidão
e quiçá multiplicar a espécie
ou desuniões das respectivas pessoas
quando assim bem entenderem

liberdade de expressão condição fundamental
obedecido sempre o paradigma legal
de tal sorte que possa vir

um magistrado
julgar deve um criminoso
poderoso ter direito à absolvição
e um ladrão de galinha pegar pena máxima
dependo dos argumentos apresentados nos autos
acrescidos porventura de otras cositas más
ou então vice-versa o contrário
coisa um tanto quanto rara
punindo com rigor o salafrário endinheirado

a mídia
botar a boca no trombone
toda vez que achar necessário
mas se desafinar e pisar na bola
arcar com as consequências
devido a seu ato desastrado
ou mal intencionado

a maioria dos internautas
gente em geral incauta
colocar na rede carradas de postagens
quase tudo coisa vazia só bobagens

de uma coisa porém podemos  ter certeza
porque a história mostra isto com clareza
devemos cuidar de aperfeiçoar a democracia
não devemos nem pensar em ditadura
seja de direita de esquerda de qualquer ideologia
numa labuta sem nunca entregar a rapadura

Gametas capetas

se você nasceu xis xis
e por alguma razão
quer ser xis ipsilão
ou então vice-versa
eu não tenho nada contra

querer fazendo de conta
ser amazonas
extirpar os seios
belos ou feios
ou sendo homem injetar silicone
para tê-los feito dois melones

tomar hormônio vê se pode
para crescer o bigode
ou fazer depilação a laser
para os pelos desaparecer

no lugar do salto
botar coturno como soldado
ou abandonar terno e gravata
adotar minissaia como uma gata
por mim sem problema tudo bem

vamos deixar de lado o xis da questão
deste troca-troca de xis por ipsilão
como por aí se diz
sinceramente
quero que você seja feliz

Dedicação do cão

eu tinha um cachorro e um gato
o gato desde que engatinhava bagunçava
adolescente gaiato vivia aprontando
pelas vizinhanças as maiores lambanças
ainda disso tenho bem claras lembranças
adulto ingrato se podia zás
engatava uma gata por trás

dormia o dia todo o sacana
de noite não pregava as pestanas
saía sempre pro turno noturno
gatuno comia a sobremesa
que sobrava sobre a mesa

o cão não
desde pequeninho só me fazia carinho
era meu companheiro de estimação
se por qualquer razão eu ficava bravo
pra me agradar ele balançava o rabo
e a todo custo queria lamber minha mão
aonde quer que eu fosse ali estava comigo
como se fosse inseparável amigo

um dia numa briga de rua
por causa de uma gata no cio
no meu felino sentaram a pua
e o gato arruaceiro foi pro beleléu
fiquei abatido calado não dava um pio
pensava o descarado não foi para o céu

o cão vendo aquele meu mau estado
como prova de sua imensa afeição
num gesto que me encheu de emoção 
em lugar de latir passou a dar miado

Mulher

teu corpo para mim único
durante o ato da entrega
doce embate selvagem
escancara as entranhas do prazer

faz meu maltratado corpo vazio
sentir a invasão da vontade
de continuar a sobreviver
às agruras da flecha do tempo

te amo porque me ensinaste  com zelo
a ser ávido desse saber 
impossível suportar tua ausência
voz meiga traz música a meu silêncio

em tua graça singela encontrei os meios
de eliminar de meu caminho indeciso
tantos e tantos sulcos escuros profundos
responsáveis por dor e tristeza

Laços de dna

com a morte do traste do meu querido marido
vítima de suicídio num quarto fedorento
de um hotel barato
infestado de barata e rato
na parte mais decadente do centro
desta nojenta cidade inclemente
tomei como providência imediata
dar em nossa bufunfa um sumiço
depositando tudo num banco suíço

assim procedi pra nenhum sanguessuga metido a herdeiro
nem ousasse pensar em botar sequer um mínimo dedo
no meu sagrado e idolatrado dinheiro

afinal sofri um bocado aguentando aquele bêbado
descarado durante tanto tempo que estivemos casados
mas que pra melhorar um pouco nosso surrado enredo
graças a deus decidiu partir ligeiramente mais cedo

não me venham dizer que sou mãe desnaturada
esposa ruim pessoa egoísta porque ai de mim
dediquei minha vida cuidando dessa cambada
e ser do lar é mais que sabido vale menos que peido
por mais se tenha chupado e dado de mamar o peito

sem contar que o resultado é igual ao jogo de bingo
a gente fica ansiosa esperando completar a cartela
em meio à folia como num almoço dia de domingo
mas no frigir dos ovos acaba é tomando na arruela

portanto que fique bem claro agora é minha vez
pra isso não precisei nem contar até três
vou dispor a meu bel prazer de toda a grana
e nela não vai triscar a mão nenhum sacana

Cidadania

gabriela é uma menina muito legal
ela mora perto da praça municipal
gabriela tem um cãozinho que é uma graça
ela leva todo dia o bichinho passear na praça

ali ele faz suas necessidades
mas gabriela ajuda cuidar da cidade
recolhe a caca do cão num saquinho
e põe na lixeira da sua casa direitinho

Aquecimento global

aqui se vai propor uma teoria alternativa
para tentar explicar o aquecimento global
nada de emissão de gás outra é a perspectiva
o efeito estufa teria de fato uma causa social

o inacreditável progresso material
alcançado pela humanidade resultado
de extraordinários avanços tecnológicos
em louco frenesi sem cessar jamais
ao contrário se histerizando cada vez mais
tal uma avalanche leva nossas vidas
de roldão a um hediondo consumismo

na ânsia de alcançar tamanha felicidade
as pessoas se agitam se estressam se atritam
acreditando ser esse o caminho da verdade

um fator complicador a esse despautério
é o aumento dos bebês nas maternidades
em relação aos cadáveres nos necrotérios

o resultado desse atritamento  de gente
neurótica é o aquecimento do ambiente

essa a primeira causa de natureza material
segundo a singela hipótese aqui proposta
uma segunda causa teria fundo espiritual

pessoas de poder bem intencionado
na obtenção do máximo proveito da
situação impingem com dedicação
no grosso da população a presunção
da nova era o passado agora já era

mais e mais se generaliza a ideia da
era de boa-venturança que é o que há
era de acolhimento de todos os tipos
de diferenças se não acolhimento ao
menos indiferença do cada um por si
era de repúdio violento à violência
era de aprofundamento da filosofia
prêt-à-porter em que prevalecem
pensamentos estereotipados de como
o bem é bom e como ele vence o mal
da autodeterminação do livre-arbítrio
de como ficar rico obter sucesso fama
comprando certo livro de autoajuda
fazendo um curso de fim de semana
era em que apesar do recrudescimento
das desigualdades cresce a solidariedade formal
era do surgimento das inimagináveis  redes sociais
nas quais todos ou quase todos são amigos virtuais

a óbvia consequência desse comportamento
das pessoas é o aumento do calor humano
se espalhando por todo o planeta calor que
se dissipando no ambiente o deixa mais quente

e assim se fecha esta modesta teoria
que tem seu foco no aspecto social
por favor faça um esforço e não ria
é coisa séria este tal de aquecimento global

Bem feito

sabe laio
seu salafrário
filho da mãe pai de cambaio
foi muito bem feito
o que te aconteceu

você não tinha nada que
desencaminhar o jovem crisipo
metendo-lhe no rabo teu pipo
deixando o rapaz desorientado
tanto que acabou pulando num poço
quebrando as duas pernas e o pescoço

o pai do garoto
queria arrancar tua pele pelo pé
dessa você se safou por pouco 
mas a  praga que pélope
o pai te rogou pegou

de nada adiantou
você tentar evitar a paternidade
sem abrir mão do tesão
sem deixar de satisfazer a vontade
na nani nanão sabidão
tinha de praticar abstinência total
vacilou sifu sai fora mané qual é

e o que você queria afinal
de um filho feito nas coxas
vai reclamar do que meu

além disso mandar matar
a pobre criança coitadinha
ela só podia ter tristes lembranças
da sua infância
e por cima mandar furar
os dois pezinhos judiação 

mas você não livrou a cara não
seu descarado
ele escapou da lambança
sobreviveu cresceu e quando
te encontrou
te aprontou uma boa
te pegou na encruzilhada
com a espada dele matar
veado na curva
te enfiou o ferro
e você se ferrou
concretizando a mandinga
ou vai ter a cara de pau de negar
licença que vou tomar uma pinga

pra completar esse tal
teu matador prepotente
teu filho renegado feito nas coxas
chamado édipo o dos pés furados
casou com a viúva do morto
que vinha ser a própria progenitora
jocasta que não devia ser nada casta

quando o caso veio à luz no pedaço
virou o maior quiproquó no palácio
o contraventor em lugar de fazer
como faz a maioria esmagadora
dos políticos
vistas grossas ao fato
numa tentativa de enxergar
melhor tudo aquilo que se passava
furou os dois olhos e caiu na estrada
a perambular pelo mundo feito mendigo

sujeito predestinado a ser furado
não bastaram os dois pés antes
agora os dois olhos caramba que sina

mais tarde um velho barbicha
meio ranzinza chamado froide
com base nesta história explicou
com certo sucesso temporário
que esse negócio incestuoso
do filho querer trepar com a mãe
não dos outros mas a própria
dá uma confusão do cacete
na cabeça da gente

tudo isso laio por culpa tua
por ter sido lacaio do prazer
teve mesmo que se foder
aproveitador de menor
pedófilo filho da puta

Curto-circuito

agiota ávido de nota preta inspira
o bom funcionamento do sistema bancário
nos entroncamentos da vida sem placa
seja o que quiser particularmente salafrário

situação que só pode perceber
quem tem sensibilidade à flor da pele
e vai ao âmago da questão
pra resolvê-la pessoalmente não um imbele

alguém de caráter inexpressivo
que não se importa e qualquer sapo engole
como a maioria que vacila
com o regime autocrático por ter coração mole

nesta supimpa caterva não está obviamente
levada em conta a massa de réprobos
que muitos abominam com certa razão porque
querem passar por espertos sendo bobos

para atingir tais condições favoráveis é preciso ter
sentimento pedestre desenvolvido com a pança
coisa que a gente em geral acaba ganhando quando
cresce mas que deve ser cultivada desde criança

Cara e coroa

sôfrego segue o ser humano

sua saga sem pausa

ânsia de saber a causa

e o efeito de todo fenômeno

do micro ao macro ele sonda

e a terra não lhe é suficiente

estende a ciência por tudo

aprofundando seu conteúdo

no átomo mergulha o olhar

no cosmos procura perdido lugar

não há mistério que não desvende

nem complexidade que não entenda

porém é feito de estranha particularidade

seus atos refletem a síntese da dualidade

afronta praticamente qualquer risco

oprime cruelmente seu semelhante

na religião busca amparo pra alma

se entrega a asqueroso materialismo

produz coisas incrivelmente úteis

engendra outras terrivelmente fúteis

prova engenhosos sistemas de saneamento

degrada sem dó nem piedade o ambiente

ora humilde quase sempre cheio de orgulho

oco desde ontem até o findar dos tempos

carrega o bem e principalmente o mal adverso

de dentro de si para os confins do universo

O clima do clima

a atmosfera saturada de poluente
coalhada de todo tipo de tralha
virou verdadeira mortalha
cobrindo a cabeça da gente

chove irregularmente por todo lado
na época de chuva não chove
secam os reservatórios de água
e quando chove inunda tudo

o ar está ficando mais seco
tem dia que parece um deserto
propício pro fogo faminto
transformar em cinzas florestas casas e vidas

no inverno muita vez faz calor de verão
porém como efeito de compensação
também desaba tamanha nevasca
com toneladas de neve e o povo se lasca

a situação climática do planeta é sombria
e foi o tal de progresso que nos meteu nessa fria
atingindo sem distinção zona rural e cidade
triste é o clima do clima a caminho da calamidade

Bike na megalópole

antigamente
quando a cidade tinha apenas
dois milhões de veículos
circulando pelas vias
ainda era possível se andar de bicicleta
em certas circunstâncias
desde que a pessoa ficasse esperta

hoje
já beirando os dez milhões
é praticamente impossível
salvo nos raros parques
quase todos precários
e aos domingos e feriados
durante certo período do dia
em alguns locais reservados

tem a turminha dos idealistas
que acha que pedalar a magrela
pode trazer alguma melhora
pra mobilidade urbana que só piora
mas não se deve cair nessa esparrela
que se para uns bem poucos é viável
pro grosso do povo é irrealizável
seria muito mais prático
acreditar em promessa de político
ou que papai noel no natal desceria
pela chaminé da varanda gourmet
do minúsculo apartamento
não tem o menor cabimento
não passa de mera quimera

a única solução
que enxergo no horizonte
para essa superpopulação
escravizada pelo automóvel
teria natureza impactante
de efeito infalível
para a qual sempre oro
jamais venha acontecer
o encontro com big meteoro

Aritmética poderosa

o poder para poder
multiplicar seu poder
divide parte do seu poder
para cooptar aliados subordinados

a adição de privilégios a uns
subtrai direitos de outros
perpetuando uma inequação
satisfatória a uns tantos
injustiçosa a um montão

no transcorrer dos tempos
esse estado de coisas impede
que haja equidade na sociedade

Black hole

eu sou o ser sugador de toda luz
cada fóton nenhum escapa de mim
eu sou a treva
e no meu entorno
também jaz noite eterna

meu delírio é
essa sede insaciável de escuridão
negrume em irretocável total solidão

sem nenhum pudor
eu me abençoo
por ser um ser abençoado
por fazer o poder do sol de cegar
tornar-se mesquinho tacanho impotente
diante de minha cegueira absoluta
ó bem-vinda dadivosa negritude

Futuro brilhante

um dia no futuro
a china voltará a ser a soberana senhora do mundo
como foi um dia no passado
ai então nossas vidas serão um mar de rosas
porque forçadamente
todos teremos trabalho
pelo menos nas minas de sal do himalaia

Visão semi-ótica

eu enquanto ser por pressuposto vivo
no mundo digo
sou um indivíduo que tem vivência
quer dizer estou no mundo
com ele interajo dele tenho uma percepção
que ocorre por meio de meus sentidos
visão audição olfato paladar tato
por percebê-lo procuro conhecê-lo
ou seja dele apreender uma cognição
que me leve a lhe dar uma significação
para estabelecer com ele comunicação
e tentar exercer sobre ele dominação
com isso fabrico um mundo paralelo
ao mundo real construo um referencial

para flexibilizar e ampliar o processo a partir
do mundo referente eu e alguns companheiros criamos
agentes expressivos das nossas pretensões chamados de
linguagens que contêm dois componentes fundamentais
o significante aquele que exterioriza o pretendido e
o significado aquele que carrega o conceito embutido

as linguagens nascem e crescem atreladas aos sentidos
dando origem assim a linguagens de naturezas distintas
tais como visuais sonoras olfativas gustativas táteis
dentre esse grande elenco merece menção a linguagem
verbal que se classifica em dois tipos oral e escrita

com a linguagem o mundo real é modificado destarte
acarretando alteração em sua percepção cognição significação
provocando a remodelagem do mundo referencial e das linguagens
que almejam comunicação com o mundo real e seu domínio
realimentando o sistema num processo em moto contínuo

essa a visão caolha parcial digamos semi-ótica
talvez que creia possuir de um assunto que devia
de um antigo amigo ter seguido o sábio conselho
não me atrever em absoluto a meter o bedelho

Cromo somos

por que não se é amado como devia
porque não se ama como se deve
por que não se ama como se deve
porque não se é amado como devia

as coisas se aparentam como diferentes
mas as coisas na essência são como dantes
louvada seja a persistência da cegueira
na maneira de olhar e sentir as coisas

persegue-se a fórmula da felicidade
não existe fórmula da felicidade
felicidade e infelicidade são gêmeas
convivendo em constante reciprocidade

no jardim há mato e flores
o mato nasce sozinho
sem cuidado morrem as flores 
a vida encontrou esse modo de ser

e se vai achando de elevada cabeça
e se vai perdendo de cabeça rasteira
bilhões em mega-aglomerados
unidos por fora por dentro isolados

Alea jacta est II

toute pensée émet um coup de dés
parece era assim ao fim
que pensava o poeta mallarmé
pensamento raro
um lance de dados jamais abolirá o acaso
é claro
um lance de dados por acaso é dado do acaso
de direcionalidade determinada por probabilidade
determinismo condicionado por casualidade
desordem em busca de ordem
caos se transformando em cosmos
universo
quiçá só com um verso
poema unifilado
talvez por isso tal chamado
caso contrário seria diverso
daí quem sabe inútil procura o outro lado
o tudo com lado único
porém de diferentes jeitos
de se apresentar ao distinto público
alguns considerados espetaculares
outros com aparentes defeitos
todos partículas elementares particulares
separadas pelo vazio
de pensar dá calafrio
dizer pode parecer coisa ridícula
vazio espaço de possibilidade
do estar de uma dada partícula
estar meramente indicativo de verdade
formando corpos aparentando ser cheios
partículas particulares com vazio no meio
eis a feliz ou triste ou indiferente realidade
tudo em movimento permanente
perceptível devido à diversidade imanente
do se mover donde nasceu a noção de tempo
em consequência da sentida sucessão de eventos
um agora espremido entre um antes e um depois
isso pode ser chamado de história ora pois
e também foi derivada a ideia de energia
tanto do tipo da quente quanto da fria
por favor não ria
se não fosse sério seria cômico
que tem um jeito de ser econômico
até se poderia dizer preguiçoso
isso porque quer porque quer
obedecer à lei do menor esforço
ficar numa boa à toa ao sabor
da maré feito um mané no mais baixo valor
para tanto no mais das vezes às vezes nem tanto
é mandada pro espaço a ordem
que entra pelo ralo da pia
passando a reinar soberana a desordem
aumentando a dita entropia
devido a um arranjo incomum
das partículas se organizar
por ora encontrado aqui e em lugar mais nenhum
surgiu uma forma de manifestação característica
que foi denominada de vida
representada por uma miríade de seres
obedecendo a um preceito fundamental
a vida almeja a todo custo não ter final
a vida quer viver a vida quer durar
continuar no indivíduo dela possuído
no conjunto de indivíduos do mesmo tipo
para tanto lança mão de um artifício
cria um mecanismo de nome memória
informação armazenada no fim da história
pra ser usada no momento oportuno
no duro passado trazido ao presente
pra tentar garantir o futuro da gente
falando com fraternal franqueza
fundamento válido pra toda natureza
quem utilizar de maneira mais eficiente
o mencionado mecanismo
por vontade própria ou mero acidente
leva vantagem por conta dum tal de evolucionismo
a rigor processo conservacionista de caráter egoísta
reverberante do indivíduo pro grupo pra espécie pra vida
tem vez porém que a memória
em razão de qualquer tramoia
se confunde toda
liga o quisifoda
em vez de ajudar atrapalha
tudo se complica dando a maior zica
esse arranjo de partículas chamado de vida
devida à complexidade da organização exige
para se formar e manter um montão de energia
situação desconfortável porquanto instável
maior a complexidade maior sua instabilidade
e em obediência ao princípio da entropia
tende a se degradar melhor dizendo se simplificar
tanto no indivíduo quanto na espécie
destarte embora a vida sempre ambicione viver
uma hora ela tem de desaparecer
pura questão de termodinâmica
é assim quem sabe talvez que tudo se explica
complexidade particular procurando melhor sorte
condição energeticamente mais favorável jeito simplificado
vida dando provavelmente um significado
para o que se convencionou chamar de morte

Rés do chão

prossigo
pastando
meu capim ralo
águas barrentas
lavam a alma
sonhos
como tantos
também tive
pesadelos bastantes
vida
geração trituração de vida
onde encontrar sapiência
para aguardar paciente
o instante do abatedouro
na fugaz consciência
do nada ou quase nada que sou
descrente da utopia
da plenitude do amor

uma rês dissolvida
no imenso rebanho

Pastoreio

em nome de deus
todo santo dia
tanjo meu rebanho
pobres animais
são tantos
e cada vez mais
inconscientes de ser
seres arrastados
pela correnteza
do ter de viver
na ansiosa busca
de louca pretensão
saciar a fome de
necessidades
intermináveis

postos no brete
lhes proponho
negócio honesto
oferta irrecusável
o impossível sonho
tornado concreto
mediante a troca
da fórmula secreta
por certa
quantia em espécie