domingo, 28 de novembro de 2021

Sem chance

 talvez quem sabe ainda chegue o dia

quando olhando pra trás se verá vão

não foi o longo percurso da árdua via

cada um enxergar no outro um irmão


a voz do real dirá quem assim vaticina

mente ou é demente não há bola de cristal

capaz de prever destino diferente do fatal

ao homem único responsável por sua ruína


segue o ínfimo planeta perdido no eternal

infinito espaço nele este ser que é animal

dito dotado de razão apesar de não ter sido


sempre para ser foi e é preciso esforço ingente

porém não aprendeu como agir piedosamente

daí porque do escrito ali no início eu duvido

domingo, 21 de novembro de 2021

Se um dia

emergisse da tortuosa tarefa imposta por mim a mim mesmo deliberadamente talvez sem compreender bem por que de pretender com voz roufenha cantarolar as inglórias vitórias e derrotas retumbantes que vi vivi sofri impus exultei lastimei inventei supus fui cúmplice voluntário arrastado pela vida afora

falsamente despreocupado com o silêncio mundano diante dela por lhe arrogar valor inerente por definição soberba autoestima vanglória ridícula convencido da ignara alheia incompreensão vacilante frente a algum aplauso ocasional buscando consolo em chã  filosofia  fugaz é o estrépito dos fogos de artifício flébil o alarido saído das vielas da vaidade frouxas ideias disponíveis ao rompimento pronto para entrar no mercado de ilusões

e gritasse sem hesitação com toda a força dos pulmões a cara transbordante de raiva lavada pelo choro da amargura basta não faço mais nada disto chega de tanta inutilidade desisto não vou mais esbanjar meu tempo ele é curto precioso aqui e alhures agora e depois vou atrás de novas distrações continuar às moscas mas decididamente consciente na medida do possível essa atitude a ninguém comoveria nem deveria afinal de contas as pessoas de bem têm contas mais importantes para dar conta e as de mal têm de cuidar dos seus bens em lugar de atentar pras lamúrias de um desocupado

destarte continuo imergido nas ruínas de meus castelos de areia adornados com jardins de escória onde floresce na primavera a doce melancolia e no rigor invernoso a amargosa alegria o olhar cada vez mais enevoado o pensamento cada vez mais embotado nos gestos lentidão beirando o insuportável na curvatura da espinha bem pra lá de madura o desenho de um contorno inconfundível suporte da vestimenta da morte derradeiro presente da vida solitário vou moldando o vazio com nada a espera do dia em que tudo isto afinal definitivamente acabe


domingo, 14 de novembro de 2021

Sacanagem

 o tempo

em sua indiferente crueza dissipativa

se impregnou em mim desde o primeiro instante

zigoto

persistindo assim daí pra frente 

e assim será até o último instante

sempre

pela pele até os ossos

miolos 

principalmente

duro caroço

cada vez mais 

o que esse sem graça pretende afinal

acabar com a graça da gente

liquidar com minhas ações

me fazendo virar pó 

sem piedade nem dó

largado em terra fria

só pra agradar a entropia 

e depois amizade 

como fica minha vaidade

arrogância petulância ganância 

egoísmo mau-caratismo pedantismo

como é que é

acabou-se o que era doce

e amargo também  

sacanagem


domingo, 7 de novembro de 2021

Recorrência

o mundo 

podendo ser eu

achando ser gente

acordada sendo sonâmbula 

na corda bamba 

distendida na flecha do tempo

uma comendo outra

sem estranhamento

na soltura do crime 

inquérito arquivado  

o segredo da justiça

silêncio patife 

permanente instalado

na ordem do dia 

 a sedução do roubo

inspiração vem do alto

mergulhado em temores

sem perceber

o mau odor sob as axilas

e a incapacidade de ser decente

elo mantenedor da corrente humanoide