à luz da dolorosa situação a que chegamos
tenho calafrios e escrevo um século depois
escrevo sentindo engulho atônito diante da feiura
disto tudo feiura desconhecida dos mais antigos
canto um canto parco estreito rouco
dos farrapos feitos a ferro fogo força
canto o presente e cantando o presente
também canto o passado e o futuro
porque o presente é presente do passado
e o futuro terá como passado o presente
futurismo enaltecido no sempre presente passado modernista
a par da modernidade que ruge range geme estruge ferra fere
garroteia
e tem sido geradora e transmissora ao longo de décadas até
os dias de hoje
de tantos suplícios que será então do nosso futuro? qual
será nossa saída?
rrrr rodas e engrenagens sois eternas? não tendes mais fim?
maquinismos em fúria a espalhar corrosivo sêmen
em fúria fora e dentro de mim
a penetrar por todos meus poros
fazendo-me exalar mau cheiro
lateja-me a cabeça rrrr ruídos modernos
de vos ouvir demasiadamente sem cessar
e tenho a boca seca por vos querer cantar rrrr máquinas
infernais
eia modo moderno de ser que exiges permanente mudança de
modo de ser
sem tempo a perder para formar tradição trocar passou ser
tradição
eia modo moderno de ser que criaste a fobia do novo e preferes
o ter ao ser
eia mercado imperador absoluto e tirano
eia consumo eia consumo eia consumo eis a ordem geral
eia artes que vos banalizastes e também virastes mercadoria
vítima de mercancia
eia artistas verdadeiros e verdadeiros picaretas que
virastes farinha do mesmo saco
tudo se transforma em produto a ser consumido em coisa a ser
adquirida
eia outro também te transformas em coisa a ser possuída para
em seguida ser descartada
e se como disse a clarice eu sou o outro do outro então eu
também me coisifico
e todos nós acabamos nos coisificando
ó megalópoles com vossas avenidas ruas praças viadutos
túneis passarelas
apinhadas de todos os tipos de veículos apinhadas de todos
os tipos de gente
todos os tipos de milhões de coisas moventes querendo passar
ultrapassar
se esfregando se apertando se ralando se amassando aos
encontrões
em crispações absurdas fruto de promíscua fúria inútil de ir
e vir
e tudo acaba se arrastando quase parando
xô shopping centers substitutos hodiernos das catedrais do
passado
acolheis em vosso regaço multidões de fiéis adoradores de
mercadorias
fetiches em exposição permanente nas fachadas das vossas
lojas altares
aparelhos eletromecatrônicos domésticos ou não aparelhos de
barba fogões fornos geladeiras máquinas de lavar máquinas de secar ferros
elétricos rádios televisores aparelhos de vídeo máquinas fotográficas
filmadoras computadores gravadores escâneres telefones com fio sem fio
celulares aparelhos de fax impressoras
aspiradores de pó enceradeiras aquecedores ventiladores
condicionadores de ar torradeiras cafeteiras liquidificadores moedores
trituradores espremedores acendedores exaustores purificadores batedeiras
vibradores
figurinos da última moda roupas de grife milhares de modelos
de calçados
coisas todas modernas coisas grandes pequenas originais
banais úteis inúteis
por que pervertidamente vos enroscais à minha vista?
coisas coisas coisas coisas coisas que toda a gente quer
comprar
quem tem necessidade de tanta coisa?
ah arranha-céus avançais para o alto apoiados em vossas
garagens subterrâneas
massa de concreto armado milimetricamente projetado pela
engenharia da especulação
cada vez mais e mais vos amontoais uns aos outros para
abrigar amontoada crescente
massa de gente desamada quotidianamente deslocada pela
economia da obrigação
dos apartamentos onde habitam para os edifícios onde
trabalham e vice-versa etc.
hurra agricultura moderna com tuas supermáquinas de plantar
irrigar colher debulhar
tua química agrícola com adubos sintéticos agrotóxicos e
espécies transgênicas
acaso estás ao menos mitigando a fome crônica destes bilhões
de famintos?
psiu medicina moderna teus aparelhos de diagnosticar
dia-a-dia mais se sofisticam
tuas técnicas cirúrgicas e teus medicamentos dia-a-dia mais
se aprimoram
mas novas doenças não cessam de se manifestar velhas doenças
de ressuscitar
as filas para algum tipo de atendimento médico só fazem
aumentar
os hospitais mais e mais são insuficientes
cada vez maior é o número de gente doente
olá comunicações por terra por água e por ar bons motivos
tendes para essa pressa
importantíssima reunião? grande negócio? ou só um giro de
breve regresso?
oi gigazilhões de informações é preciso que sejais
informadas num picossegundo?
quase tudo não passa de cultura inútil notícia falsa ou
fofoca de gente do submundo
oh propaganda & marketing eu me prostro a vossos pés
e vos reverencio por conseguirdes me fazer
acreditar em que não devia e a querer possuir o que não
preciso
pô poluição da terra da água e do ar será preciso o fogo do
inferno para vos liquidar?
ufa efeito estufa buraco de ozônio aquecimento global nada
mal
xi extinção das calotas polares elevação do nível dos mares
arre finalmente o fim das florestas a morte dos lagos rios
oceanos?
não demora o dia de não ter mais água pra correr pelos canos
eh-lá excelente herança vamos deixar para as futuras
crianças
bum bombas mais e mais bombásticas capazes de destruir o
mundo em segundos
eca sistema econômico fubeca tens o dom magnífico de
produzir grandes riquezas
mui justamente concentradas nos bolsos privilegiados de uns
poucos
à custa de muitos injustamente obrigados a chafurdar em
imbatível pobreza
hupa-lalá democraticamente institucionalizadas corrupções
políticas
hupa-lalá todos os tipos de extraordinárias violências e
injustiças
hupa-lalá magníficas especulações nas bolsas de valores
hupa-lalá inteligentíssimas megafraudes financeiras
hupa-lalá apetitosíssimos juros bancários
hupa-lalá rentabilíssimo tráfico de armas
hupa-lalá lucrativíssimo tráfico de drogas
hupa-lalá show de esportes pela tevê
hupa-lalá show de notícias pela tevê
hupa-lalá show de fé pela tevê
hupa-lalá show de mediocridade pela tevê
hupa-lalá desenvolvimento
hupa-lalá desigualdade social
hupa-lalá progresso
hupa-lalá degradação ambiental
hupa-lalá
hupa-la
hup
glup
hip-hurra tudo isto tão maravilhosamente moderno
supermoderno transmoderno
vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum vrum
fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon fon
bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi bi
bi bi bi bi bi
trim trim trim trim trim trim trim trim trim trim trim trim
trim
bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip bip
bip
pam pam pam pam pam pam pam pam pam pam pam pam
pein pein pein pein pein pein pein pein pein pein pein pein
poin poin poin poin poin poin poin poin poin poin poin poin
tik tik tik tik tik tik tik tik tik
tak tak tak tak tak tak tak
rrrrrrrrrrrriiiiiiiiissssssssssssssssssssskkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
pif paf pof puf puf puf puf puf puf puf puf puf puf puf puf
puf
cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof cof-cof
cof-cof
ai ai ai ui ui ui dói dói dói dói dói dói dói dói dói dói
dói dói
upa upa papapapapapapapapapapapapapapapapapapapaaaaaaaa
tsk tsk tsk
crash ash ash ash ash ash ash ash
xi iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
big-bang
BUUUMMM?