domingo, 29 de maio de 2016

domingo, 22 de maio de 2016

REQUIESCAT IN PACE

impassível o morto
faz ouvidos moucos
pro choro dos vivos

calmamente aguarda
durante o velório todo
sem mexer
um dedo sequer
o momento da colocação
da tampa do caixão


domingo, 15 de maio de 2016

CONHEÇO-TE A MIM MESMO

Acredito que não possa haver nenhum conhecimento cem por cento objetivo. Entendido conhecimento cem por cento objetivo como o conhecimento totalmente fora do sujeito. Sempre haverá subjetividade no conhecimento por mais objetivo seja seu objetivo. O ato de conhecer contamina o objeto com subjetividade, pois o ato de conhecer só se dá se houver um sujeito cognoscitivo.
Por outro lado, creio que também não possa haver conhecimento cem por cento subjetivo. Entendido conhecimento cem por cento subjetivo como o conhecimento totalmente dentro do sujeito. Sempre haverá objetividade no conhecimento por mais subjetivo seja seu objetivo. O ato de conhecer contamina o sujeito com objetividade, pois o ato de conhecer só se dá se houver um objeto cognoscível. 
O sujeito sujeita o objeto e é sujeito pelo objeto. O objeto é sujeito pelo sujeito e sujeita o sujeito. 
O conhecimento nasce da simbiose do sujeito objetivado com o objeto sujeitado.
Não ou sim? 

domingo, 8 de maio de 2016

VOU-MEMBORA PRA BRAZÍLIA

vou-membora pra brazília
lá sou amigo do rei
lá tenho a mamata que quero
na câmara que escolherei
vou-membora pra brazília

vou-membora pra brazília
aqui eu sou pobre infeliz
lá rola muita maracutaia
conchavos bem producentes
lobbies e outros arranjos
pra mim e pros meus parentes
rola legal salvo-conduto
pra entrar no valérioduto

e para fazer campanha
andarei de avião
enganarei o povo burro
subirei no parlatório
defenderei o petrolão
e quando estiver acuado
deixo o mandato de lado
parto pra reeleição
contando histórias da carochinha
de como desde menininho
eu sempre fui tão bonzinho
vou-membora pra brazília

em brazília tem tudo
é outra civilização
tem esquema seguro
de promover corrupção
tem reajuste automático
tem propina à vontade
tem prostitutas bonitas
pra gente namorar

e quando eu estiver mais rico
mas rico de mais não poder
quando de noite me der
vontade de me mandar
— lá sou amigo do rei —
terei a mamata que quero
na câmara que escolherei
vou-membora pra brazília

domingo, 1 de maio de 2016

HISTORINHA CAIPIRA

Era uma vez um menino que vendia na feira dois canarinhos, cada um numa gaiola. O da gaiola da direita cantava de rachar o bico. O da esquerda ficava mudo. Só pulava de um poleiro a outro arrupiando as penas. Um homem passou e perguntou quanto custava o canarinho cantor. O menino respondeu que custava cinquenta reais. E o mudinho? — inquiriu o homem. O menino respondeu que custava o mesmo preço, cinquenta reais. O homem disse que aquilo não estava certo, que o mudinho devia custar menos, afinal ele não cantava. O menino respondeu que estava certo, sim. O cantor só cantava por causa do mudinho. Era como se o mudinho fosse o compositor e o cantor o intérprete. Se o senhor levar só o cantor, assim que ele ficar sozinho ele para de cantar. Tem que levar os dois. O cantor só canta por causa do mudinho. E depois se o senhor colocar os dois numa mesma gaiola nasce mais canarinho — respondeu o menino. O homem então levou pra casa por cem reais o casal de canarinhos. O macho cantador e a fêmea encantadora.


(em “Crônicas Anacrônicas – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime (inédito))