domingo, 24 de junho de 2018

Questão de palavra

o menino-manoel
poeta maior que
a partir de grosso mato vocabular
cultivou grande campo poemático
em certo ponto de
seus rupestres poemas afirma
sofrer um encantamento poético
ao olhar a garça-ave e a palavra garça
embalado que fica pela comunhão
do corpo níveo da ave com
o corpo sônico da palavra

não me atrevo a desdizer as palavras
do ilustre bardo das ignorãças
sábio entendedor de tudo sobre o nada
contudo se deus me prouvesse
ser poeta e poeta pantaneiro
a palavra aveira
que eu teria escolhido
seria tuiuiú
não só pela beleza da ave
ave-símbolo do pantanal
mas também pela sua exuberância letral
nome de pronúncia meio difícil
que entrementes é como as gentes
costumam popularmente chamar o jaburu

como não sou campesino eu sou citadino
e nem poeta talvez eu seja se tanto
um poetastro menor cretino
fico mesmo com a palavra urubu
urubu no nome contém três vogais u
todas em posição de destaque
o que segundo uns ditos entendidos da língua
“por ser uma vogal grave fechada velar e posterior
costuma integrar signos que evocam
coisas fechadas escuras
inspiradoras de
sentimentos de angústia
experiências negativas relacionadas à
doença
sujidade
tristeza
morte”
tudo bem de acordo com o que pretendo aqui representar

a tais considerações de natureza lingual
agrego outra respeitante à natureza do animal
que pelo seu altruísmo pode sem dúvida ser
eleita a ave-símbolo desta metrópole
dados os relevantes serviços que presta
ao bem-estar geral da comunidade
como fiel auxiliar das autoridades
responsáveis
na medida do possível
pela limpeza dos logradouros
labuta diuturna que visa
atenuar de tais ambientes
para menor desconforto
da parte boa da população
a presença inconveniente de
carcaça de bicho morto
lixo em decomposição e
tantas outras podridões e sujidades
que empestam cada canto da cidade

domingo, 17 de junho de 2018

Que esperança

ainda hei de tê-la um dia
não palavra vaga
em vão pronunciada
terá de ser palavra forte
pra querer vencer a vida
pra enfrentar até a morte
única talvez capaz de levar além
de um mesquinho só sobreviver

não palavra vazia
saída da boca pra fora
mas principalmente também
o bendito fruto do ventre dela
pra adoçar o fel do céu da boca
chegar até ao fundo das entranhas
e nesse escuro âmago quem sabe
algum tempo aí conseguir permanecer

ainda hei de tê-la um dia
a esperança de poder compreender
toda esta oca barafunda

domingo, 10 de junho de 2018

Que

que este corpo outrora sempre tão entristecido
seja agora contemplado no que lhe resta ainda
ao menos com um pouco das benesses da alegria

que eu me livre de pensamentos em desalinho
ciência imprecisa comportamento em desatino
noites inimigas mal dormidas rosto envilecido

que eu ame agora sem ranço e amargura
seja amado em plenitude ímpeto e ternura

que eu esqueça de querer entender a incoerência
de como alguém diz amar usando prepotência

que do passado não me lembre mais de nada
e rápido seja também totalmente olvidado

domingo, 3 de junho de 2018

Puindo a manhã

sabe joão não sei nem por onde começar
uma explanação que antes até do seu início
já sente ardente vontade de se encerrar
só tem gana de tomar chá de sumiço

sabe por que mui prezado poeta?
a situação dela vai de mal a pior
anda tomando tanto na crica quanto na roseta
e rola bitola da grossa tamanho do maior

nestas megaplagas urbanas escasseiam cada vez mais os galinheiros
o tempo passa e cada vez mais raros os gritos de verdadeiros galos
o consumo exige do povo laborioso ganhar cada vez mais dinheiro
e a manhã se esgarça tecida a fios de sol cada vez mais sem halo

tendas mendigas se entretendem em todos os cantos praças pontes viadutos
luz só artificial de eletricidade pois é expressamente proibido soltar balão
nem com alvará assinado pelo presidente nem mesmo com salvo-conduto
evidente o perigo de graves incêndios além do potencial prejuízo à aviação