domingo, 27 de março de 2016

CONSTATAÇÃO DESALENTADORA

Precisamos nos alimentar constantemente de compromissos éticos decentes para tentarmos acreditar que o mundo possa ser um processo justificável.
           Talvez seja por isso que, mais e mais, somos compelidos a crer ser o mundo um processo sem finalidade.


(em “Crônicas Anacrônicas – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime” (inédito))

domingo, 20 de março de 2016

Uma breve análise da Sátira I de Juvenal

     Décimo Júnio Juvenal nasceu em Aquino, cidade cerca de 130 km a sudoeste de Roma, entre 54-68 d.C., sob o império de Nero e morreu entre 130-138 d.C., sob o reinado de Adriano ( Rudd e Courtney, 1990: 1, 3 ). Escreveu dezesseis sátiras, agrupadas em cinco livros, nas quais “pode pôr em ridículo e fustigar, sem receio, os costumes torpes, a vaidade dos desejos humanos, as ambições dos literatos, a falta de caráter da aristocracia” (Leoni, 1971: 112). “Junto com Tácito, Juvenal será o último baluarte da defesa da latinidade de Roma. Suas Sátiras são um violento panfleto contra a depravação da Roma de sua época, cuja causa é vista no abandono das antigas instituições e costumes romanos e na assimilação da civilização helenística. Para Juvenal, a sociedade romana vive uma profunda crise de valores, crise que abrange a vida política, literária, religiosa, social e moral.” ( D’Onofrio, 1968: 26).
     O objetivo deste trabalho é proceder a uma breve análise crítica literária da Sátira I de Juvenal, sob os pontos de vista de sua organização, de sua temática e de sua contextualização. Como texto base, em latim, utilizamos o de P. De Labriolle e F. Villeneuve, em sua sexta edição (Paris, 1957), apresentado em Giovenale (1989); e como texto de apoio, em português, utilizamos o trabalho anexado à tese de Doutoramento de Parziale (1995), com alterações, quando as julgamos pertinentes.
     A Sátira I pode ser considerada uma introdução a toda obra de Juvenal, pelo caráter programático que apresenta. Nela, o poeta justifica, diante do quadro da degradada sociedade romana que lhe é contemporânea, o porquê é levado a escrever sátiras. Não alimenta esperança de que no futuro as coisas melhorem e vai buscar no passado, não no passado épico, heroico mitológico, mas no passado recente, concreto a fonte de inspiração para sua obra.
     Estudiosos da obra de Juvenal têm sugerido a divisão dos 171 versos, que compõem a Sátira I, em blocos que apresentariam uma temática uniforme, porém não têm chegado a um consenso quanto a essa divisão estrutural. Highet (1961: 47, 246), num amplo estudo da obra de Juvenal, propõe a divisão do poema em quatro partes: a) motivo geral vv.1-18 – por que eu escrevo poesia; b) motivo particular vv. 19-80 – por que eu escolho sátira; c) assuntos vv. 81-146 – os temas principais da minha sátira são ganância e extravagância; d) ilustrações vv. 147-171 – os perigos, por escrever sátira com temas contemporâneos, limitam minha escolha de ilustrações e confinam-me ao passado. C. Knapp, citado por Highet, propõe a divisão em duas partes: a) vv. 1-80 – por que escrever sátiras; b) vv. 81-171 – ilustração dos vícios. Parziale, às páginas 15-16 do anexo (v.2) à sua tese, sugere a divisão em três partes: “1) o exórdio (vv. 1-21)  em que explica por que escreve versos; 2) a parte central (vv. 22-146) em que justifica, através de exemplos, a opção feita em vista do único objetivo: combater os vícios especialmente o da corrupção e o da avareza, geradores e causadores de todos os outros; 3) o epílogo (vv. 147-171) em que, uma vez constatados os perigos inerentes à denúncia dos corruptos e corruptores, declara que pretende falar dos mortos, deixando para o leitor o julgamento sobre quanto ocorre na vida presente.” 
     Além disso, alguns desses estudiosos têm procurado enquadrar o poema numa estrutura retórica clássica, como o faz J. E. Church, citado por Highet, propondo uma divisão em exordium (vv. 1-21), confirmatio (vv. 22-146) e peroratio (vv. 147-171), divisão também adotada por Parziale, citado acima, que chama a primeira parte de sua divisão de exórdio; a parte central, com justificativas através de exemplos de narratio (v.1 p. 199); e a terceira parte, denominada de epílogo, seria a peroratio. 
   Em nosso entender, nenhuma dessas divisões é satisfatória e muito menos o enquadramento retórico rígido do poema. Se considerássemos, por exemplo, a divisão em quatro partes, proposta por Highet, esbarraríamos na dificuldade de explicar por que tantos importantes tipos de vícios, apresentados entre os versos 21 e 80, ficam fora do bloco: c) assuntos – os temas principais das sátiras. Dificuldade idêntica encontraríamos na divisão em duas partes, proposta por Knapp. Se seguíssemos Church, e também Parziale, e dividíssemos a Sátira em três partes e as nomeássemos respectivamente por exordium, narratio-confirmatio e peroratio, seguindo o modelo retórico clássico, geraríamos sérios problemas conceituais. 
     A pressuposição de que Juvenal dominava os princípios da Retórica de seu tempo parece-nos bem razoável ( nos vv. 15-17 da Sátira I ele atesta seus estudos retóricos) e, sendo assim, se pretendesse dar cunho retórico formal a seu poema, acreditamos, tê-lo-ia feito adequadamente. Se lançarmos mão dos preceitos elementares da Retórica Clássica ( Reboul, 2000:43-69), podemos classificar a sátira dentro do gênero de discurso demonstrativo, com auditório o espectador (leitor), tratando de um tempo presente, com a finalidade de censurar, valores vis, com argumento-tipo amplificação. 
    O exordium é a parte que inicia o discurso, tendo uma função essencialmente fática: tornar o auditório dócil, atento e benevolente (o que vale particularmente para o discurso oral), devendo-se proceder a uma exposição clara e breve da questão que vai ser tratada, ou ainda da tese que se vai tentar provar (status quaestiones) e, no gênero de discurso demonstrativo, em particular, o exordium consiste em fazer o auditório sentir que está pessoalmente implicado no que se vai dizer, em incluí-lo no fato (cf. Aristóteles, Retórica, 1415b). 
     Não nos parece que fora esse o propósito de Juvenal na Sátira I que é iniciada já com vitupérios, e vitupérios específicos, contra a mediocridade literária do seu tempo. O poeta apresenta o assunto que pretende abordar: escrever sátiras ao estilo de Lucílio (vv. 19-20) lançando mão, não de argumentos gerais (e.g. o estado da sociedade romana como um todo, que será a matéria prima para a sua obra) que justifiquem seu procedimento, mas de argumentos particulares, a decadência literária do seu tempo. Esses vinte e um primeiros versos são, é claro, uma introdução ao poema, mas não no sentido estrito de um exordium. Entendemos que, caso o poeta pretendesse que essa introdução se aproximasse de um exordium, teria iniciado a sátira com uma ideia geral e breve da, a seus olhos, degradada situação social romana, a qual justificaria escrever sátiras e não, encontrar no fato de estar a literatura que lhe é contemporânea em decadência a justificativa para escrever sátiras. Talvez tenha sido a especificidade do “vício” desses primeiros versos que levou Highet a estender sua introdução até o verso 80, em busca de mais “vícios”. Juvenal faz da introdução da Sátira I um vitupério irônico e jocoso (gozação mesmo) contra seus pares, literatos contemporâneos, e a baixa qualidade da literatura por eles produzida e daí extrapola concluindo: “ diante de tanta mediocridade eu também posso me arvorar em poeta só que minha atitude será de ataque e minha arma a sátira” .  
     A peroratio é a conclusão do discurso, podendo ter várias partes, como a ênfase em pontos já tratados, o despertar piedade ou indignação no auditório e a recapitulação dos fatos. Porém, um ponto fundamental deve ser obedecido na peroratio: não devem ser trazidos argumentos novos sob pena do discurso perder a sua unidade. Ora, nos versos derradeiros (vv. 147-171), Juvenal traz a baila dois novos temas: aponta para qual será a perspectiva futura da sociedade romana e indica onde irá buscar assunto para seus poemas, descaracterizando o fecho do poema como uma peroratio.
     Alicerçados nesses argumentos, propomos uma outra abordagem para compreender a organização da Sátira I: considerá-la um poema diálogo, com inspiração platônica, (forma utilizada corriqueiramente por outros satiristas - cf. Horácio (Sat. I, 1, 10; II,1) e Pérsio( Sat. I, III, IV)), no qual, um “eu”, que seria a persona lírica do poeta, dialoga com um “tu”, um interlocutor anônimo, que seria a persona lírica do ouvinte ou do leitor. Esse “eu”, do primeiro verso até dois terços do verso 149, vai desfiando seus argumentos diante do “tu” silente, que apenas ouve a arenga do “eu”, que colhe seus exemplos na sociedade atual, que tem presente diante dos olhos, ou de um passado recente, e com eles constrói proposições afirmativas entrecortadas a todo o momento de proposições interrogativas, interrogativas retóricas, que devem ser entendidas como dirigidas ao “tu”. Essa presença marcante de questionamentos sucessivos que o “eu” vai apresentando ao interlocutor anônimo procura criar forte envolvimento do interlocutor com os argumentos do “eu”. Do restante do verso 149 até a metade do verso 150, o “eu” faz uma exortação a si mesmo e, a partir de então, o interlocutor entra em cena e tem início um diálogo com turnos simétricos entre os dois personagens até o verso 171, fim do poema, dando ao final um caráter nitidamente dramático, teatral.
     O “eu” inicia sua fala num tom irônico, e diríamos jocoso, desqualificando a literatura que lhe é contemporânea, quer nas epopeias com seus temas míticos, quer nas comédias togadas (1) ou nas elegias. Diante de tanta mediocridade por que ser sempre um ouvinte – Semper ego auditor tantum (I,1) ? Por que não aventurar-se a literato? Educação formal ele teve, pois frequentou as classes de gramática e de retórica nas quais evitou a palmatória (ferula  v. 15) e praticou exercícios retóricos (suasoriae), aconselhando o ditador Sila (80 a.C.) a ir para casa dormir (gozação) – Et nos ergo manum ferulae subduximus, et nos / consilium dedimus Syllae, priuatus ut altum / dormiret ...(I,15-17). O gênero que escolhe é a sátira e seu paradigma é Lucílio, considerado o criador da sátira romana, como se pode depreender da metáfora e da perífrase feitas nos versos – Cur tamen hoc potius libeat decurrere campo, / per quem magnus equos Auruncae flexit alumnus, (I, 19-20): “Por isso de preferência seja-me lícito caminhar no mesmo campo pelo qual o grande filho de Aurunca (2) domou os cavalos”. Para tanto, pede a anuência do “tu”, o interlocutor anônimo – si uacat ac placidi rationem admittitis, edam. (I, 21): “desde que esteja(s) livre e com brandura permitas, mostrarei a razão”. 
     O “eu” prossegue – difficile est saturam non scribere. Nam quis iniquae/ tam patiens urbis ... (I, 30-31): “é difícil não escrever sátira. Pois quem tão paciente da cidade iníqua (Roma)?”. Vemos assim, que os temas para os poemas, a matéria-prima literária, está ali na Urbs que se desenrola diante dos olhos do poeta, o qual passa a apresentar inúmeros exemplos de situações que justificam o emprego da sátira como instrumento de invectiva contra a sociedade. Esses exemplos, embora representem situações distintas, podem, na sua essência, ser reduzidos à oposição riqueza x pobreza, sendo a busca desmedida pela riqueza e a própria riqueza os males primários geradores de todos os outros males: avareza (rapacidade), delação, prostituição, falsificações, assassinatos – meios para a conquista do dinheiro; luxuria, gula, jogatina, desrespeito aos deuses – consequências da conquista do dinheiro. Assim podemos citar as seguintes passagens a título de ilustração:

      Cum te summouveant qui testamenta merentur/ noctibus, in caelum quos 
euehit optima summi/ nunc uia processus, uetulae uesica beatae? (I, 37-39) “Quando te afastam do caminho os que ganham testamentos na calada da noite e os que encontram o melhor caminho para chegar ao céu: a vulva de uma velha opulenta? (3)”

      Quid enim saluis infamia nummis? (I, 48) : “Que importa a infâmia quando se
consegue pôr a salvo o dinheiro?”

     Aude aliquid breuibus Gyaris et carcere dignum/ si uis esse aliquid. Probitas
laudatur et alget. (I, 73-74): “Se queres ser alguém, ousa algo digno da pequena Gíara (4) ou do cárcere. A honestidade é louvada, mas tirita de frio.” 

     Quis totidem erexit uillas, quis fercula septem/ secreto cenauit auus? (I, 94-95)
“Qual dos nossos avós construiu tantas casas de campo? Qual deles comeu sozinho numa ceia sete iguarias?”

uincant diuitiae (I, 110): “vençam as riquezas”

inter nos sanctissima diuitiarum/ maiestas, etsi funesta pecunia templo/ 
nondum habitat nullas nummorum ereximus aras (I, 112-114): “entre nós
é muito mais sagrada a majestade das riquezas, embora ainda não more
num templo, o funesto dinheiro, nem tenhamos erguido altares às moedas”

     Vestibulis abeunt ueteres lassique clientes/ uotaque deponunt, quamquam
longuissima cenae/ spes homini; caulis miseris atque ignis emendus (I, 132-134): “Velhos e cansados clientes abandonam os vestíbulos e perdem toda esperança, embora muito remota, de uma ceia com o homem; os coitados deverão comprar-se couve e o fogo (5)” 


     Como a resumir suas ideias o “eu” afirma – quidquid agunt homines, uotum, timor, ira, uoluptas,/  gaudia, discursus, nostri farrago libelli est. (I, 85-86): “tudo o que fazem os homens, a promessa, o medo, a ira, o prazer, as alegrias, as intrigas, essa mistura (6) é objeto de nosso livrinho (7)”.                    Apoiando-se no fato de que, caso não tenha dom poético, tem a indignação dentro de si – Si natura negat, facit indignatio uersum (I, 79): “Se a natureza nega, a indignatio (8) faz o verso”.
    Abandonando o presente, o poeta faz uma incursão no futuro: Nil erit ulterius quod nostris moribus addat/ posteritas, eadem facient cupientque minores ( I, 147-148): “ Nada haverá que o porvir acrescente aos nossos costumes; do mesmo modo farão e desejarão os vindouros”. Todo vício nunca saiu do  abismo. Resta pois, ao “eu”, a autoexortação, por via metafórica, na imagem de  içar e a soltar todas as suas velas ao vento, ou seja, a dedicar-se a compor sátiras – ... Vtere uelis/ totos pande sinus ... (I, 149-150).
     Nesse ponto, o interlocutor, que, até então, ouvira em silêncio as argumentações do “eu”, toma a iniciativa do discurso, e estabelece-se um diálogo com turnos equilibrados entre os interlocutores, semelhante a um texto teatral, um texto dramático. O “tu” aconselha o “eu” a ter muita cautela, pois escrever sátira contra os poderosos contemporâneos é muito perigoso - ... Tecum prius ergo uoluta/ haec animo ante turbas:  galeatum sero duelli/ paenitet. (I, 168-170): “Então pensa bem antes de soprar nas trombetas: arrepende-se tarde do duelo quem já traz na cabeça o capacete”. Ao que o “eu” arremata – Experiar quid concedatur in illos/ quorum Flaminia tegitur cinis atque Latina. (I, 170-171): “ Que seja! Tentarei ver o que se pode dizer contra aqueles cujas cinzas estão guardadas ao longo das vias Flaminia e Latina (9).”. O “eu” volta-se então para o passado, não o passado mítico, mas o passado recente, entre aqueles que foram providos de riquezas, para buscar material para suas invectivas.
     Ora, se o poeta se propõe a satirizar a sociedade romana, mostrando na maior parte de seu poema a situação presente dessa sociedade que sob seu ponto de vista, está totalmente corrompida; se afirma que o futuro será o espelho do presente, isto é, tão podre quanto hoje, e se vai buscar no passado material para seu trabalho significa que os vícios existiram ontem, existem hoje e continuarão a existir amanhã, argumento que enfraquece muito a tese de que a intenção de Juvenal era, por meio de suas sátiras, promover uma reforma geral na moral da sociedade romana, que a sátira juvenaliana era instrumento de educação social, que essa sátira era poesia didática, pois se assim fosse, seria estranho instrumento, aprioristicamente impotente, uma vez que o hoje, reflexo do ontem, será a imagem do amanhã. Essas considerações permitem que se especule que a indignatio de Juvenal fosse mais retórica do que sentimento nascido de fato no âmago do poeta, principalmente se levarmos em conta que o poeta no final da sua sátira programática afirma que vai criticar o passado, isto é, vai chutar cachorro morto. Não tem lógica! Fica a forte sensação que o poeta era um trocista, tremendo humorista, gozador.
     Resumindo, para concluir, podemos dizer que a Sátira I de Juvenal é um poema diálogo no qual um “eu”, dialogando com um interlocutor anônimo, justifica-se, face à degradada situação da sociedade romana, cuja causa primária é a cupidez dinheirista das pessoas, por que é inevitável compor sátiras e deixa transparecer que essa sua atitude em nada modificará a sociedade, pois os vícios de hoje foram herdados do passado e serão transmitidos às gerações futuras. Neste ponto, lembra-nos o provérbio um tanto chulo, chulo mas afinado com o que entendemos seja um dos componentes do espírito satírico juvenaliano: “mudam as moscas, mas a merda continua sempre a mesma.”
     Transcorridos dois mil anos olhando a nossa volta podemos constatar o quanto a previsão de Juvenal estava certa.

Notas
1. Comédias de característica romana nas quais os atores usavam a tradicional toga e que se distinguiam das comédias “palliatae”, de característica grega, nas quais os atores vestiam o “pallium”. 
2. Cidade ao norte da Campania, onde nasceu Lucílio em aprox. 180 a.C.
3. O poeta refere-se a uma categoria de exploradores de mulheres velhas as quais, em troca de algumas noites de prazer, comprometiam-se a deixar-lhes uma parte da herança.
4. Gíara, ilha do mar Egeu aonde de deportavam os criminosos mais cruéis.
5. O poeta faz menção ao estado precário da clientela que pouco recebia de seus patrões usurários: nem a caena recta, convite para jantar e nem a espórtula, em forma de cesto com alimentos ou, certa quantia em dinheiro.
6. Farrago, no sentido concreto, denotativo, significa: cevada misturada com outros grãos servida aos animais; fica evidente a correlação que Juvenal pretende fazer com a palavra satura, que significa: prato de diferentes iguarias (de origem macedônica), podendo ser formado por um sortimento de frutos, e que costumava ser oferecido à deusa Ceres, por ocasião das festas em agradecimento pelas colheitas e que deu origem à palavra satira, gênero literário. É mais uma alusão, revestida de muita ironia, que o poeta faz quanto ao tipo de obra que vai compor, sátira, atribuindo-lhe um valor literário menor, não é um prato com iguarias, mas uma mistura de simples grãos, e (ah! mente viperina) para ser servido não aos deuses ou humanos, mas aos animais.
7. Libellus, livrinho, dá um tom de modéstia (falsa?) à sua obra. É interessante notar que o poeta usa o termo livro (liber) e não poema (carmen) o que nos permite inferir que ele está se referindo ao seu Livro I, composto pelas Sátiras de I a V, sendo muito provável que as de II a V já estivessem prontas e que ele estivesse então escrevendo a I, prolegômenos ao Livro I e à sua obra.
8. A indignatio foi a principal característica das primeiras nove sátiras de Juvenal e significou uma subversão ao sistema de ensinamento diatríbico, com marca cínico-estoica, que era patrimônio da reflexão moralista romana, em dois pontos fundamentais: aversão violentamente sarcástica contra o rico; e drástica refutação do conceito de laeta paupertas (“pobreza aprazível”), tão cara (cinicamente?) a Sêneca (do alto de sua riqueza ...) o qual pode ser considerado um exemplo típico de representante do moralismo diatríbico contra o qual coloca-se a indignatio de Juvenal, com sua linguagem deliberadamente ferina e exasperadamente materialística (Bellandi, 1980: 10-12). De acordo com Rudd e Courtney (op. cit. p.5) a indignatio é um termo retórico que não significa simplesmente um sentimento de indignação por parte do locutor do discurso, mas também um procedimento retórico para levar ao interlocutor o mesmo estado emocional (cf. Cícero, De inventione 1, 100-105).
9. Ao longo das vias Flaminia, Latina e Apia, três importantes estradas que partiam da Urbs em direção ao interior da península, nos subúrbios de Roma, eram construídos os sepulcros das famílias romanas abastadas.     
      
Bibliografia

BELLANDI, Franco – Etica diatribica e protesta sociale nelle satire di Giovenale.
Bolonha: Pàtron Editore, 1980.
D’ONOFRIO, Salvatore – Os motivos da sátira romana. Marília: FFLCH-USP, 
1968.
GIOVENALE, Decimo Giunio – Satire. Introdução de Luca Canali. Tradução e 
notas de Ettore Barelli. 4. ed. Milano: Rizzoli, 1989. 
HIGHET, Gilbert – Juvenal the Satirist. A study. Nova Iorque: Oxford University
Press, 1961.
LEONI, G. D. – A literatura de Roma. 10. ed. São Paulo: Livraria Nobel S.A., 
1971. 
PARZIALE, Mariano – A sátira de Juvenal como instrumento de educação social.
Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. 2 v.,
São Paulo, 1995.
REBOUL, Olivier – “O sistema retórico” in: Introdução à Retórica. Tradução de
Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RUDD, Niall e COURTNEY, Edward – Juvenal satires I, III, X. 2. ed. Bristol: 
Bristol Classical Press, 1990.


(em “Ensaios Desnecessários” – inédito)

domingo, 13 de março de 2016

EDUCAÇÃO PÓS-MODERNA

        É um casal muito preocupado com o futuro dos filhos. Recentemente ingressaram num grupo que faz parte de um movimento internacional organizado por uma ONG que visa a melhoria das condições vivenciais de crianças, jovens e adolescentes da classe média média e média alta de ambos os sexos todas as manifestações de gênero tanto no âmbito familiar quanto social. O movimento chama-se: “Pais de quatro para os filhos cavalgar melhor.”.

(em “Crônicas Anacrônicas – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime” (inédito))