quando eu era criança
a gente olhava pro céu à noite
em quase qualquer ponto da cidade
e via um espetáculo deslumbrante
o cruzeiro-do-sul
guia de tantos navegadores
desbravadores no passado
orion
o gigante caçador com seu cinturão
as singelas três marias
sirius magnífica
a mais brilhante de todas no firmamento
as plêiades
entre nós carinhosamente
a galinha e os sete pintinhos
marte
o planeta vermelho
com seus misteriosos canais
visíveis mesmo com um bom binóculo
a suscitar acaloradas discussões
haveria vida em marte
seriam os marcianos verdes
a via láctea
era uma das galáxias mais importantes
com suas miríades de estrelas
em noite escura sem lua
a faiscar aos nossos olhos atônitos
o universo
se abria profundo
sobre nossas cabeças
aparentemente estático
num espetáculo maravilhoso
misterioso que nos provocava
assombro arrepio na espinha
que nos obrigava a reconhecer
nossa insignificância e
a presença da mão divina
hoje
transcorridas algumas décadas
eu me transformei num velho
que encolhe a cada dia que passa
mas o universo ganhou nova vida
ficou muito mais amplo e complexo
a via láctea coitadinha
não passa de uma mísera galaxiazinha
perdida na imensidão sem fim do espaço
com uns míseros milhões de estrelas
dentre milhares de milhões de outras galáxias
que contêm bilhões de estrelas
e tudo começou
pelo que dizem os entendidos
com uma grande explosão
batizada de big bang
que mandou para os ares
toda matéria existente no mundo
que estava concentrada integralmente
num único ponto infinitesimal
há quinze bilhões de anos quando
o universo passou a se expandir
e nunca mais vai parar de crescer
ficando mais e mais rarefeito até desaparecer
devido a uma energia escura
resultante de uma força antigravidade
ufa mal consigo respirar
todos esses inacreditáveis conhecimentos
têm sido obtidos a partir de experimentos
com equipamentos de altíssima tecnologia
e uma caríssima conta para pagar
aliados a teorias científicas geniais
e complexidade matemática tais
que até deus se veria em apuro
se tentasse entendê-las no duro
é o progresso que só quer ir em frente
não admite em hipótese alguma retrocesso
é o crescimento estupefaciente
ânsia inexaurível do ser humano
pena que agora
ninguém olha mais pro céu
não dá tempo
com o corre-corre da vida moderna
e se por acaso
quando à noite a gente olha
pro céu da cidade
mal consegue enxergar
uma ou outra estrelinha fraquinha
aqui ali a brilhar
o que se vê é um embaçado cinzento
tendendo a um escuro carvão
resultante do progresso acachapante
progenitor de tanta poluição