domingo, 28 de março de 2021

O céu da cidade

quando eu era criança

a gente olhava pro céu à noite

em quase qualquer ponto da cidade

e via um espetáculo deslumbrante


o cruzeiro-do-sul 

guia de tantos navegadores

desbravadores no passado


orion

o gigante caçador com seu cinturão

as singelas três marias

sirius magnífica 

a mais brilhante de todas no firmamento

as plêiades

entre nós carinhosamente

a galinha e os sete pintinhos


marte

o planeta vermelho

com seus misteriosos canais

visíveis mesmo com um bom binóculo

a suscitar acaloradas discussões

haveria vida em marte  

seriam os marcianos verdes


a via láctea

era uma das galáxias mais importantes

com suas miríades de estrelas 

em noite escura sem lua

a faiscar aos nossos olhos atônitos


o universo 

se abria profundo

sobre nossas cabeças

aparentemente estático

num espetáculo maravilhoso 

misterioso que nos provocava

assombro arrepio na espinha

que nos obrigava a reconhecer 

nossa insignificância e 

a presença da mão divina  


hoje

transcorridas algumas décadas

eu me transformei num velho

que encolhe a cada dia que passa

mas o universo ganhou nova vida 

ficou muito mais amplo e complexo


a via láctea coitadinha

não passa de uma mísera galaxiazinha

perdida na imensidão sem fim do espaço 

com uns míseros milhões de estrelas 

dentre milhares de milhões de outras galáxias

que contêm bilhões de estrelas


e tudo começou 

pelo que dizem os entendidos

com uma grande explosão  

batizada de big bang

que mandou para os ares

toda matéria existente no mundo

que estava concentrada integralmente

num único ponto infinitesimal   

há quinze bilhões de anos quando

o universo passou a se expandir

e nunca mais vai parar de crescer

ficando mais e mais rarefeito até desaparecer

devido a uma energia escura 

resultante de uma força antigravidade

ufa mal consigo respirar

todos esses inacreditáveis conhecimentos

têm sido obtidos a partir de experimentos

com equipamentos de altíssima tecnologia  

e uma caríssima conta para pagar  

aliados a teorias científicas geniais 

e complexidade matemática tais

que até deus se veria em apuro

se tentasse entendê-las no duro


é o progresso que só quer ir em frente

não admite em hipótese alguma retrocesso

é o crescimento estupefaciente

ânsia inexaurível do ser humano


pena que agora

ninguém olha mais pro céu

não dá tempo

com o corre-corre da vida moderna

e se por acaso 

quando à noite a gente olha 

pro céu da cidade 

mal consegue enxergar

uma ou outra estrelinha fraquinha   

aqui ali a brilhar

o que se vê é um embaçado cinzento

tendendo a um escuro carvão

resultante do progresso acachapante

progenitor de tanta poluição

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