sanfona triângulo e zabumba
sobre minha tumba
fina dança muita festança
de almas amenas e fantasmas do bem
por todos os séculos dos séculos amém
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sanfona triângulo e zabumba
sobre minha tumba
fina dança muita festança
de almas amenas e fantasmas do bem
por todos os séculos dos séculos amém
sabedor que sei de ter sido mal-amado
um dia quis entender por quê
peguei meu passado e o fiz desfiar
tanto que pensei jamais iria terminar
concluí que tudo se deu graças ao desamor
que dediquei a uma mulher desalmada
pelo que cansamos de ter a cara molhada
pelo que enfrentamos fúria de vendaval
pelo que teve como seu exclusivo desenrolar
montanhas de melancolias e cólicas estomacais
já separados consultei uma cartomante
que me deu a explicação seguinte
tudo foi obra do destino em associação
com nossa desmesurada vaidade
de sonhar sonhos ambiciosos demais
construir castelos de areia de verdade
cavar buracos negros no vácuo universal
querer descobrir por quem os sinos dobravam
certo tempo depois uma mulher especial
me fez ver que a vida não vale nada sem amor
sincero e como é bom passar a mão numa guitarra
deixar o cigarro no cinzeiro e sair por aí a cantarolar
levar a vida de forma lúdica
de tantas outras talvez a única
capaz de deixar a boca úmida
colocar no ar uma boa música
até a torneira pelo aqueduto
a água vem de bem distante
não há poder mesmo absoluto
que não altere seu semblante
estamos aqui frente a frente
eu que estou meio dormente
e tu que ainda matraqueias
estas bobagens em minha orelha
tamanha perda de tempo precioso
em vez de encher de vinho a jarra
desse jeito acabo ficando furioso
não me forces a usar a cimitarra
defuntos são uma peripécia obrigatória
em toda família que se diz respeitosa
senão haveria uma situação curiosa
estaria estabelecida a eternidade compulsória
por outro lado com a produção contínua de mortos
é liberado espaço pros nenês que nascem todo dia
como o primo zé parido com os dois olhos tortos
sem contar o caso daquela monja budista
que teve o corpo sepultado ainda meio vivo
e pobre coitada infeliz nunca mais foi vista
pra não perturbar os que ainda têm de viver
fantasmas conscientes residentes em casa
procuram os cantos escuros pro seu métier
evitam salão iluminado pra mandar brasa
a maioria porém prefere antros sepulcrais
onde possam se instalar com conforto
pra sentir o frio do além e curtir seus ais
qual tipo de sorte
além da certeza da morte
nos aguarda amanhã e depois se ele houver
seguir esta vida malsã para o que der e vier
caminho sem volta veredas soturnas umas
outras amenas clareiras ao menos por pouco
terras estranhas com vales fundos
entranhas que abafam o eco de um balbucio rouco
murmúrio sem acolhida em ouvidos moucos de mentes de perdida memória
do tilintar de rimas
inutilidade que não mais se prima
palavras fora do rumo da mercantilidade
lavra de infecto inseto
que teima não renegar seu zumbido sombrio
em campo de ervas daninhas
sílabas desnutridas cultivadas com cansaço em silêncio
invenção da existência na permanência da ficção
ousadia de pretender contar a história da vida pela poesia