domingo, 29 de outubro de 2023

Forró do Além

sanfona triângulo e zabumba

sobre minha tumba

fina dança muita festança

de almas amenas e fantasmas do bem

por todos os séculos dos séculos amém

domingo, 22 de outubro de 2023

Pela vida afora

sabedor que sei de ter sido mal-amado

um dia quis entender por quê


peguei meu passado e o fiz desfiar

tanto que pensei jamais iria terminar

concluí que tudo se deu graças ao desamor

que dediquei a uma mulher desalmada

pelo que cansamos de ter a cara molhada

pelo que enfrentamos fúria de vendaval

pelo que teve como seu exclusivo desenrolar

montanhas de melancolias e cólicas estomacais


já separados consultei uma cartomante 

que me deu a explicação seguinte 


tudo foi obra do destino em associação

com nossa desmesurada vaidade

de sonhar sonhos ambiciosos demais

construir castelos de areia de verdade

cavar buracos negros no vácuo universal

querer descobrir por quem os sinos dobravam


certo tempo depois uma mulher especial

me fez ver que a vida não vale nada sem amor

sincero e como é bom passar a mão numa guitarra

deixar o cigarro no cinzeiro e sair por aí a cantarolar

domingo, 15 de outubro de 2023

O mau khayyam

levar a vida de forma lúdica

de tantas outras talvez a única

capaz de deixar a boca úmida

colocar no ar uma boa música


até a torneira pelo aqueduto

a água vem de bem distante

não há poder mesmo absoluto

que não altere seu semblante


estamos aqui frente a frente

eu que estou meio dormente

e tu que ainda matraqueias

estas bobagens em minha orelha


tamanha perda de tempo precioso

em vez de encher de vinho a jarra

desse jeito acabo ficando furioso

não me forces a usar a cimitarra

 

domingo, 8 de outubro de 2023

Peripécia obrigatória

defuntos são uma peripécia obrigatória

em toda família que se diz respeitosa

senão haveria uma situação curiosa

estaria estabelecida a eternidade compulsória


por outro lado com a produção contínua de mortos

é liberado espaço pros nenês que nascem todo dia

como o primo zé parido com os dois olhos tortos


sem contar o caso daquela monja budista

que teve o corpo sepultado ainda meio vivo

e pobre coitada infeliz nunca mais foi vista


pra não perturbar os que ainda têm de viver

fantasmas conscientes residentes em casa

procuram os cantos escuros pro seu métier

evitam salão iluminado pra mandar brasa


a maioria porém prefere antros sepulcrais

onde possam se instalar com conforto

pra sentir o frio do além e curtir seus ais

domingo, 1 de outubro de 2023

Ousadia vazia

qual tipo de sorte 

além da certeza da morte 

nos aguarda amanhã e depois se ele houver 

seguir esta vida malsã para o que der e vier 

caminho sem volta veredas soturnas umas 

outras amenas clareiras ao menos por pouco 

terras estranhas com vales fundos 

entranhas que abafam o eco de um balbucio rouco 

murmúrio sem acolhida em ouvidos moucos de mentes de perdida memória 

do tilintar de rimas 

inutilidade que não mais se prima 

palavras fora do rumo da mercantilidade 

lavra de infecto inseto 

que teima não renegar seu zumbido sombrio 

em campo de ervas daninhas 

sílabas desnutridas cultivadas com cansaço em silêncio 

invenção da existência na permanência da ficção 

ousadia de pretender contar a história da vida pela poesia