ontem de tarde caiu uma tempestade com muita trovoada
a chuva corria pelas encostas do morro vizinho de casa
arrastava além de lama montes de entulho da enorme favela
ali instalada há anos acostumado à cena olhava da alta janela
de vidro fechada impedido por ora que estava de sacudir a toalha
de mesa distraído sem a mínima pressa de ficar livre das migalhas
do almoço na cozinha a esposa produzia barulho típico de lavação
de louça meio abafado pelo chiado do vento pela frincha da porta
da sala lá embaixo os caminhos estavam completamente alagados
relâmpagos não cessavam de clarear o céu precocemente escurecido
riscavam o espaço coalhado de gotas pendentes de nuvens compactas
um homem calvo gritava por socorro com a cabeça para fora do carro
arrastado pela correnteza na direção do canal assoreado pelo medo
totalmente tomada fato compreensível se pôs a rezar em alta voz
a tia coroca paralítica faz bastante tempo moradora junto de nós
ela é devota de santo expedito mas naquele instante apelou pra santa
padroeira do temporal talvez por que esperasse que seu pedido
fosse julgado sem burocracia com aprovação bem mais expedita
do alvará de proteção daquele ambiente familiar e caseiro
com tranquilidade aguardava que o aguaceiro tivesse passado
agora observando o muro do quintal ao lado todo pichado
pensava nada mais justa reivindicação para pessoa de sentimentos
bons incapaz de fazer mal a uma flor visitada por mamangaba
podia afiançar aquele sentir como pio em plenitude
cria coberta da mais pura dignidade tal atitude
por isso provavelmente a santa bárbara
não abandonaria gente civilizada tão rara