domingo, 27 de agosto de 2017

Antes agora


tomo-te tua boca de seda

sobre minha áspera boca

e quisera ter-te tomado bem antes

muito antes do agora tempo fugidio

e só pude tomar-te agora tão tarde

mas tomo antes agora do que nunca


tomo-te teu corpo de amante

sobre meu letárgico corpo

e quisera ter-te tomado bem antes

antes mesmo do início sempre

e só pude tomar-te agora tão tarde

mas tomo isso agora é o que importa


toma-me cola tua pele na minha

crava tuas mãos em meus músculos

faze meu corpo teu corpo

respira por mim meu sopro

alimenta meu ser com o leite

de tuas entranhas


toma-me ordena-me viver

faze-me rochedo imenso a teu lado

e deglute minha rude carnadura

antes que ela se faça dura agonia

e se desfaça em morte escura

agora que a vida se derrama encantada sobre nós

domingo, 20 de agosto de 2017

A perdição de Adão


em verdade em verdade

vos digo amigos

a perdição de adão

foi a imprudência

de ter comido

atrás da árvore da ciência

achando que era escondido

homem é mesmo trouxa

a pera de eva

que a mulher leva

guardada entre as coxas

domingo, 13 de agosto de 2017

Arremate


era uma casa modesta mas certa

vê-la transformada em mansão

um filho audacioso cobiça

o pai pródigo enguiça

o filho ouriça

o pai pródigo se afasta

o filho gosta

o pai pródigo some

o filho assume

o pai pródigo avaliza

o filho atomiza

o pai pródigo propicia

o filho dissocia

o pai pródigo invoca

o filho provoca

o pai pródigo apavora

o filho arvora

o pai pródigo volta

o filho desgosta

o pai pródigo ajeita

o filho desfeita

o pai pródigo desencrava

o filho aconchava

o pai pródigo luta

o filho oculta

o pai pródigo cala

o filho engala

o pai pródigo disponibiliza

o filho desincompatibiliza

o pai pródigo se escafede

o filho excede

o pai pródigo lamenta

o filho arrebenta

o pai pródigo deplora

o filho ignora

o pai pródigo cambaleia

o filho alardeia

o pai pródigo murcha

o filho incha

o pai pródigo morre

o filho recorre

o pai pródigo apodrece

o filho esquece

ali antes havia valores talvez

de importância desprovidos

daí deixou de haver o havido

nada daquilo vigorou mais

novos valores valeram depois

a casa modesta no prejuízo

frustrada futura mansão

levada a juízo
 
foi arrematada em leilão

domingo, 6 de agosto de 2017

Mercadores modernos da fé


usam boa lábia e língua afiada

uma desgastada retórica bitolada



empregam todos os meios de comunicação

ondas de rádio ao vivo e a cores na televisão



ludibriam a sofrida gente simplória

com aparência humilde a rigor finória



apregoam a extirpação de todo sofrimento

mediante extorsão de dízimo em pagamento



vendem fórmulas de felicidade

em templos pululados pela cidade



mercadejam sem pejo com a religião

usufruindo da boa-fé da população



acumulam fortunas escandalosas

passando por pessoas respeitosas



são os mercadores modernos da fé

pastores pés de bode fedendo a chulé