com a calamidade
de tanto abandonado
ao léu pela cidade
eles lutando na vida dura
pra não entregar a rapadura
e a gente com teto sólido
bom colégio e plano médico
eles só na sopa de osso
ou chupando carne de pescoço
e a gente com mesa farta
divertimento e dois carros novos
um na garagem do prédio
outro no estacionamento alugado
sentir o peito invadido
por irresistível vontade
de praticar caridade
de ajudar um desvalido
e numa atitude nobre
dar esmola a algum pobre
participar até de campanha
de solidariedade à pobreza
pelo rádio e pela tevê
nem que seja só pra inglês ver
é necessário contudo
que tudo fique na mesma
eles lá e nós aqui
senão alto lá
o negócio vira subversão
e gozar então o conforto agradável
de uma hipócrita felicidade
pelo gesto humanitário
com amor praticado