sábado, 27 de setembro de 2014

LITERATURA PÓS-MODERNA

Jacinto Pinto, há pouco finalmente declarado fora do armário, iminente incorruptível crítico literário, também conhecido pelo codinome de rei do jabá das letras, em conversa reservada com Saulo Chinchila, famosíssimo ficcionista romancista de renomado nome, conhecido internacionalmente em todo o mundo, assíduo frequentador do jet set e consequentemente da mídia oral visual e tátil, numa tertúlia intelectual em benefício dos pobres vítimas da riqueza dos ricos, sob o patrocínio do Fundo da Cultura Banco Pedra Preta e da rede de Hipermercados Pão Doce Extra Gado desabafava:
— A literatura está perdida, meu caro Saulo. Virou prostituta e o mercado é seu gigolô. Onde estão os verdadeiros artesãos da palavra? Escritor virou garoto-propaganda de editora. Tem um monte de picaretas escrevendo só asneiras. E pior, vendendo adoidado. Onde as verdadeiras obras? Agora, tudo tem que estar dentro do esquema de marketing. E é tudo puro lixo... mas deixemos essas coisas chatas de lado e falemos de coisas mais agradáveis. E você? Como vai seu último livro?
— Vendendo adoidado!


(em “Crônicas Anacrônicas – Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime - inédito)

sábado, 20 de setembro de 2014

SOCIEDADE PÓS-MODERNA

Neste mundo globalizado completamente coisificado
Dominado pelo consumo, pelo mercado
Aonde quer que se vá,
Lojas de shopping, qualquer supermercado,
Só se encontra mercadoria chinesa
Desde o pior badulaque chinfrim,
Uma toalhinha de mesa, um anãozinho de jardim
Até um sofisticado computador pessoal
Pra nos controlar e conectar na rede internacional.

Assim, em verdade, em verdade vos digo:
Quando eu morrer sendo meu espírito levado
Diante do verdadeiro Senhor do Mundo pra ser julgado
Não ficaria nem um pouquinho espantado
Se visse no verso do criador do Universo estampada
Uma etiqueta com código de barras e especificação do produto:

GOD – MADE IN CHINA

(do livro “Poesia... Afinal pra quê?)

sábado, 13 de setembro de 2014

Odisseu revisitado

Embora a mídia tenha lhe dado amplo destaque, por alguma razão que até hoje não compreendi bem por que, naquela ocasião, ao ler a notícia no jornal, aparentemente não lhe atribui a menor importância. Posso dizer até que praticamente a ignorei, apesar de tê-la lido. O interessante, porém, é que, justamente hoje, nesta manhã fria e chuvosa de 1 de abril, enquanto tento estabelecer um mínimo de ordem nesta inútil papelada que eu teimo em guardar, tentativa talvez fútil de querer preservar de alguma maneira o passado, meu olhar ao percorrer a manchete estampada na primeira página do velho jornal  desencadeou antigas lembranças em meu pensamento que passou a divagar devagar fazendo com que aquela longínqua notícia imediatamente desabrochasse por inteiro em minha mente. Como que iluminado por um clarão do além, além de me lembrar dos detalhes, fui além e também passei a me lembrar das linhas gerais daquele insólito acontecimento que, ao que me parece, ocorrera mais ou menos conforme a seguir tentarei relembrar.
Odisseu Grossmann era um yupee enriquecido precocemente graças a audaciosas especulações astuciosas muito bem sucedidas que realizara nos últimos anos no mercado de commodities. Afinal ele não era de ficar acomodado em suas commodities. Agia sempre bem rápido. Se o mercado era tomador, enfiava. Se vendedor, tomava. E assim, enfiando e tomando construiu uma imensa fortuna.  Supérfluo seria dizer que tais operações eram absolutamente legais e, apesar de terem caráter global, isto é, serem realizadas interativamente nas principais bolsas financeiras do mundo, mediante sofisticados recursos da tecnologia informática, como sói acontecer atualmente nesses casos, a base operacional de Odisseu era a modesta Bolsa de Klysteropol, capital da República do Azizquerbeijão. Mas isso tudo, a bem da verdade, não tem a menor importância.
Odisseu, jovem, já sentia o esgotamento da velhice. Esgotamento mental e físico. Esgotamento proveniente da terrível pressão psicológica que sofria diariamente. Não era brincadeira. Quem está de fora não faz a menor idéia do que ele passava jogando na bolsa. Ou se faz, não está de fora e compreende o que digo o que torna assim, em ambos os casos, desnecessária a observação, dada sua inutilidade. Vinte quatro horas (às vezes até mais) por dia todos os dias da semana (exceto no Dia de Ação de Graças, no Dia de São João, no Dia da Independência, no Dia da Padroeira, no Dia de Natal, no Dia Primeiro do Ano e no dia do aniversário da sua (dele) mãe). Todas as semanas do mês (exceto na Semana Santa, na Semana do Carnaval, na Semana da Pátria e na semana do Natal), todos os meses do ano (exceto em Janeiro, Fevereiro e Julho), durante anos e anos a fio, nos últimos cinco ou seis anos, comandando seus negócios de commodities, ainda que o fizesse na comodidade de seu luxuoso escritório. A tal ponto chegara seu estado de ânimo que um belo dia, uma segunda-feira fria e chuvosa, sem mais nem porque, decidiu que a partir de então iria mudar radicalmente de vida. Resolveu “chutar o pau da barraca” como às vezes se costuma dizer coloquialmente. Chutar o pau da barraca não em sentido literal, evidentemente, mas em sentido figurado. Mesmo porque, naquela altura dos acontecimentos, apesar de muito rico, não tinha barraca. Tinha uma tremenda cobertura triplex de 2652 m2 no bairro mais chique da cidade. Mas barraca não tinha. Tendo acumulado um extraordinário patrimônio em bens móveis, imóveis e semoventes poderia viver nababescamente o restante de sua vida, qualquer fosse a duração dessa vida, sem preocupação com trabalho. Quando se diz “qualquer fosse a duração dessa vida” deve-se, evidentemente, subentender um espaço de tempo razoável, dentro da expectativa média de vida de uma pessoa saudável, digamos, por exemplo, 83 anos de idade. E “sem preocupação com trabalho”, a rigor, deve significar sim “sem preocupação em ganhar dinheiro” coisas que, qualquer um que tenha o mínimo senso sobre o sentido das coisas sabe são coisas bem distintas uma da outra.
Odisseu, indivíduo extremamente esperto, astuto, bom de lábia, conseguiu desfazer-se de seu negócio rapidamente e com polpudo lucro. Comprou uma lancha off shore, avisou sua fiel esposa, Aracne, que iria se ausentar por uns vinte anos, mais ou menos, pediu a ela que, por favor, tivesse paciência de esperá-lo, porque o que ele iria fazer era muito importante para ele, se ele não o fizesse iria viver o restante de sua (dele) vida frustrado, amargurado, infeliz etc.e, marido realizado, alegre, feliz etc. já é um saco, imagine então o oposto, que ela fosse tricotando umas blusinhas pra passar o tempo e enrolar os pretendentes até ele retornar,  e caiu no mundo. Passou a navegar pelos mares e oceanos do planeta. Dali em diante para ele navegar seria mais preciso até do que viver, embora, convenhamos, seria difícil navegar sem estar vivo, porque para ele navegar era viver paixão antiga cravada no imo do peito. Tudo isso, de acordo com os fatos (e a lenda).
Odisseu passou, assim, a conhecer lugares e povos interessantíssimos. Em uma de suas viagens, aportou na cidade de Saracura importante ponto turístico do Mare Vostrum meridional. Enquanto a tripulação cuidava do reabastecimento de combustível e alimentos, Odisseu dirigiu-se à lanchonete da marina para fazer xixi, lavar o rosto e beber um suco natural de cidra, tradicional bebida deliciosa, dizem, daquela região. Conversando com um, conversando com outro, porque Odisseu era, além de astuto, muito bom de papo, ficou sabendo da existência de uma ilha onde, de maneira alguma, se deveria tentar atracar. Até mesmo se deveria evitar passar pelas imediações. Era a Ilha das Virgens, nome proveniente de antiga tradição do fisiologismo feminino, hoje considerado anacrônico. Naquele lugar ocorria um estranho fenômeno. Sereias tinham o costume de ali se reunirem. Ao perceberem a aproximação de algum nauta incauto se transformavam em exuberantes mulheres peladas, iguaizinhas a essas produzidas pelo photoshop para as capas de revista de mulher pelada, e assumindo libidinosas posições, iguaizinhas a essas das páginas internas das revistas de mulher pelada, procuravam atrair o navegante em sua direção. Nas proximidades da ilha correntes marítimas traiçoeiras arrastavam o barco de encontro aos rochedos apenas submersos provocando o inevitável naufrágio da embarcação e sendo aquelas águas infestadas por vorazes tubarões a morte do nauta incauto era líquida e certa (ou por afogamento simples ou por estraçalhamento pelas mandíbulas dos aquáticos assassinos ou por ambas as causas ou por outra causa qualquer).
Odisseu pretendia seguir rota que passava justamente pela Ilha das Virgens. Nem lhe passou pela cabeça a ideia de mudar de rumo. Ele era um sujeito muito pertinaz. Por ser também muito astucioso engendrou um plano para ludibriar as sereias. Ordenou fosse amarrado ao mastro da antena da lancha; as coordenadas de navegação foram calculadas e o barco ligado no piloto automático; a tripulação toda vestiu capuz preto que vendava completamente seus olhos, apenas Odisseu não pôs o capuz; e seguiram adiante. Quando o barco se aproximou da ilha, as sereias se transformaram em exuberantes mulheres peladas, iguaizinhas a essas produzidas pelo photoshop para as capas de revista de mulher pelada, e assumindo libidinosas posições, iguaizinhas a essas das páginas internas das revistas de mulher pelada, procuravam atrair os navegantes em sua direção.  Os marinheiros estavam com os olhos vendados e nada podiam ver do que fora se passava. Odisseu, ao contrário, sem venda, estava totalmente vendido. Vendo aquele mulherio todo pelado e em atitudes, quiçá poderia dizê-lo, sem risco de parecer falso moralista, indecentes começou a ficar excitado. Tentava fechar os olhos para não olhar lançando mão de sua esperteza, mas a força do desejo era superior à da astúcia e olhava, olhava com o rabo do olho, mas olhava e olhando ia ficando mais excitado, cada vez mais excitado, estava já praticamente com ereção total embora a bermuda impedisse o livre trânsito do membro. Os membros da tripulação encapuzada permaneciam alheios ao que se passava no tombadilho.
Um pequeno erro de arredondamento no cálculo das coordenadas de navegação, acentuado pelas correntes marítimas traiçoeiras existentes naquelas águas, fez com que a lancha, que navegava em piloto automático, conforme já mencionado, se desviasse do rumo pretendido e fosse, perigosamente, em direção aos rochedos apenas submersos que circundavam a ilha. Os tripulantes nada faziam (quer dizer, nada não, na verdade eles estavam batendo papo sobre coisas banais, nem imaginando a fria em que estavam se metendo), pois estavam encapuzados, conforme já mencionado. Odisseu, agora de olhos arregalados, grunhia alguns monossílabos sem nexo, babava bastante, contorcia-se todo, principalmente os braços dando a impressão que pretendia livrar as mãos amarradas para – quem sabe?, não posso afirmar com certeza – agarrar o membro que tencionava o tecido da bermuda quase a ponto de rasgá-lo, talvez para aliviá-lo de tamanha tensão, e não dava a mínima para o perigoso desvio da rota do barco.
A catástrofe ocorreu num piscar de olhos. A lancha foi a pique em poucos minutos ao ter o casco rasgado de cabo a rabo por um abrolho. Os vorazes tubarões que infestavam aquelas águas fizeram a festa (como político depois que toma posse). Todos os marinheiros foram comidos literalmente. Odisseu, cabeças estraçalhadas, o pouco que restou da superior, pendurada ao tronco, sem os cinco membros, morreu na praia. Estava quase que irreconhecível. Foi identificado pelo exame da arcada dentária como sói acontecer nestas circunstâncias. Resultado confirmado, a título de dirimir qualquer dúvida, pela comparação de seu DNA com o de uma prima paterna de primeiro grau (um dado adicional comprobatório da identificação do morto foi uma tatuagem de sereia que ele tinha no lado superior esquerdo das costas (parte milagrosamente (para quem acredita em milagres), inexplicavelmente (para quem é agnóstico) não atacada pelos tubarões).
Um velho, antigo morador da ilha, em entrevista a uma rede de TV a cabo, reproduzida no jornal em que eu lera a reportagem completa dos acontecimentos, afirmou categoricamente que as sereias, logo após terem cumprido sua missão, transformaram-se novamente em piranhas (uma espécie especial de piranha que vive em água salgada), que é o estado natural delas, saltaram para as ondas que arrebentavam no costão da ilha e desapareceram nas profundezas do mar (certamente, talvez, até outro incauto nauta aparecer por lá).

(do livro “Contos Medonhos “ )

sábado, 6 de setembro de 2014

A BOLA DE CRISTAL


             Era uma vez, na terra do faz-de-conta, uma feiticeira que tinha três sobrinhos.
Um dia, quando foi quando não foi, ninguém sabe ao certo, só se sabe que ela estava de muito mau humor, muito mais do que normalmente sempre estava, só de malvadeza, transformou seu sobrinho mais velho numa águia, a qual passou a viver no alto da montanha mais alta. Só às vezes, era vista descrevendo grandes círculos no céu, descendo e subindo no ar com suas largas asas abertas, suas garras afiadas e seu bico pontudo.
Nesse mesmo dia, um pouco depois, como ainda continuasse de muito mau humor, transformou o segundo sobrinho numa baleia que passou a viver nas profundezas do mar, podendo ser vista só quando subia à tona e de suas costas saía um esguicho de água que espirrava a grande altura.
O terceiro sobrinho, o mais jovem, vendo o que acontecera a seus dois irmãos, com medo que sua tia feiticeira também o transformasse num animal, um urso ou um lobo feroz, ou qualquer outro bicho, fugiu de casa às escondidas.
Depois de andar algum tempo pelo mundo chegou um dia a um vilarejo onde ouviu dizer que no Castelo de Ouro do Sol havia uma princesa que estava encantada, aguardando ser libertada, mas quem tentasse fazê-lo e não conseguisse, morria na hora. Até aquele dia, trinta e cinco jovens já haviam tentado desencantar a princesa e como não conseguiram morreram tristemente.
Como o jovem sobrinho da feiticeira era muito valente, resolveu procurar o Castelo de Ouro do Sol. Depois de andar muito tempo, sem encontrá-lo, foi parar numa grande floresta, onde se perdeu. De repente avistou pouco mais diante dois gigantes discutindo violentamente. O jovem se aproximou e um dos gigantes lhe disse:
— Estamos brigando por causa deste chapéu. Não sabemos decidir a quem ele deve pertencer. Você poderia, por acaso, nos ajudar a resolver essa questão?
— Como é possível, dois homens gigantescos como vocês, brigarem desta maneira, por causa de um simples chapeuzinho como este? — disse o jovem.
— É que este chapéu é mágico. Quem o colocar à cabeça poderá ir aonde bem entender. Basta pensar num lugar qualquer que imediatamente é transportado para lá — respondeu um dos gigantes.
— Ora, deem-me aqui o chapéu! — disse o jovem. Vou andar até aquela árvore ali adiante. Quando eu der o sinal vocês correm até mim. Quem chegar primeiro ficará com o chapéu.
O jovem pegou o chapéu e começou a andar em direção a tal árvore, mas sem se dar conta do que fazia, colocou o chapéu à cabeça e pensou que gostaria de estar no Castelo de Ouro do Sol. Mal acabou de ter esse pensamento, num passe de mágica, se achou no alto de uma montanha, bem em frente à porta do castelo.
Sem hesitar, penetrou no castelo e foi atravessando todos os aposentos até chegar a uma sala onde estava a princesa. Ao vê-la ficou todo espantado. A princesa tinha o rosto cinzento e cheio de rugas, os olhos tristes e os cabelos embaraçados. Sem poder se conter, disse:
— Então é você a princesa que todo mundo diz que é linda? Mas você é horrível!
— Oh! – respondeu ela — esta não é minha fisionomia real! Os olhos humanos só podem ver-me assim deformada, por causa do encantamento que sofri, mas se você quiser saber como realmente sou olha para aquele espelho que lhe mostrará minha verdadeira imagem — e apontou para um grande espelho que tinha num canto da sala.
O rapaz olhou e viu refletida a imagem da mais linda moça que pudesse existir no mundo. E viu lágrimas de intenso sofrimento escorrendo-lhe pelo rosto. Então perguntou:
— Que preciso fazer para libertá-la desse encanto?
A princesa disse-lhe:
— Você terá que apoderar-se da bola de cristal e apresentá-la ao bruxo do castelo; isso anulará o poder do bruxo e eu voltarei ao meu verdadeiro aspecto. Se não conseguir morre na hora. Muitos já tentaram, mas até agora ninguém conseguiu. Pense bem antes de tentar...
— Nada poderá deter-me — respondeu o rapaz — diga-me o que devo fazer para me apoderar da bola de cristal.
— Você deve descer a montanha onde está o castelo; lá embaixo, perto do mar, encontrará um touro enorme e muito feroz, com o qual deverá lutar e abrir a barriga dele. Se conseguir, sairá lá de dentro dele um enorme pássaro de fogo voando. O pássaro de fogo tem na barriga um ovo também de fogo. Dentro do ovo de fogo, no lugar da gema, está a bola de cristal. O pássaro, antes que ele desapareça, precisa sentir medo de algum ataque, pois assim ele cospe pra fora o ovo de fogo para tentar se defender. Mas se isso acontecer onde o ovo de fogo cair vai se formar um incêndio e o fogo vai se espalhar e acabar derretendo a bola de cristal. Você não pode deixar que isso aconteça. Deve recuperar a bola de cristal antes que ela derreta.  
O rapaz imediatamente desceu a montanha onde ficava o Castelo de Ouro do Sol e foi em direção ao mar. Ali encontrou o touro enorme e muito feroz que logo veio pra cima dele bufando e resfolegando. Começou uma luta terrível entre os dois até que o rapaz conseguiu abrir a barriga do touro com sua espada afiada. Saiu lá de dentro o enorme pássaro de fogo.
A águia, que era o irmão mais velho do jovem, que tudo espreitava do alto das nuvens voou contra o enorme pássaro atacando-o com suas garras afiadas e com seu bico pontudo. O pássaro de fogo ao ver-se em perigo cuspiu o ovo de fogo de dentro da sua barriga para fora tentando se defender. O ovo de fogo caiu bem em cima do telhado da casa de um pescador daquela praia e começou a incendiar tudo.
O segundo irmão do jovem, que tinha sido transformado em baleia, que observava tudo o que acontecia na praia, flutuando sobre as ondas do mar, mergulhou e retornou à superfície em poucos minutos; em seguida soltou um tremendo de um esguicho que apagou todo aquele fogaréu em três tempos. Apagado o incêndio, o jovem correu para onde o ovo de fogo tinha caído.
O ovo estava frio e com a casca toda trincada por causa do resfriamento rápido que sofrera com a água do mar. Lá dentro estava a bola de cristal sem nem um arranhãozinho. Ele pegou a bola de cristal e levou para apresentar ao bruxo do castelo. Quando o bruxo viu a bola de cristal na mão do rapaz disse:
— Meu poder está anulado. De hoje em diante você será o rei do Castelo de Ouro do Sol. E terá poder de tirar o encanto da princesa e também dos seus irmãos. Basta que encoste a bola de cristal em qualquer ponto do corpo deles.
O rapaz correu para o aposento da princesa e encostou a bola de cristal no rosto dela. Imediatamente ela se transformou na jovem mais linda do mundo. Depois ele saiu à procura dos seus dois irmãos. Encontrou o irmão baleia no mar. Encostou a bola de cristal numa das barbatanas dela; imediatamente ele voltou a ser o que era antes do encantamento. Procurou o irmão águia e encontrou-o no alto da montanha onde ele sempre ficava; também tirou o encantamento dele encostando a bola de cristal numa pena da sua asa esquerda. Os três se abraçaram muito felizes.
Os dois irmãos mais velhos, livres do feitiço, seguiram seus caminhos pelo mundo afora. O jovem valente voltou para o Castelo de Ouro do Sol, onde  a linda princesa o aguardava ansiosamente. Pouco tempo depois se casaram. Foi uma festa maravilhosa. Eu estava lá. Vi tudo com meus próprios olhos. Por isso estou contando tudo direitinho pra vocês. Depois da festa eu vim embora. Estava trazendo uns doces pra vocês, mas escorreguei na Ladeira do Quebrabumbum e deixei esparramar tudinho pelo chão. Por isso, não tenho mais nenhum doce, não. Peço perdão pela falha, mas foi sem querer, acreditem. Fiquei sabendo depois, quem me contou foi um bem-te-vi muito fofoqueiro, que os dois, o jovem valente e a linda princesa, viveram na mais perfeita felicidade durante muitos e muitos anos!

(do livro "54 histórias que minha avó contava na kombi" http://www.scortecci.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=8285&friurl=:-54-HISTORIAS-QUE-MINHA-AVO-CONTAVA-NA-KOMBI--Omar-Ben-Iamin-:)