sábado, 6 de setembro de 2014

A BOLA DE CRISTAL


             Era uma vez, na terra do faz-de-conta, uma feiticeira que tinha três sobrinhos.
Um dia, quando foi quando não foi, ninguém sabe ao certo, só se sabe que ela estava de muito mau humor, muito mais do que normalmente sempre estava, só de malvadeza, transformou seu sobrinho mais velho numa águia, a qual passou a viver no alto da montanha mais alta. Só às vezes, era vista descrevendo grandes círculos no céu, descendo e subindo no ar com suas largas asas abertas, suas garras afiadas e seu bico pontudo.
Nesse mesmo dia, um pouco depois, como ainda continuasse de muito mau humor, transformou o segundo sobrinho numa baleia que passou a viver nas profundezas do mar, podendo ser vista só quando subia à tona e de suas costas saía um esguicho de água que espirrava a grande altura.
O terceiro sobrinho, o mais jovem, vendo o que acontecera a seus dois irmãos, com medo que sua tia feiticeira também o transformasse num animal, um urso ou um lobo feroz, ou qualquer outro bicho, fugiu de casa às escondidas.
Depois de andar algum tempo pelo mundo chegou um dia a um vilarejo onde ouviu dizer que no Castelo de Ouro do Sol havia uma princesa que estava encantada, aguardando ser libertada, mas quem tentasse fazê-lo e não conseguisse, morria na hora. Até aquele dia, trinta e cinco jovens já haviam tentado desencantar a princesa e como não conseguiram morreram tristemente.
Como o jovem sobrinho da feiticeira era muito valente, resolveu procurar o Castelo de Ouro do Sol. Depois de andar muito tempo, sem encontrá-lo, foi parar numa grande floresta, onde se perdeu. De repente avistou pouco mais diante dois gigantes discutindo violentamente. O jovem se aproximou e um dos gigantes lhe disse:
— Estamos brigando por causa deste chapéu. Não sabemos decidir a quem ele deve pertencer. Você poderia, por acaso, nos ajudar a resolver essa questão?
— Como é possível, dois homens gigantescos como vocês, brigarem desta maneira, por causa de um simples chapeuzinho como este? — disse o jovem.
— É que este chapéu é mágico. Quem o colocar à cabeça poderá ir aonde bem entender. Basta pensar num lugar qualquer que imediatamente é transportado para lá — respondeu um dos gigantes.
— Ora, deem-me aqui o chapéu! — disse o jovem. Vou andar até aquela árvore ali adiante. Quando eu der o sinal vocês correm até mim. Quem chegar primeiro ficará com o chapéu.
O jovem pegou o chapéu e começou a andar em direção a tal árvore, mas sem se dar conta do que fazia, colocou o chapéu à cabeça e pensou que gostaria de estar no Castelo de Ouro do Sol. Mal acabou de ter esse pensamento, num passe de mágica, se achou no alto de uma montanha, bem em frente à porta do castelo.
Sem hesitar, penetrou no castelo e foi atravessando todos os aposentos até chegar a uma sala onde estava a princesa. Ao vê-la ficou todo espantado. A princesa tinha o rosto cinzento e cheio de rugas, os olhos tristes e os cabelos embaraçados. Sem poder se conter, disse:
— Então é você a princesa que todo mundo diz que é linda? Mas você é horrível!
— Oh! – respondeu ela — esta não é minha fisionomia real! Os olhos humanos só podem ver-me assim deformada, por causa do encantamento que sofri, mas se você quiser saber como realmente sou olha para aquele espelho que lhe mostrará minha verdadeira imagem — e apontou para um grande espelho que tinha num canto da sala.
O rapaz olhou e viu refletida a imagem da mais linda moça que pudesse existir no mundo. E viu lágrimas de intenso sofrimento escorrendo-lhe pelo rosto. Então perguntou:
— Que preciso fazer para libertá-la desse encanto?
A princesa disse-lhe:
— Você terá que apoderar-se da bola de cristal e apresentá-la ao bruxo do castelo; isso anulará o poder do bruxo e eu voltarei ao meu verdadeiro aspecto. Se não conseguir morre na hora. Muitos já tentaram, mas até agora ninguém conseguiu. Pense bem antes de tentar...
— Nada poderá deter-me — respondeu o rapaz — diga-me o que devo fazer para me apoderar da bola de cristal.
— Você deve descer a montanha onde está o castelo; lá embaixo, perto do mar, encontrará um touro enorme e muito feroz, com o qual deverá lutar e abrir a barriga dele. Se conseguir, sairá lá de dentro dele um enorme pássaro de fogo voando. O pássaro de fogo tem na barriga um ovo também de fogo. Dentro do ovo de fogo, no lugar da gema, está a bola de cristal. O pássaro, antes que ele desapareça, precisa sentir medo de algum ataque, pois assim ele cospe pra fora o ovo de fogo para tentar se defender. Mas se isso acontecer onde o ovo de fogo cair vai se formar um incêndio e o fogo vai se espalhar e acabar derretendo a bola de cristal. Você não pode deixar que isso aconteça. Deve recuperar a bola de cristal antes que ela derreta.  
O rapaz imediatamente desceu a montanha onde ficava o Castelo de Ouro do Sol e foi em direção ao mar. Ali encontrou o touro enorme e muito feroz que logo veio pra cima dele bufando e resfolegando. Começou uma luta terrível entre os dois até que o rapaz conseguiu abrir a barriga do touro com sua espada afiada. Saiu lá de dentro o enorme pássaro de fogo.
A águia, que era o irmão mais velho do jovem, que tudo espreitava do alto das nuvens voou contra o enorme pássaro atacando-o com suas garras afiadas e com seu bico pontudo. O pássaro de fogo ao ver-se em perigo cuspiu o ovo de fogo de dentro da sua barriga para fora tentando se defender. O ovo de fogo caiu bem em cima do telhado da casa de um pescador daquela praia e começou a incendiar tudo.
O segundo irmão do jovem, que tinha sido transformado em baleia, que observava tudo o que acontecia na praia, flutuando sobre as ondas do mar, mergulhou e retornou à superfície em poucos minutos; em seguida soltou um tremendo de um esguicho que apagou todo aquele fogaréu em três tempos. Apagado o incêndio, o jovem correu para onde o ovo de fogo tinha caído.
O ovo estava frio e com a casca toda trincada por causa do resfriamento rápido que sofrera com a água do mar. Lá dentro estava a bola de cristal sem nem um arranhãozinho. Ele pegou a bola de cristal e levou para apresentar ao bruxo do castelo. Quando o bruxo viu a bola de cristal na mão do rapaz disse:
— Meu poder está anulado. De hoje em diante você será o rei do Castelo de Ouro do Sol. E terá poder de tirar o encanto da princesa e também dos seus irmãos. Basta que encoste a bola de cristal em qualquer ponto do corpo deles.
O rapaz correu para o aposento da princesa e encostou a bola de cristal no rosto dela. Imediatamente ela se transformou na jovem mais linda do mundo. Depois ele saiu à procura dos seus dois irmãos. Encontrou o irmão baleia no mar. Encostou a bola de cristal numa das barbatanas dela; imediatamente ele voltou a ser o que era antes do encantamento. Procurou o irmão águia e encontrou-o no alto da montanha onde ele sempre ficava; também tirou o encantamento dele encostando a bola de cristal numa pena da sua asa esquerda. Os três se abraçaram muito felizes.
Os dois irmãos mais velhos, livres do feitiço, seguiram seus caminhos pelo mundo afora. O jovem valente voltou para o Castelo de Ouro do Sol, onde  a linda princesa o aguardava ansiosamente. Pouco tempo depois se casaram. Foi uma festa maravilhosa. Eu estava lá. Vi tudo com meus próprios olhos. Por isso estou contando tudo direitinho pra vocês. Depois da festa eu vim embora. Estava trazendo uns doces pra vocês, mas escorreguei na Ladeira do Quebrabumbum e deixei esparramar tudinho pelo chão. Por isso, não tenho mais nenhum doce, não. Peço perdão pela falha, mas foi sem querer, acreditem. Fiquei sabendo depois, quem me contou foi um bem-te-vi muito fofoqueiro, que os dois, o jovem valente e a linda princesa, viveram na mais perfeita felicidade durante muitos e muitos anos!

(do livro "54 histórias que minha avó contava na kombi" http://www.scortecci.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=8285&friurl=:-54-HISTORIAS-QUE-MINHA-AVO-CONTAVA-NA-KOMBI--Omar-Ben-Iamin-:)


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