domingo, 28 de janeiro de 2024

Profissão desocupado

 na falta de coisa pior a fazer me encolho em mim mesmo 

recolho meus pedaços de lagarto largado ao léu mutilado e colo com goma arábica 

a cada passo dado em descompasso com o mundo mais e mais pulverizado 

sem perceber dispo minha vergonha 

máscara da minha falta de caráter e busco ser aprendiz de qualquer coisa 

penso num incerto ofício que não seja difícil mas não é nada fácil 

soldado guarda-costas frente a frente com o trabalho músico maestro carregador de piano entregador de pizza artista de circo bispo faquir peregrino 

mas não tenho mais idade pra nada disso

e na verdade eu nasci mesmo foi pra ser desocupado

e já estou aposentado

domingo, 21 de janeiro de 2024

Pro beleléu

mandatário o mercado

sob a tutela do capital

grande valor tem o mal

quem ficar fora tá ferrado


rodam as estações no tempo inexorável

rola pela inóspita encosta da ética

ribanceira abaixo a moralidade

ronda o pressentimento que deve piorar


murcha mais uma árida primavera

passa a gotejar o suor

sob o sol escaldante

de outro verão sufocante


cobertos de pedras pontudas os caminhos

orlados por espessa erva daninha

conduzem a profundo precipício

vastidão do tripúdio ao estropício


surpreendida a alma por gélido sopro

arfa um instante depois imóvel se cala

braço invisível na voragem põe o corpo

matéria perecível do sentir não sabe a fala


mesmo quem quer se soltar da terrível teia

tendida sobre a cabeça se esgarça vacilante

entre recusar ou assentir em ceder a veia

para vampiros sugar o sangue pulsante 


chegam aos confins do mundo

os ares mais insalubres

todo recanto tem um canto imundo

a situação é cada vez mais lúgubre


pela fresta do ralo da pia

furtivamente circulam baratas ao léu 

indiferentes à lua cheia

brilhando alta no céu


no chega pra lá alegres ainda que breve

todos caminhamos certeiro pro beleléu

como se fora antes hora de festa

até o raiar do dia rindo à beça

domingo, 14 de janeiro de 2024

Priápico

estas rosas são inúteis para uma mulher perspicaz e íntegra como ela 

mulheres assim apreciam flores sim porém quando vêm de amores perfeitos 

e você meu caro só porque tem carro caro mas é pobre de espírito 

pensa apenas em prazeres rasteiros egoístas irracionais 

mesmo se mandasse um rosal mesmo se mandasse um jardim seria inútil 

uma pena não digo isso por mim digo por você 

porque aqueles lábios carnudos vermelhos sempre úmidos sensuais 

jamais seriam mordidos por bocas como a sua 

eles anseiam outras volúpias fora do alcance deste seu mundo mesquinho


domingo, 7 de janeiro de 2024

Pra dissolver maus rumores

 serei eu que sou assim um miserável

é o que vivo a indagar a meus fechos ecleres 

por que trazer à tona o que envenena

insistindo em mostrar coisas infernais

pondo o dedo na ferida que gangrena

esquecendo de sentimentos fraternais


alguém dirá que isso tem nome

ele é um pobre infeliz deserdado

ingrato cospe no prato que come

ao menor elogio fica logo afogueado

o que falta aí é um pouco de aragem

cultivar um tema ameno que inebria

falar de amor fazer favor ou uma viagem


gostei da ideia 

embarco nessa

boa à beça 

eu e a medeia

simbora pra miami

eu no vácuo de um tornado

medeia surfando um tsunami