domingo, 25 de fevereiro de 2018

Matéria-prima poética

a matéria-prima da minha poesia é água
às vezes utilizo ar
para fazer a minha poesia uso também uma peneira
destas com abertura larga própria para peneirar pedra
ou outro material semelhante
pego a peneira e peneiro água
igual como aquele menino do manoel
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
peneiro só um pouco de água não muito
água é um bem muito valioso pra ser desperdiçado
o que fica retido na peneira é a minha poesia
quando pretendo construir um poema mais leve
substituo água por ar
neste caso o peneiramento é mais trabalhoso
provoca desperdício maior de matéria-prima
agora confesso a vocês o seguinte
gostaria que minha poesia fosse fogo
incendiasse almas espíritos corações
mas isso é uma ingênua pretensão
sei muito bem por mais me ludibrie
que minha poesia se já não é será terra
pois como tudo na vida um dia vira pó

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Mala-sem-alça

má você é má
macerar é pra você um dom
machucar lhe dá prazer
magoar é o que melhor sabe fazer
maligna
maluca
maníaca
matraca aberta a todo instante
martelação extenuante
massacrante arengação
martírio pra alma e pros ouvidos
máquina de produzir conflitos
máscara social pregada à cara
matrimônio igualado a patrimônio
marido ai coitado está fodido
marionete em casa vira carpete
mala femmina não se pode bobear senão você pimba...
mata
maravalha valha-me adeus

domingo, 11 de fevereiro de 2018

Jardim de ervas daninhas

do fundo do poço
madrugada tempo estiolado
quieta desventura vadia
espera da morte tardia
jardim de ervas daninhas

onde estão os amigos? os amigos
foram sem rancor sem amor
nada mais tenho a lhes oferecer
não têm mais nada a colher
jardim de ervas daninhas

tornei-me outro estranho de mim
embora o mesmo
sou hoje o quê? nada
nada continuei a ser agora acabado
jardim de ervas daninhas

tornei-me espectro
buraco de pedra e gelo
aqui os amigos não poderiam habitar
então partiram se aborreceram
jardim de ervas daninhas

amigos não mais aguardo
nem fantasmas de amigos
gosto amargo de saudade na boca seca envelhecida
poço escuro de palavras murchas
jardim de ervas daninhas

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Imortalidade

acredito piamente na ressurreição
não ser a chamada morte o inexorável fim
terminada esta aparente humana condição
irei à terra e em seguida renascerei capim

acredite tal crença alimento em mim de fato
e assim possamos quem sabe então talvez
nos encontrar de novo ou pela primeira vez
você ali condolente e eu calado sob a sola do seu sapato