domingo, 26 de abril de 2015

HUMANISMO CAPITALISTA

Agora que meu saldo bancário tá joia tá bacana
o banco vive querendo me emprestar uma grana.

Quando eu estava na merda e meu saldo era um horror
toda vez que pedi emprestado o banco sempre me negou.


(do livro: “Poesia... Afinal pra quê?”)

domingo, 19 de abril de 2015

Vicentinho Bonasorte

Vicentinho Bonasorte é um vencedor.
Vicentinho Bonasorte pode ser considerado um exemplo emblemático de como o país é fraternal, maternal, paternal, permissivo, indulgente, tolerante no oferecimento de oportunidades para os que, realmente, têm espírito de luta, fibra, garra, perseverança e almejam de fato vencer na vida, vindo a demonstrar que só não chega lá quem não faz por merecer, e transformando o singelo ditado: a vida é dura só para quem é mole, numa insofismável verdade indiscutível. Nascido no seio de uma anônima família de classe média baixa desde muito pequenininho demonstrou verdadeira vocação para a política, pois sempre foi muito comunicativo (primeira qualidade, quiçá, de qualquer político bem sucedido [aliás, político bem sucedido chega a ser quase que um pleonasmo vicioso; ser político é ser, de uma forma ou de outra, bem sucedido], pois quem não se comunica se trumbica [e político, particularmente, odeia se trumbicar]). Sabia agradar a gregos e a troianos (expressão que deve ser entendida, bem entendido, em sentido conotativo, isto é, de maneira figurada, como um jeito de dizer que o Vicentinho sabia puxar o saco tanto de uns quanto de outros; podendo quando muito ser tomada denotativamente, isto é, literalmente ou ao pé da letra (embora, a rigor letra não tenha pé [pelo menos a maioria delas] ) caso assim se pretendesse referir, em relação apenas aos gregos, uma vez que os troianos são, ao que consta, um povo desaparecido [cogita-se, até, se de fato esses tais troianos chegaram a existir um dia, uma vez que, há indícios, ainda não confirmados, é verdade, de que a tal famosa guerra, envolvendo esse povo e os cupinchas do general (de cinco estrelas) H. Menon, não passou da mais descarada invenção, só mimese, pura ficção, tudo literatura, criada por um ceguinho desocupado que não tinha outra coisa mais interessante que fazer na vida além de ficar inventando lorotas).
Vicentinho Bonasorte, desde muito cedo, aprendeu, espontaneamente, rapidamente, sem nenhum esforço, como um dom natural, a importantíssima arte da perfeita dissimulação, instrumento básico, fundamental, imprescindível, indispensável para obtenção de sucesso em qualquer ramo de atividade que qualquer cidadão (cristãnista, ateísta, agnostista, budista, capitalista, comunista, judaísta, muçulmanista, taoísta trabalhista, socialista, vagabundista e quejandista [nada a ver com fabricante de queijo ou de queijadinha]) se dedique na vida e, particularmente, essencial para o profícuo exercício da honrada profissão de representante do povo; dissimulação que é o resultado da assombrosa capacidade de conciliação de fatos inconciliáveis quais sejam: na mente uma coisa, na fala outra e na ação uma terceira, chave da compreensão do aparente incompreensível (aos profanos olhos leigos do vulgo ignaro) jogo político.
Quando chegou sua hora de estudar, não estudou. Por inúmeras razões, vadiou. Quando chegou sua hora de trabalhar, não trabalhou. Por inúmeras razões, fez política sindical. E daí ingressar num partido político foi um pulinho.
Para dar uma boa guaribada em seu defasado status educacional, fez um Curso Supletivo (por correspondência) com duração de três meses no qual obteve os diplomas de primeiro e segundo graus; foi aprovado com louvor após ser submetido ao exame final que consistiu em escrever o próprio nome (de cabeça, isto é, de cor, sem paradigma pra seguir a não ser uma “colinha” que ele levou só pra não perder a oportunidade de exercitar bons preceitos de caráter), com um mínimo admissível de garranchos. Aprendeu, na prática, a teoria do caixa dois. Para firmar sua formação acadêmica, lançando mão de um curso sabatino (período integral [bem se assinale {mas com frequência livre, se acrescente}] ), bacharelou-se em advocacia (sem maiores preocupações com o exame da Ordem, abroquelado na ideia de que, a princípio, não pretendia exercer, não por direito, mas por vontade própria, a nobre profissão do direito, nem abraçar a magistral carreira da magistratura, visto ambicionar acolitar-se nas lides da causa pública legislativa e executiva) numa dessas Faculdades que abundam por aí, do tipo pagou-passou. E elegeu-se vereador com 56 votos graças à mágica dos quocientes partidários eleitoreiros. Dada sua extremada capacidade comunicativa, dissimulativa e de manuseio prático da teoria do caixa dois, eleger-se deputado estadual foi um passo natural. Período importantíssimo para o desenvolvimento futuro de sua carreira uma vez que pôde dar continuidade ao seu aprendizado da arte de tranquibernar.
Hoje, depois de dois proficientes mandatos sucessivos de deputado federal, é lídimo representante do povo no Senado Federal. Dono de fazendas de café, gado, laranja, soja transgênica, rede hoteleira, prédios comerciais e galpões industriais para locação, avião particular, helicóptero, contas em Paraísos Fiscais, tudo, tudo ganho com o honesto suor do seu ilibado trabalho em prol do bem público (e privado) (vale logo esclarecer, pra evitar maior mal-entendido que a maioria desses bens está em nome de laranjas [não as de uma de suas fazendas; outro tipo de laranja], por uma questão de modéstia [pra não despertar a inveja, a cobiça, o olho gordo de seus adversários {infelizmente, por mais comunicativo que a gente seja, não tem jeito, sempre alguém acaba ficando insatisfeito com alguma coisa que a gente tenha feito ou tenha dito e daí, virar inimigo da gente um fato inevitável, passar a usar mau-olhado, rogar praga, fazer mandinga etc. por causa do sucesso da gente; por isso, o melhor é prevenir e manter uma aparência modesta...}] ) prepara-se para eleger-se governador do Estado, a fim de continuar a emprestar sua prestimosa colaboração à política do país, agora em âmbito executivo estadual (no futuro, quem sabe?, pode chegar até ao âmbito executivo federal, se assim o povo houver por bem decidir escolhê-lo como seu legítimo representante – “sou um humilde ser a serviço do povo”), dando seguimento à sua meritória carreira de luta para o conveniente desenvolvimento da coisa pública e a indispensável consolidação da coisa privada.

(do livro “Contos Medonhos”)

domingo, 12 de abril de 2015

A MENINA E SUA AVOZINHA

Era uma vez uma menina e sua avozinha. As duas gostavam muito uma da outra. A menina era atenciosa e carinhosa com a avozinha. A avozinha era carinhosa e atenciosa com a menina.
            A avozinha não tinha mais marido. Ela teve, mas não tinha mais. Ele morreu já fazia algum tempo. Por isso se dizia que a avozinha era viúva. A avozinha morava no apartamento dos pais da menina, mas ela não morou sempre no apartamento dos pais da menina.
Antes de ela ter ficado viúva ela morava com o marido na casa deles. Depois que ele morreu, ela quis continuar morando sozinha na casa dela, mas a filha da avozinha, que é a mãe da menina, achou melhor ela não morar sozinha. Foi por isso que ela veio morar no apartamento dos pais da menina. Se dependesse só da vontade da avozinha ela teria continuado morando na casa dela mesmo sozinha.
No início o pai da menina não gostou nada da idéia da avozinha vir morar com eles. Ele dizia que a sogra ia perturbar o sossego da família, como se a avozinha não pertencesse à família. Com o tempo ele mudou de idéia. Acabou gostando porque a avozinha sempre foi uma pessoa muito boa, educada, tranqüila, recatada além de que ajudava a tomar conta da netinha, principalmente quando ele e a esposa saiam para passear só os dois.
A menina gostava de muitas coisas que a avozinha fazia para ela. Por exemplo, a menina adorava as roupinhas de tricô que a avozinha fazia para as bonecas dela.
Mas o que a menina mais gostava mesmo era que a avozinha lesse histórias para ela. A avozinha tinha um livro grande, de capa dura de couro. O livro era grosso, com muitas páginas, cheio de desenhos lindos. A avozinha tinha ganhado aquele livro de histórias da madrinha, quando ela era ainda uma menininha que estava começando a aprender a ler. Isso há muito, muito tempo.
Toda noite antes de dormir a avozinha lia uma história para a menina na cama. História de príncipe e princesa. História de bruxa. História de fada. História de chapeuzinho e de lobo. Histórias de todos os tipos. Tinha história que a menina gostava tanto que pedia para a avozinha ler de novo. E ela não achava ruim. Ao contrário até ficava contente. E lia tudo outra vez. Não se importava de ter de repetir. Só tinha um problema,
Ultimamente a avozinha não estava conseguindo mais ler direito, mesmo de óculos bem grossos. O médico disse que a avozinha tinha catarata  na vista. Onde já se viu uma coisa dessas! Catarata! Esses médicos inventam cada uma! Só faltava dizer que a avozinha tinha cachoeira nos ouvidos!
O médico dizia que era preciso operar antes que ela ficasse totalmente cega. A cirurgia era bem simples. Era o que o médico dizia. Só tinha que ver a questão do pagamento que não era nada barato porque o convênio médico da avozinha, apesar de bem caro, não cobria aquele tipo de cirurgia. E também a avozinha não queria operar. Ela tinha medo. Não de morrer, mas de ficar cega. Pelo menos era o que dizia. A filha queria que ela operasse. Se não operasse aí sim é que ia ficar cega mesmo, era o que a filha dizia.
  Um dia, de manhã cedo, foi a maior confusão. Um corre-corre danado. Aconteceu um imprevisto que deixou todo mundo aflito. A avozinha passou muito mal. Não foi problema nos olhos, não. Ela já vinha há vários dias queixando de uma dorzinha no peito. Mas naquela manhã a coisa ficou feia. Parece que foi problema no coração.
A mãe começou a chorar desesperada. O pai não sabia direito o que fazer até que teve a idéia de ligar para um médico amigo dele que orientou o que devia ser feito. Não demorou muito chegaram um homem e uma mulher vestidos de branco. O homem trazia uma cadeira de rodas. Tiraram a avozinha da cama e a colocaram na cadeira de rodas. Colocaram também uma máscara de plástico cobrindo a boca e o nariz dela. Depois levaram a avozinha embora. Não foram pelo elevador social. Para facilitar o transporte da cadeira de rodas foram pelo elevador de serviço que é um pouco maior.
  A mãe foi junto com a avozinha. A mãe não admitia sair sem pintura no rosto. Naquele dia ela saiu sem nenhuma pintura. Pra dizer a verdade, saiu até meio descabelada.
O pai ficou em casa telefonando para o hospital.
A menina ficou na varanda olhando o movimento na rua. Levaram a avozinha na cadeira de rodas pela calçada até a parte de trás de uma ambulância estacionada na frente do prédio e a colocaram lá dentro. A mãe subiu em seguida. Depois a ambulância saiu em disparada apitando uma sirene que fazia um barulhão infernal.  
A avozinha nunca mais voltou para casa.
Vira e mexe a menina sente uma saudade danada da avozinha.
           

(do livro “54 histórias que minha avó contava na Kombi”)

domingo, 5 de abril de 2015

A presença de Jesus no Alcorão

1.      Introdução

            Alcorão significa na língua árabe “a leitura”, “a recitação” e deve ser entendido como sendo a palavra de Allah, Deus, revelada ao profeta Muhammad. A recitação é uma forma de adoração a Allah, composta de cento e catorze capítulos, suratas ou suras, sendo a primeira a da Abertura e a última a dos Humanos (Isbelle, 2003:3). O islã ou  islamismo, que significa submissão voluntária a vontade de Deus, é a religião dos seguidores do Alcorão, chamados islamitas ou muçulmanos, isto é, crentes em Deus (Vernet, 2004:11) (1). O islã distingue os povos que têm um livro revelado de escritura santa daqueles que não o possuem. Quatro são os livros sagrados: a Tora e os Salmos, do judaísmo; o Evangelho do cristianismo e o Alcorão do islamismo. Os porta-vozes de Allah são os profetas. O Alcorão conta com vinte o oito profetas dentre os quais os cinco principais são: Noé, Abraão, Moisés, Jesus e Muhammad. Abraão é o primeiro monoteísta, ancestral dos judeus e dos árabes; Moisés foi o guia severo de seu povo; Jesus aquele capaz de curar os doentes e ressuscitar o morto; Muhammad é a combinação ideal da força de Moisés com a ternura de Jesus, tem o poder encantador da palavra, imbuído da aura de guerreiro e anunciador do juízo final. Ele é o derradeiro profeta tendo recebido a revelação completa que corrigiu as revelações anteriores (Lucchesi, 2002:52-54).
Jesus ocupa um lugar único entre os profetas do islã: nasceu de uma virgem (2), constitui-se em figura quase sobre-humana que operou grandes maravilhas pelo poder de Deus, mas as doutrinas centrais do cristianismo são postas de lado pelo islã (Williams, 1964:22-23). Analisemos alguns desses aspectos.

2. O nascimento de Jesus

             Jesus nasceu do ventre de uma mulher virgem, Maria:
            45. E quando os anjos disseram: “Ó Maria, Allah te anuncia o Seu Verbo, cujo nome será o Messias (3), Jesus, filho de Maria, nobre neste mundo e no outro, e que se contará entre os próximos de Allah.
            46.Falará aos homens, ainda no berço, bem como na maturidade, e se contará entre os virtuosos.”
            47. Perguntou: “Ó Senhor meu, como poderei ter um filho, se mortal algum jamais me tocou?” Disse-lhe o anjo: Assim será. Allah cria o que deseja, posto que quando decreta algo, basta dizer: Seja! e é.” (AS, III, 80) (4).
            Em outra passagem do Alcorão, ainda tratando do nascimento de Jesus, podemos ler que Maria, grávida, embora virgem, separa-se de sua família e refugia-se num local afastado. Um anjo assumindo a forma de um homem aparece diante dela assustando-a:
            18. Ela exclamou: “Guardo-me de ti no Clemente, se és que temes a Allah.”
            19. Explicou-lhe: “Sou tão-somente o mensageiro do teu Senhor, para agraciar-te com um filho imaculado.”
            20. Disse-lhe: “Como poderei ter um filho, se nenhum homem me tocou e jamais deixei de ser casta?”
            21. Disse-lhe: “Assim será, porque teu Senhor disse: Isso Me é fácil! E faremos disso um sinal para os homens, e será uma prova de Nossa misericórdia. E foi uma ordem decretada. (AS, XIX, 365-366)
            A face humana de Maria, diante de situação tão embaraçosa e de tamanho sofrimento físico, sem poder contar com o amparo de sua família,   revela-se no versículo:
            23. As dores do parto a constrangeram a refugiar-se junto a uma tamareira. Disse: “Oxalá eu tivesse morrido antes disto, ficando completamente esquecida!” (AS, XIX, 366)
            Ela, contudo não está só:
            24. Porém, chamou-a uma voz, debaixo dela: “Não te atormentes, porque teu Senhor fez correr um riacho a teus pés!
            25. E sacode o tronco da tamareira, de onde cairão sobre ti tâmaras maduras e frescas.
            26. Come, pois, bebe e consola-te...  (AS, XIX, 366-367)

            Podemos comparar essas passagens com as equivalentes da Bíblia católica:
            26. No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, 27 a uma virgem desposada com um homem que se chamava José, da casa de Davi; e o nome da virgem era Maria. 28 Entrando, o anjo disse-lhe: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo.” 29 Perturbou-se ela com estas palavras e pôs-se a pensar no que significaria semelhante saudação.
            30. O anjo disse-lhe: “Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. 31 Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. 32 Ele será grande e chamar-se-á Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, 33 e o seu reino não terá fim.” 34 Maria perguntou ao anjo: “Como se fará isso, pois não conheço homem?” 35 Respondeu-lhe o anjo: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te envolverá com a sua sombra. Por isso o ente santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus.” (Evangelho segundo São Lucas, 1, 26-35, Bíblia Sagrada (BS), 1994: 1345-1346).

            No Evangelho segundo São Mateus, 1, 18-25 (BS, 1285) podemos ler:
            18. Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo. 19 José, seu esposo, que era homem de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente. 20 Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: “José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois, o que nela foi concebido vem do Espírito Santo. 21 Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados.” Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: 23 “Eis que a Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel” ((Is 7,14) que significa – Deus conosco). 24 Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa. 25 E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus.

            José, esposo de Maria, não aparece no Alcorão, que privilegia e enaltece a figura de Maria, cujo nascimento, genealogia e alguns detalhes de sua vida são tratados nas suras III, vv. 33-37 e vv. 42-44 e sura XIX (5).

3. Jesus mensageiro de Allah

            Sob o ponto de vista do texto corânico, Jesus não é considerado filho de Allah. Ele é um profeta. Um profeta especial, concebido de uma maneira insólita, pela vontade expressa de Allah, mas um profeta como tantos outros que o precederam e o sucederam, até culminar no derradeiro profeta, Muhmmad:
            49. E (Jesus) será um mensageiro para os israelitas...
            50. “(Eu vim) (Jesus) para confirmar-vos a Tora, que vos chegou antes de mim, e para liberar-vos algo que vos estava vedado. Eu vim com um sinal do vosso Senhor. Temei a Allah, pois, e obedecei-me
51. Sabei que Allah é meu Senhor e o vosso. Adorai-o, pois. Essa é a senda reta.”(AS, III, 80-81)
171. Ó adeptos do Livro, não exagereis em vossa religião e não digais de Allah senão a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria, foi tão-somente um mensageiro de Allah e o Seu Verbo, que Ele enviou à Maria, e um Espírito d’Ele. Crede, pois, em Allah e em Seus mensageiros e não digais: Trindade! (6) Abstende-vos disso, que será melhor para vós; sabei que Allah é Uno. Glorificado seja! Longe está a hipótese de ter tido um filho. A Ele pertence tudo quanto há nos céus e na terra, e Allah é mais do que suficiente Guardião. (AS, IV, 138)
17. São blasfemos aqueles que dizem: “Allah é o Messias, filho de Maria.” Dize-lhes: “Quem possuiria o mínimo poder para impedir que Allah, assim querendo, aniquilasse o Messias, filho de Maria, sua mãe e todos os que estão na terra? Só a Allah pertence o Reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre ambos. Ele cria o que Lhe apraz, porque é Onipotente.” (AS, V, 146)
46. E depois deles (profetas), enviamos Jesus, filho de Maria, corroborando a Tora que o precedeu; e lhe concedemos o Evangelho, que encerra orientação e luz, corroborante do que foi revelado na Tora, e orientação e exortação para os tementes. (AS, V, 153)
72. São blasfemos aqueles que dizem: “Allah é o Messias, filho de Maria,” ainda quando o mesmo Messias disse: “Ó israelitas, adorai a Allah, Que é meu Senhor e vosso.” A quem atribuir parceiros a Allah, ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso e sua morada será o Fogo Infernal! Os injustos jamais terão socorredores. (AS, V, 158)
75. O Messias, filho de Maria, não é mais do que um mensageiro, do nível dos mensageiros que o precederam; e sua mãe era sinceríssima. Ambos se sustentavam de alimentos terrenos... (AS, V, 158)
6. (Recorda-te) E de quando Jesus, filho de Maria, disse: “Ó israelitas, em verdade, sou o mensageiro de Allah, enviado a vós, corroborante de tudo quanto a Tora antecipou no tocante às predições, e alvissareiro de um Mensageiro que virá depois de mim, cujo nome será Ahmad! (7) Entretanto, quando lhes foram apresentadas as evidências, disseram: “Isto é pura magia!” (AS, LXI, 670)

4. A morte de Jesus

            A morte de Jesus está envolta em mistério, tanto quanto o seu nascimento. Pela doutrina cristã, Jesus foi morto por crucificação, a pedido dos judeus, após julgamento por tribunal romano em Jerusalém. O Alcorão não aceita essas idéias:
            157. (os judeus serão castigados) E por dizerem: “Matamos o Messias, Jesus, filho de Maria, o mensageiro de Allah”, embora não sendo, na realidade, certo que o mataram, nem o crucificaram, mas o confundiram com outro. E aqueles que discordam quanto a isso estão na dúvida, porque não possuem conhecimento algum, mas apenas conjecturas para seguir; porém, certamente, não o mataram. (AS, IV, 136)

            A ascensão de Jesus aos céus, após sua morte – conforme podemos ler no Evangelho segundo São Lucas (24, 50-51) (BS, 1383): 50 Depois (Jesus) os levou (os onze apóstolos) para Betânia e, levantando as mãos, os abençoou. 51 Enquanto os abençoava, separou-se deles e foi arrebatado ao céu. – é aceita pela Alcorão:
            158. Mas Allah fê-lo ascender até Ele, porque é Poderoso, Prudentíssimo (AS, IV, 136)

5. Considerações finais

            De acordo com a doutrina do islã, Jesus entra na categoria dos profetas e como tal deve obedecer aos traços principais do modelo de profeta: enviado de Deus para pregar um monoteísmo estrito, simples criatura como as demais, ensina o que os outros profetas que o antecederam ensinaram e anuncia a vinda de um novo profeta: o profeta Muhammad. Goza, porém, de uma posição relevante dentro do Livro, tendo sido sua concepção uma vontade expressa de Allah, por meio de uma mulher muito especial, Maria.
            Jesus não traz nenhuma novidade dogmática que não tenha sido trazida pelos profetas que o precederam, e nada a mais do que trará Muhammad em seguida. “A mensagem religiosa de todos os profetas é a mesma e, nesse campo, Adão tinha tanto conhecimento quanto Jesus ou Mohammad.” (Jomier, op. cit., 192)
            Jesus foi enviado por Allah para colocar novamente os judeus no caminho da verdade, do qual se haviam afastado.  Como a missão de Jesus não foi, infelizmente, completada inteiramente a contento, Allah deve de enviar Muhammad para, finalmente, colocar judeus, cristãos, ateus e outros, na senda reta. O derradeiro profeta revelou então a única e verdadeira fonte de alimentação doutrinária religiosa e de vida do homem: o Alcorão.    
             

Notas
1.       Alcorão. Tradução de Américo de Carvalho. Portugal, Publicações Europa-América, Ltda, 2002, Parte 1, p. 13.
2.      Jesus é o filho de Maria, que é o único nome feminino mencionado explicitamente no Alcorão. As outras mulheres não são nomeadas, são ditas: mulher de Adão, mulheres de Abraão, mulheres de Jacó etc. (Le Coran. Tradução de D. Masson. Paris, Gallimard, 1967, p. LIII. A sura XIX é dedicada à Maria.
3.      Messias é a forma hebraica e árabe de Massih, Christos em grego, e que quer dizer “o ungido”, aquele que foi sagrado, ou consagrado, simbolismo indicador do seu destino especial (AS, p. 80). “O título de Messias é explicado de diferentes maneiras pelos comentaristas, mas para o conjunto dos fiéis é um título de honra, sem as ressonâncias que tinha na Escritura Sagrada.” (Jomier, 1992:201).
4.      A notação (AS) indica a obra: O significado dos versículos do Alcorão Sagrado, na tradução do Prof. Samir El Hayek; o número em algarismos romanos indica a respectiva sura, o em arábicos (dentro do parêntese) a página do livro; fora do parêntese (antecedendo cada frase), o número do versículo da sura.
5.      Maria era filha de Imran, descendente de Davi e de Abraão, e foi educada por Zacarias, seu primo, pai de João Batista.
6.      Jesus foi criado pela Palavra de Allah (Kun), um espírito procedente de Allah, mas não diretamente por Allah. Assim a doutrina da Trindade: Pai-Filho-Espírito Santo, em que Jesus é filho único de Deus, gerado pelo Espírito Santo é repudiada pelo Alcorão.
7.       “Ahmad” ou “Muhammad”, o louvado, “alguém chamado em auxílio de outro” seria o último profeta, por meio do qual o Alcorão foi revelado. “Ahmad” equivaleria a “Periclytos”, “Intercessor”, em grego. Essa passagem do Alcorão estabelece uma ligação com o Evangelho segundo São João na passagem (15, 26): (Jesus falando) “Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede do Pai, ele dará testemunho de mim.”


Bibliografia

Alcorão. Tradução de Américo de Carvalho. Portugal: Publicações Europa-América, Lda, Partes 1 e 2, 2002.
Bíblia Sagrada. Tradução pelo Centro Bíblico Católico a partir de versão dos Monges de Maredsous. Revisão de Frei João José Pedreira de Castro, O.F.M. 90ª ed. São Paulo: Editora Ave-Maria Ltda., 1994.
ISBELLE, Munzer Armed. Sob as luzes do Alcorão. Rio de Janeiro: Azaan, 2003.
JOMIER, Jacques. Islamismo: história e doutrina. Tradução de Luiz João Baraúna. Petrópolis: Vozes, 1992.
Le Coran. Préface par J. Grosjean. Introduction, traduction et notes par D. Masson. Paris: Gallimard, 1967.
LUCCHESI, Marco (org.). Caminhos do Islã. Tradução: Ana Thereza Vieira, Cynthia Marques de Oliveira e Sérgio Guimarães. Rio de Janeiro: Record, 2002.
O significado dos versículos do Alcorão Sagrado com comentários. Tradução do Prof. Samir El Hayek. São Paulo: MarsaM Editora Jornalística Ltda, 11ª ed., 2001.
VERNET, Juan. As origens do islã. Tradução Maria Cristina Cupertino; revisão técnica Mamede Mustafa Jarouche. São Paulo: Globo, 2004.
WILLIAMS, John Alden. Islamismo. Tradução e notas de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964.


(em “Ensaios Desnecessários” – inédito)