domingo, 12 de abril de 2015

A MENINA E SUA AVOZINHA

Era uma vez uma menina e sua avozinha. As duas gostavam muito uma da outra. A menina era atenciosa e carinhosa com a avozinha. A avozinha era carinhosa e atenciosa com a menina.
            A avozinha não tinha mais marido. Ela teve, mas não tinha mais. Ele morreu já fazia algum tempo. Por isso se dizia que a avozinha era viúva. A avozinha morava no apartamento dos pais da menina, mas ela não morou sempre no apartamento dos pais da menina.
Antes de ela ter ficado viúva ela morava com o marido na casa deles. Depois que ele morreu, ela quis continuar morando sozinha na casa dela, mas a filha da avozinha, que é a mãe da menina, achou melhor ela não morar sozinha. Foi por isso que ela veio morar no apartamento dos pais da menina. Se dependesse só da vontade da avozinha ela teria continuado morando na casa dela mesmo sozinha.
No início o pai da menina não gostou nada da idéia da avozinha vir morar com eles. Ele dizia que a sogra ia perturbar o sossego da família, como se a avozinha não pertencesse à família. Com o tempo ele mudou de idéia. Acabou gostando porque a avozinha sempre foi uma pessoa muito boa, educada, tranqüila, recatada além de que ajudava a tomar conta da netinha, principalmente quando ele e a esposa saiam para passear só os dois.
A menina gostava de muitas coisas que a avozinha fazia para ela. Por exemplo, a menina adorava as roupinhas de tricô que a avozinha fazia para as bonecas dela.
Mas o que a menina mais gostava mesmo era que a avozinha lesse histórias para ela. A avozinha tinha um livro grande, de capa dura de couro. O livro era grosso, com muitas páginas, cheio de desenhos lindos. A avozinha tinha ganhado aquele livro de histórias da madrinha, quando ela era ainda uma menininha que estava começando a aprender a ler. Isso há muito, muito tempo.
Toda noite antes de dormir a avozinha lia uma história para a menina na cama. História de príncipe e princesa. História de bruxa. História de fada. História de chapeuzinho e de lobo. Histórias de todos os tipos. Tinha história que a menina gostava tanto que pedia para a avozinha ler de novo. E ela não achava ruim. Ao contrário até ficava contente. E lia tudo outra vez. Não se importava de ter de repetir. Só tinha um problema,
Ultimamente a avozinha não estava conseguindo mais ler direito, mesmo de óculos bem grossos. O médico disse que a avozinha tinha catarata  na vista. Onde já se viu uma coisa dessas! Catarata! Esses médicos inventam cada uma! Só faltava dizer que a avozinha tinha cachoeira nos ouvidos!
O médico dizia que era preciso operar antes que ela ficasse totalmente cega. A cirurgia era bem simples. Era o que o médico dizia. Só tinha que ver a questão do pagamento que não era nada barato porque o convênio médico da avozinha, apesar de bem caro, não cobria aquele tipo de cirurgia. E também a avozinha não queria operar. Ela tinha medo. Não de morrer, mas de ficar cega. Pelo menos era o que dizia. A filha queria que ela operasse. Se não operasse aí sim é que ia ficar cega mesmo, era o que a filha dizia.
  Um dia, de manhã cedo, foi a maior confusão. Um corre-corre danado. Aconteceu um imprevisto que deixou todo mundo aflito. A avozinha passou muito mal. Não foi problema nos olhos, não. Ela já vinha há vários dias queixando de uma dorzinha no peito. Mas naquela manhã a coisa ficou feia. Parece que foi problema no coração.
A mãe começou a chorar desesperada. O pai não sabia direito o que fazer até que teve a idéia de ligar para um médico amigo dele que orientou o que devia ser feito. Não demorou muito chegaram um homem e uma mulher vestidos de branco. O homem trazia uma cadeira de rodas. Tiraram a avozinha da cama e a colocaram na cadeira de rodas. Colocaram também uma máscara de plástico cobrindo a boca e o nariz dela. Depois levaram a avozinha embora. Não foram pelo elevador social. Para facilitar o transporte da cadeira de rodas foram pelo elevador de serviço que é um pouco maior.
  A mãe foi junto com a avozinha. A mãe não admitia sair sem pintura no rosto. Naquele dia ela saiu sem nenhuma pintura. Pra dizer a verdade, saiu até meio descabelada.
O pai ficou em casa telefonando para o hospital.
A menina ficou na varanda olhando o movimento na rua. Levaram a avozinha na cadeira de rodas pela calçada até a parte de trás de uma ambulância estacionada na frente do prédio e a colocaram lá dentro. A mãe subiu em seguida. Depois a ambulância saiu em disparada apitando uma sirene que fazia um barulhão infernal.  
A avozinha nunca mais voltou para casa.
Vira e mexe a menina sente uma saudade danada da avozinha.
           

(do livro “54 histórias que minha avó contava na Kombi”)

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