Era uma vez uma menina
e sua avozinha. As duas gostavam muito uma da outra. A menina era atenciosa e
carinhosa com a avozinha. A avozinha era carinhosa e atenciosa com a menina.
A avozinha não tinha mais marido.
Ela teve, mas não tinha mais. Ele morreu já fazia algum tempo. Por isso se
dizia que a avozinha era viúva. A avozinha morava no apartamento dos pais da
menina, mas ela não morou sempre no apartamento dos pais da menina.
Antes de ela ter ficado viúva ela morava com o marido na casa deles.
Depois que ele morreu, ela quis continuar morando sozinha na casa dela, mas a
filha da avozinha, que é a mãe da menina, achou melhor ela não morar sozinha.
Foi por isso que ela veio morar no apartamento dos pais da menina. Se
dependesse só da vontade da avozinha ela teria continuado morando na casa dela
mesmo sozinha.
No início o pai da menina não gostou nada da idéia da avozinha vir morar
com eles. Ele dizia que a sogra ia perturbar o sossego da família, como se a
avozinha não pertencesse à família. Com o tempo ele mudou de idéia. Acabou
gostando porque a avozinha sempre foi uma pessoa muito boa, educada, tranqüila,
recatada além de que ajudava a tomar conta da netinha, principalmente quando
ele e a esposa saiam para passear só os dois.
A menina gostava de muitas coisas que a avozinha fazia para ela. Por
exemplo, a menina adorava as roupinhas de tricô que a avozinha fazia para as
bonecas dela.
Mas o que a menina mais gostava mesmo era que a avozinha lesse histórias
para ela. A avozinha tinha um livro grande, de capa dura de couro. O livro era
grosso, com muitas páginas, cheio de desenhos lindos. A avozinha tinha ganhado
aquele livro de histórias da madrinha, quando ela era ainda uma menininha que
estava começando a aprender a ler. Isso há muito, muito tempo.
Toda noite antes de dormir a avozinha lia uma história para a menina na
cama. História de príncipe e princesa. História de bruxa. História de fada.
História de chapeuzinho e de lobo. Histórias de todos os tipos. Tinha história
que a menina gostava tanto que pedia para a avozinha ler de novo. E ela não
achava ruim. Ao contrário até ficava contente. E lia tudo outra vez. Não se
importava de ter de repetir. Só tinha um problema,
Ultimamente a avozinha não estava conseguindo mais ler direito, mesmo de
óculos bem grossos. O médico disse que a avozinha tinha catarata na vista. Onde já se viu uma coisa dessas!
Catarata! Esses médicos inventam cada uma! Só faltava dizer que a avozinha
tinha cachoeira nos ouvidos!
O médico dizia que era preciso operar antes que ela ficasse totalmente
cega. A cirurgia era bem simples. Era o que o médico dizia. Só tinha que ver a
questão do pagamento que não era nada barato porque o convênio médico da
avozinha, apesar de bem caro, não cobria aquele tipo de cirurgia. E também a
avozinha não queria operar. Ela tinha medo. Não de morrer, mas de ficar cega.
Pelo menos era o que dizia. A filha queria que ela operasse. Se não operasse aí
sim é que ia ficar cega mesmo, era o que a filha dizia.
Um dia, de manhã cedo, foi a
maior confusão. Um corre-corre danado. Aconteceu um imprevisto que deixou todo
mundo aflito. A avozinha passou muito mal. Não foi problema nos olhos, não. Ela
já vinha há vários dias queixando de uma dorzinha no peito. Mas naquela manhã a
coisa ficou feia. Parece que foi problema no coração.
A mãe começou a chorar desesperada. O pai não sabia direito o que fazer
até que teve a idéia de ligar para um médico amigo dele que orientou o que
devia ser feito. Não demorou muito chegaram um homem e uma mulher vestidos de
branco. O homem trazia uma cadeira de rodas. Tiraram a avozinha da cama e a
colocaram na cadeira de rodas. Colocaram também uma máscara de plástico
cobrindo a boca e o nariz dela. Depois levaram a avozinha embora. Não foram
pelo elevador social. Para facilitar o transporte da cadeira de rodas foram
pelo elevador de serviço que é um pouco maior.
A mãe foi junto com a avozinha. A mãe não
admitia sair sem pintura no rosto. Naquele dia ela saiu sem nenhuma pintura.
Pra dizer a verdade, saiu até meio descabelada.
O pai ficou em casa telefonando para o hospital.
A menina ficou na varanda olhando o movimento na rua. Levaram a avozinha
na cadeira de rodas pela calçada até a parte de trás de uma ambulância
estacionada na frente do prédio e a colocaram lá dentro. A mãe subiu em
seguida. Depois a ambulância saiu em disparada apitando uma sirene que fazia um
barulhão infernal.
A avozinha nunca mais voltou para casa.
Vira e mexe a menina sente uma saudade danada da avozinha.
(do livro “54
histórias que minha avó contava na Kombi”)
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