domingo, 19 de abril de 2015

Vicentinho Bonasorte

Vicentinho Bonasorte é um vencedor.
Vicentinho Bonasorte pode ser considerado um exemplo emblemático de como o país é fraternal, maternal, paternal, permissivo, indulgente, tolerante no oferecimento de oportunidades para os que, realmente, têm espírito de luta, fibra, garra, perseverança e almejam de fato vencer na vida, vindo a demonstrar que só não chega lá quem não faz por merecer, e transformando o singelo ditado: a vida é dura só para quem é mole, numa insofismável verdade indiscutível. Nascido no seio de uma anônima família de classe média baixa desde muito pequenininho demonstrou verdadeira vocação para a política, pois sempre foi muito comunicativo (primeira qualidade, quiçá, de qualquer político bem sucedido [aliás, político bem sucedido chega a ser quase que um pleonasmo vicioso; ser político é ser, de uma forma ou de outra, bem sucedido], pois quem não se comunica se trumbica [e político, particularmente, odeia se trumbicar]). Sabia agradar a gregos e a troianos (expressão que deve ser entendida, bem entendido, em sentido conotativo, isto é, de maneira figurada, como um jeito de dizer que o Vicentinho sabia puxar o saco tanto de uns quanto de outros; podendo quando muito ser tomada denotativamente, isto é, literalmente ou ao pé da letra (embora, a rigor letra não tenha pé [pelo menos a maioria delas] ) caso assim se pretendesse referir, em relação apenas aos gregos, uma vez que os troianos são, ao que consta, um povo desaparecido [cogita-se, até, se de fato esses tais troianos chegaram a existir um dia, uma vez que, há indícios, ainda não confirmados, é verdade, de que a tal famosa guerra, envolvendo esse povo e os cupinchas do general (de cinco estrelas) H. Menon, não passou da mais descarada invenção, só mimese, pura ficção, tudo literatura, criada por um ceguinho desocupado que não tinha outra coisa mais interessante que fazer na vida além de ficar inventando lorotas).
Vicentinho Bonasorte, desde muito cedo, aprendeu, espontaneamente, rapidamente, sem nenhum esforço, como um dom natural, a importantíssima arte da perfeita dissimulação, instrumento básico, fundamental, imprescindível, indispensável para obtenção de sucesso em qualquer ramo de atividade que qualquer cidadão (cristãnista, ateísta, agnostista, budista, capitalista, comunista, judaísta, muçulmanista, taoísta trabalhista, socialista, vagabundista e quejandista [nada a ver com fabricante de queijo ou de queijadinha]) se dedique na vida e, particularmente, essencial para o profícuo exercício da honrada profissão de representante do povo; dissimulação que é o resultado da assombrosa capacidade de conciliação de fatos inconciliáveis quais sejam: na mente uma coisa, na fala outra e na ação uma terceira, chave da compreensão do aparente incompreensível (aos profanos olhos leigos do vulgo ignaro) jogo político.
Quando chegou sua hora de estudar, não estudou. Por inúmeras razões, vadiou. Quando chegou sua hora de trabalhar, não trabalhou. Por inúmeras razões, fez política sindical. E daí ingressar num partido político foi um pulinho.
Para dar uma boa guaribada em seu defasado status educacional, fez um Curso Supletivo (por correspondência) com duração de três meses no qual obteve os diplomas de primeiro e segundo graus; foi aprovado com louvor após ser submetido ao exame final que consistiu em escrever o próprio nome (de cabeça, isto é, de cor, sem paradigma pra seguir a não ser uma “colinha” que ele levou só pra não perder a oportunidade de exercitar bons preceitos de caráter), com um mínimo admissível de garranchos. Aprendeu, na prática, a teoria do caixa dois. Para firmar sua formação acadêmica, lançando mão de um curso sabatino (período integral [bem se assinale {mas com frequência livre, se acrescente}] ), bacharelou-se em advocacia (sem maiores preocupações com o exame da Ordem, abroquelado na ideia de que, a princípio, não pretendia exercer, não por direito, mas por vontade própria, a nobre profissão do direito, nem abraçar a magistral carreira da magistratura, visto ambicionar acolitar-se nas lides da causa pública legislativa e executiva) numa dessas Faculdades que abundam por aí, do tipo pagou-passou. E elegeu-se vereador com 56 votos graças à mágica dos quocientes partidários eleitoreiros. Dada sua extremada capacidade comunicativa, dissimulativa e de manuseio prático da teoria do caixa dois, eleger-se deputado estadual foi um passo natural. Período importantíssimo para o desenvolvimento futuro de sua carreira uma vez que pôde dar continuidade ao seu aprendizado da arte de tranquibernar.
Hoje, depois de dois proficientes mandatos sucessivos de deputado federal, é lídimo representante do povo no Senado Federal. Dono de fazendas de café, gado, laranja, soja transgênica, rede hoteleira, prédios comerciais e galpões industriais para locação, avião particular, helicóptero, contas em Paraísos Fiscais, tudo, tudo ganho com o honesto suor do seu ilibado trabalho em prol do bem público (e privado) (vale logo esclarecer, pra evitar maior mal-entendido que a maioria desses bens está em nome de laranjas [não as de uma de suas fazendas; outro tipo de laranja], por uma questão de modéstia [pra não despertar a inveja, a cobiça, o olho gordo de seus adversários {infelizmente, por mais comunicativo que a gente seja, não tem jeito, sempre alguém acaba ficando insatisfeito com alguma coisa que a gente tenha feito ou tenha dito e daí, virar inimigo da gente um fato inevitável, passar a usar mau-olhado, rogar praga, fazer mandinga etc. por causa do sucesso da gente; por isso, o melhor é prevenir e manter uma aparência modesta...}] ) prepara-se para eleger-se governador do Estado, a fim de continuar a emprestar sua prestimosa colaboração à política do país, agora em âmbito executivo estadual (no futuro, quem sabe?, pode chegar até ao âmbito executivo federal, se assim o povo houver por bem decidir escolhê-lo como seu legítimo representante – “sou um humilde ser a serviço do povo”), dando seguimento à sua meritória carreira de luta para o conveniente desenvolvimento da coisa pública e a indispensável consolidação da coisa privada.

(do livro “Contos Medonhos”)

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