sexta-feira, 28 de abril de 2023

Jacobina

trinta anos servia eu à peçonhenta 

em forma de mulher bela e ela 

em nada a mim servia mas só servia a ela 

e dela certamente me livrar eu pretendia 


ansiava pela chegada deste dia  

não suportava mais vê-la todavia 

necessário era ter cautela 

resolver tudo sem fazer estrepolia 


evitar os erros cometidos no passado 

não pensar no desperdício 

de tantos anos mal vividos 

e me aplicar para pôr fim à situação tão impostora 


dar à jararaca a resposta merecida 

ir embora no momento oportuno 

já que antes não fora esperançoso 

ao encontro de uma boa nova vida

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Infância

 todas pareciam tão alegres

todas pareciam tão amigas

depois aprendi eram tão solitárias

como eu aprendi também a ser 


a subida da ladeira do largo da igreja era o calvário

minha tia ia vestida de branco fiel filha de maria

mas o que eu gostava mesmo era de quermesse de largo

achava lindo olhar a roda-gigante mas só olhar... de longe


domingo, 2 de abril de 2023

Hipertensão

solitário sentado à janela semicerrada 

aguço o ouvido e ouço os lobos uivando 

na escuridão permanente da capital do país 


sinto um fluido fervor percorrer as flácidas entranhas 

um sopro mais forte do vento assobia pela frincha da janela 

lembro de meus dons de dançarino na mocidade 

e que preciso controlar mais o sal com a idade avançada 


o orgulho de saciar a gula erguer os copos como se fosse dia de festa 

o gozo intacto só para os privilegiados longe está

tarda ainda a tarde do dia da inalcançável alegria geral 


sozinhos corpos tão franzinos diante de tanta balbúrdia 

que aturde onde sopra o sopro da inocência perdida há tempo 


ouve-se o tic-tac de velhos maquinismos atemporais nas fábricas 

apertando operários parafusos cruzetas falsas promessas 

a tal ponto que me sinto muito confuso diante de tantos aparelhos