domingo, 21 de novembro de 2021

Se um dia

emergisse da tortuosa tarefa imposta por mim a mim mesmo deliberadamente talvez sem compreender bem por que de pretender com voz roufenha cantarolar as inglórias vitórias e derrotas retumbantes que vi vivi sofri impus exultei lastimei inventei supus fui cúmplice voluntário arrastado pela vida afora

falsamente despreocupado com o silêncio mundano diante dela por lhe arrogar valor inerente por definição soberba autoestima vanglória ridícula convencido da ignara alheia incompreensão vacilante frente a algum aplauso ocasional buscando consolo em chã  filosofia  fugaz é o estrépito dos fogos de artifício flébil o alarido saído das vielas da vaidade frouxas ideias disponíveis ao rompimento pronto para entrar no mercado de ilusões

e gritasse sem hesitação com toda a força dos pulmões a cara transbordante de raiva lavada pelo choro da amargura basta não faço mais nada disto chega de tanta inutilidade desisto não vou mais esbanjar meu tempo ele é curto precioso aqui e alhures agora e depois vou atrás de novas distrações continuar às moscas mas decididamente consciente na medida do possível essa atitude a ninguém comoveria nem deveria afinal de contas as pessoas de bem têm contas mais importantes para dar conta e as de mal têm de cuidar dos seus bens em lugar de atentar pras lamúrias de um desocupado

destarte continuo imergido nas ruínas de meus castelos de areia adornados com jardins de escória onde floresce na primavera a doce melancolia e no rigor invernoso a amargosa alegria o olhar cada vez mais enevoado o pensamento cada vez mais embotado nos gestos lentidão beirando o insuportável na curvatura da espinha bem pra lá de madura o desenho de um contorno inconfundível suporte da vestimenta da morte derradeiro presente da vida solitário vou moldando o vazio com nada a espera do dia em que tudo isto afinal definitivamente acabe


Nenhum comentário:

Postar um comentário