domingo, 28 de julho de 2019

Embuste

contemplo na tela embevecido pela graça
o corpo que se movimenta ondulante
com elegância roubando a cena a todo instante
da mulher esplendorosa quiçá obra divina sem jaça
capaz de aliar ao perfil delgado aparência de força
me induzindo a pensar que talvez tenha sido feito
para o sonho impossível de um inacessível leito

a presença constante do voluptuoso ambiente
propicia a criação de condição de pleno êxtase
tão almejado para gozo do langor consequente
fato que hoje não enrubesce mais nenhuma face
afinal é traço marcante característico do sexo
mesmo quando envolvido em paixão sublime
que o faça dotado de vigor maior que o da carne
aliando ao encanto carnal excitante valor moral
na doce convivência de beleza física e espiritual

mas o olhar ao vivo e de perto encontra vil surpresa
a divina figura portadora de prometida ventura
vira um monstro medonho merecedor de desprezo

a singeleza da imagem é uma deslavada impostura
condizente com vida em que prospera a falsidade
e ferozmente é disputada a perniciosa vanglória
e traição o que se deve esperar como atitude sincera
a mentirosa máscara pretende deixar escondida a marca
do tempo implacável sobre o corpo da pobre criatura
de pele tão esticada pela plástica que o peito bate na cara
e o mito da juventude eterna induz a inevitável riso
só impedido por compaixão à pessoa tão desprovida de siso

incompleta se olhando no espelho não há como não se sentir patética
por querer colocar o mundo a seus pés pela força de ruinosa estética
o dano provocado por fora acompanha o mal que lhe rói as entranhas

insensato daquele que se deixa iludir pelo culto de uma imagem falsa
mais dia menos dia irá deplorar pelas consequências do engano nefasto
não é nada fácil aceitar o desgaste atroz inevitável do corpo da gente
porém não há como manter o ontem agora e pra sempre

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