domingo, 10 de abril de 2016

FALAR É FÁCIL

       Vamos imaginar que haja um estoque infinito de verdades disponíveis à apropriação de nossa imaginação. Quando eu me aproprio de uma dessas verdades ela se torna uma crença para mim. Eu tenho meu conjunto de crenças. Você tem o seu. Algumas dessas crenças temos em comum, outras não. Temos em comum também o saldo de verdades que ainda não se transformaram em crença para ninguém. 
Ao longo do tempo, nossas crenças podem se alterar. E normalmente se alteram. 
As crenças que temos em comum nos congregam. 
Não nos tornam iguais. Promovem nossa fraternidade.
Diminuem nossas diferenças. 
As crenças que não temos em comum acentuam nossas diferenças.
Liberdade é conviver com as diferenças. 
O saldo de verdades que ainda não se transformaram em crença irá contribuir para aumentar ou diminuir nossas diferenças. Depende de como nos apropriemos dele.    
        Há talvez duas maneiras básicas de diminuirmos nossas diferenças.
Uma seria por meio do diálogo. Da interlocução. Com o uso da Retórica. Mais simples. Mais elaborada. Mas sempre Retórica. A arte de persuadir pelo discurso. Persuasão encontro da argumentação com a oratória, razão dominando a emoção, emoção querendo sobrepujar a razão. O objetivo é levar o interlocutor a crer na crença (sincera ou falsa) do locutor.   
Outra seria por meio da força física. Da agressão corporal. Com o uso da Violência Física. Mais fraca. Mais forte. Mas sempre Violência Física. A técnica de “persuadir” pela porrada. Porrada com pé, pau, pedra, bala, bomba, míssil. O objetivo é obrigar o oprimido a aceitar a crença do opressor.
Essa segunda maneira deixa claro seu desejo de domínio, domínio que o opositor quase sempre procura justificar como necessário apesar dos males que sempre provoca. A vontade de dominar é explícita.
Na primeira maneira, o desejo de domínio vem camuflado pela linguagem que pode ser verbal, visual, auditiva, olfativa, tátil. O domínio a ser conquistado vem disfarçado em oferta de ocasião a ser aproveitada. A vontade de dominar está implícita. 
        E é aí que mora o perigo! 
Se os envolvidos estivessem imbuídos das melhores intenções. Se o diálogo fosse franco, aberto, sincero, sem segundas intenções etc.. Enfim, essas coisas simples, puras, ingênuas que tornariam o viver melhor ou menos pior se prevalecessem em nossas condutas. E o posicionamento final fruto de uma decisão consensual cristalina límpida. Não haveria perigo. 
Mas infelizmente não é assim que acontece. O que acontece é justamente o contrário. Engodo. Ludibrio. Vantagens escusas. 
        E é por isso que temos que ficar espertos para não sermos enganados. E nossa esperteza acaba alimentando o círculo vicioso de esperteza que continua a girar sua roda viva. Os mais espertos que nós, diante de nossa esperteza, armam-se melhor e tornam-se mais espertos. 
         A busca de domínio implícito pode causar males tão ruins ou até piores que o explícito, baseado na violência física. O domínio implícito pode causar males psicológicos irreparáveis que afetam nosso organismo, individual e social. E tudo dentro da lei, da ordem e do progresso. Basta que haja desequilíbrio nas condições de persuasão. E praticamente sempre há. Desequilíbrio econômico. Financeiro. Social. Cultural. Educacional.
     Para ilustrar vamos imaginar a seguinte situação: um presidente de um paiseco inexpressivo no cenário das nações eleito democraticamente defende certas ideias que beneficiam a esmagadora maioria da população de seu país. Essas ideias contrariam os interesses de uma minoria plutocrática de um paisão bem expressivo e seu presidente, também eleito democraticamente, decide assumir, por interesses políticos, a defesa da minoria compatriota em detrimento da maioria estrangeira. Os dois presidentes vão defender suas posições discursando perante uma assembleia, da qual seus países são membros, organização que se diz representar o consenso de interesses de seus afiliados. Será que daria pra conjeturar qual dos dois filhos a tal organização vai preferir preterir? 
        Ou então: um modesto fabricante fabrica um determinado produto com excelente qualidade, mas seus recursos financeiros só permitem que ele faça propaganda num jornaleco semanal de bairro. O mesmo produto, porém com qualidade bem inferior, é fabricado por uma megaindustria que anuncia insistentemente o produto no horário nobre da televisão. Por hipótese, os dois produtos têm mais ou menos o mesmo preço. Será que daria pra conjeturar qual dos produtos vai vender mais?
       Todo este blá-blá-blá, por ter sido escrito por mim, fadado ao ostracismo está o seu fim. Se tivesse sido escrito pelo Walter Benjamin já teria ganhado um montão de prêmio assim!

(em "Crônicas Anacrônicas - Grotesca Filosofia Mediocridade Sublime" (inédito))

Nenhum comentário:

Postar um comentário