A Raposa caminhava por um caminho
que costeava a encosta de um morro, ainda inacessível, na época em que
aconteceu este acontecimento, ao tráfego de diligência, embora houvesse forte
tráfico de influência dos poderosos locais junto às autoridades constitucionalmente
constituídas para mudar essa situação e transformar (o caminho) em rota
comercial passível de possível exploração comercial, transformado (o morro), graças
à diligência de laboriosas mãos de inúmeros trabalhadores braçais obrigados a
trabalhar praticamente de graça, sem achar a mínima graça e jamais ouvir sequer
um simples obrigado do prepotente patrão, serviçais que eram, do proprietário
da terra, num magnífico parreiral de uvas cabernet
sauvignon.
O dia estava nublado, mas para a
Raposa era como se estivesse um ensolarado dia radiante com os raios solares
refletindo em cada grãozinho de areia do caminho. A Raposa era uma otimista.
Olhava tudo pelo lado bom. Encarava tudo pelo lado positivo das coisas. Era uma
assídua leitora de livros de auto-ajuda. Não por precisão, mas por convicção.
Vivia feliz. Muito feliz. Mas, especialmente, naquela tarde, aliás, não só
naquela, mas em todas as demais tardes, não só tardes, mas manhãs e noites
também, que lhe pareciam todas esplendorosas, vinha satisfeita com a vida, não
só com a vida, mas também com o estômago, e em paz com sua consciência
raposável. Acabara de comer (literalmente) várias galinhas de um galinheiro nas
cercanias pulando a cerca. Fartara-se sem sentir qualquer falta moral, pois,
aprendera com seus pais, que por sua vez também tinham aprendido com seus pais
(deles) etc., que as galinhas foram feitas por Deus para serem comidas,
particularmente, pelas raposas e ela, apenas dava continuidade a tal privilégio
histórico, mantendo assim uma espécie de tradição da sua espécie. Assobiava
alegremente uma ária de Verdi quando, de repente, pôs tento em alguns cachos de
uva do parreiral e pensou de si para si:
— Oh! Como a mãe-natureza é
maravilhosa. Vejam – pensou esse verbo nos seus respectivos: modo, tempo,
número e pessoa, com um sentido genérico, indefinido, sem se dirigir
[mentalmente] a ninguém especificamente – que belas uvas. Estão maduras (enquanto
ela assim pensava, continuava assobiar a ária de Verdi). Uma sobremesazinha até
que vai cair bem agora, depois de tanta galinha. E uva, dizem, é digestivo. Vou
aproveitar a oportunidade e provar alguns cachos.
Porém, o otimismo da Raposa,
talvez, perturbasse psicologicamente de alguma forma ainda desconhecida seu
raciocínio e daí turvasse sua visão, pois as uvas não estavam de forma alguma
maduras, as uvas estavam verdes. E bem verdes. Vendo uma escada deixada ali à
beira do caminho, sempre movida pelo seu inseparável espírito otimista, exclamou
(dela para ela mesma, uma vez que estava sozinha):
— Louvada seja a boa alma que
providencialmente deixou esta escada aqui à beira do caminho, certamente, para
facilitar minha vida permitindo, assim, que eu apanhe as uvas sem necessidade
de ter que dar aqueles pulos ridículos para tentar, inutilmente, apanhá-las,
conforme sucedeu com minha ancestral protagonista de outra versão bem mais antiga
desta fábula.
Puxou a escada para junto de um
dos pés de uva; subiu; colheu alguns cachos; desceu; e passou a desfrutar da
fruta fruto de sua colheita. Enquanto mastigava os bagos colhidos franzia a
testa, fechava os olhos, de onde escorriam grossas lágrimas, cerrava os lábios,
crispava a face e, em face daquela situação, pensava:
— Ah! Como estão deliciosas —
motivada por seu permanente otimismo, sem levar em conta o sabor acerbo da
fruta verde.
Degustado o acepipe, sob o ponto
de vista otimista dela, é claro, recolocou a escada no lugar à beira do
caminho, pois além de otimista era uma raposa ordeira, e retomou seu caminho.
Mal deu alguns poucos passos, uma cólica fenomenal transpassou-lhe as tripas
fulminando-a. Virou almoço de urubu.
(do livro “Contos Medonhos”)
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