vou embora agora
deste mar de rosa
cravado de espinho
aqui a terra é prometida
só falta ser melhor repartida
terra de todo mundo
ao dar o fora vou sentir saudade
talvez volte num ano que vem
adeus terra querida terra de ninguém
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vou embora agora
deste mar de rosa
cravado de espinho
aqui a terra é prometida
só falta ser melhor repartida
terra de todo mundo
ao dar o fora vou sentir saudade
talvez volte num ano que vem
adeus terra querida terra de ninguém
De tanga, um dia desses, chupava eu uma manga
sentado folgado debaixo da sombra dum pé d’alho.
Veio um veado com bruta chifre cheio de galho e
espetou minha bunda. Deixou ela com dor profunda.
Eu peguei e virei pro veado e disse assim:
— O veado de merda vai espetá outro palerma.
O veado com cara invocada olhou pra mim e falou:
— Só se fô desse tipo igual o seu.
E eu:
— O seu atoa qual tau tipo meu já sabê quero eu
O galhado na lata
— Não nego meu nego tipu zero
por mais que se evite se acaba obrigado
a engolir um sapo depois outro e outro
e o bicho ali dentro remói a paciência
deixa na língua um gosto amargo de fel
nem se compara é muito pior o safado
que sarro em boca amanhecida de cigarro
tem hora que a gente quer gritar basta
apela até pra conceitos de neoescolástica
procura inventar uma crise diferente
que deixasse mais sereno o ambiente
cede às artimanhas do amor no desespero
porém não tem jeito o danado não some
acostumei com meu destino de roer osso
atolado em dívidas acima do pescoço
se tivesse florescido numa família distinta
qual o que isso é espécie há muito extinta
continuarei a curtir minhas horas áridas
não me resta mais nada não tenho guarida
estou enjoado de estudar mitologia
quero partir pra coisas mais arejadas
deixar o estigma de desvendar enigmas
as ideias sempre povoadas de monstros
quero coisas mais simples pra pensar
deitar de noite na cama sem precisar
de luz acessa pra poder dormir
não vou persistir no erro crasso
de viver deste modo aéreo arre
insistindo acreditar em milagre
a partir de agora vou ficar na flauta
deixar o tempo rolar eis minha pauta
empregado permanentemente na caixa
não saio mais dessa só salário na faixa
Fernando Pessoa, segundo dizem, disse,
por meio do Alberto Caieiro,
que a realidade não existe, mas apenas sensações.
Beleza!
Daí fiquei em dúvida:
Se e a gente leva um soco no nariz,
que vira uma batata de tão inchado,
sangrando pelas narinas,
é apenas sensação ou se pode chamar de realidade?
sem nenhum motivo te pões a chorar
previno-te que começo a me cansar
foi o tempo disso me fazer abrasar
a idade o fogo só faz abrandar
devias achar outra conduta a te guiar
porque saturado me posso tornar
bom seria se pudesses me escutar
senão serei obrigado a te deixar
se agora caminhamos por vales
tivemos a fase de pico no amor
não movem moinhos as passadas águas
não devemos ter olhos apenas pros males
senão se acentua a inevitável dor
mas insistes no chafurdar em mágoas
no fugaz fluir do tempo
em cada seu precioso instante
pretender encontrar motivo para fruir a vida.
Em qualquer direção,
em qualquer negócio,
em qualquer reviravolta de eventos,
com equilíbrio e harmonia
com esforço ou obra do acaso.
Porque tão exata quanto a missão da luz é revelar a treva
o fim é inevitável
e o restante se dissolve de alguma forma no próprio resto
e desaparece sem deixar rasto.
Atmosfera da Terra
filtro protetor do planeta
fonte de oxigênio e de nuvem
sem ela a vida vai pro beleléu
Ser humano
detentor da Razão e senhor supremo da Terra
envenenou o supracitado filtro
continua envenenando e está destruindo a vida
pescoço pode ser fino pode ser grosso
de gente importante ou indecente
a anatomia ensina ele vem com osso
língua e pinto, porém nem tanto
língua ainda bem se alguém desse com a língua nos dentes
dantes com osso ia machucar muito mais
agora pinto poderia até ajudar
pelo menos digamos assim tipo um metatarso
dependendo das circunstâncias evitaria certo embaraço
o que vocês acham?
enquanto pensam vou circular
tchau um abraço!
me considero um sujeito manso
entre sorrisos não me canso de pensar (com esforço)
“ainda venço esse peso”
além disso, acho que nasci para dançar
porque desde cedo entrei na dança
ainda no berço
minha mãe contava, eu dançava e sorria
agitava as perninhas como uma dança dando risada, talvez querendo chamar a atenção para lembrar que a mamada estava atrasada
na adolescência
quando meu pai tossia, por causa do catarro do cigarro que precocemente o levou para o túmulo e se exaltava pelo efeito do álcool
eu, para relaxar a tensão, sorrindo dançava
quando minha mãe se punha a soluçar, por causa da sua eterna infelicidade
eu, para tentar alegrá-la, dançando sorria
mais tarde
se me provocavam, sorria e ensaiava uns passos de dança
nem que fosse a dança de rato
e por isso digo que sou um sujeito manso
predestinado sorridente dançarino pesado
pra não arriar eu danço pra não chorar eu rio
e assim procuro aliviar minha sobrecarga
embora diferentes somos iguais num ponto
nosso fim comum é virar pó um dia
essas palavras pedestres representam situação que creio só podemos inferir por analogia porque na hora desse nosso ver para crer sob o ponto de vista terrestre nosso eu não estará ali pra conferir
eu por exemplo quando estiver presente nesse fim de festa mundano caso ainda tiver consciência de mim talvez assim pensasse:
— ah quisera ter dado e recebido mais beijos desviado os olhos do meu umbigo agido às claras sem a camuflagem da meia-luz trocado o áspero pelo suave empregado discurso aberto e franco em vez de murmúrios cheios de subterfúgios sentido piedade em lugar de crueldade pretendido tesouros mais puros em vez do dinheiro até o total esfacelo e principalmente amado o próximo como a mim mesmo
e provavelmente ainda concluiria:
— pena isso não ter acontecido mas agora é tarde nada mais pode ser feito
constrito em meu canto desfio meu canto
suas idas e vindas suas voltas em ritmo frouxo
melodia abafadiça desarmonia
meu devaneio
se me fosse dado sabê-lo sintonizado
nem que fosse a ouvidos moucos
meu balbucio rouco
clamor de velho criança parado no era uma vez
perdido na melancolia de sonhos desfeitos num sopro
vã esperança de confundir poesia com vida
tentativa para um viver melhor
dono somente de letras gastas quais velhas putas
que se dão a qualquer um a qualquer preço
para formar fatigadas frases roubadas do baú da literatura
lamentosa voz obscura que quer clamar amor
e sucumbe sem estrondo à porfia da realidade
e se sente carente de sentido
dilatando os limites desta densa sombra escura
que insiste em me envolver
há muito de uma paixão ausente vivia eu meus dias concertados
quase esquecido dos magoados pensava sem amor melhor se sente
você surgiu então tão docemente trazendo os seus modos delicados
depressa nos tornamos enamorados entre nós nasceu muito bem assente
relacionamento de afeto honesto frutificado em fidelidade rigorosa
comunhão cada um com sua parte a partir de um olhar simples gesto
promovedor da façanha milagrosa transformar nossas vidas em arte
este sarro que sai na boca de manhã
fruto do que no estômago acontece
durante a noite quando o corpo esquece
de se arrastar por aí e cai numa cama vã
é o que de mais interessante
consegue produzir este plebeu
que já teve sonhos nobres eu
sim mísero a seguir adiante
sem sequer de si sentir pena
nem daquelas que cruza com elas
melhor desejo seu ter morte serena
assim de mais um vivente posta está
a vida vazia de tantas coisas belas
e boas que incríveis pelo mundo há
tendo pouco a escolher
entre dias tão rançosos
só cumprir tedioso dever
querendo ficar na cama
na luz do amanhecer
ser tomado de covardia
na ânsia de mais não-ser
arreda sinistro desejo
tal não pode acontecer
onde está esta cabeça
não é modo de dizer
põe de lado esta ideia
não deixes a vida saber
mergulha em tua lida
é o que deves fazer
bom seria se ao bem não houvesse tardança
porém com verdadeiro sentimento
se viveria em um real contentamento
privilégio que tão só um ou outro alcança
se gozaria da plena segurança
de não receber nem causar tormento
nem que fosse por mero esquecimento
pois estaria o bem sempre na lembrança
talvez gostemos que outros se entristeçam
ou com nossa dor eles se contentem
e daí do bem todos logo se esqueçam
pouco se importando que se atormentem
e o nome de desumanos não desmereçam
posto que desamor é o que mais sentem
porém fraca é a dor repartida com a dor alheia
acostumei com meu destino de roer osso
atolado em dívidas acima do pescoço
se tivesse florescido numa família distinta
qual o que isso é espécie há muito extinta
continuarei a curtir minhas horas áridas
não me resta mais nada não tenho guarida
estou enjoado de estudar mitologia
quero partir pra coisas mais arejadas
deixar o estigma de desvendar enigmas
as ideias sempre povoadas de monstros
quero coisas mais simples pra pensar
deitar de noite na cama sem precisar
de luz acessa pra poder dormir
não vou persistir no erro crasso
de viver deste modo aéreo arre
insistindo acreditar em milagre
a partir de agora vou ficar na flauta
deixar o tempo rolar eis minha pauta
empregado permanentemente na caixa
não saio mais dessa só salário na faixa
o poema que pousa diante dos olhos
é um pássaro vindo de alhures
talvez trazendo no bico um augúrio
ou alguma espécie de outro alimento
se ignorado ele alça voo como se ali fosse um galho ao relento
vai à procura de outro pouso ver se tem um instante de atenção
e pode ter sido perdido o encanto da ocasião de mergulhar no espanto
de saber que o alimento que ele oferecia
talvez amenizasse um pouco uma agonia
talvez desse algum alento a uma estreita alegria
ou por mero acaso então,
o gesto de ignorá-lo evitou que se ingerisse algo indigesto
por que não?
nudez sem vergonha agora
sob o lençol de algodão barato
indiferente às manchas de sangue tingindo o tecido
mais tarde cheira mal com traje social
em lugar restrito nem janela nem porta
desnecessária a presença do sol
depois um montículo seco
razoável acúmulo de pó
e outros detritos por cima
em linhas gerais
o destino da defunta nudez
antes viva cheia de altivez
o pesadelo da poluição oprime a terra cinzenta
cada vez mais e mais a cada instante que passa
tudo sucumbe à força bruta e voraz do mercado
que embaça nossas cabeças escraviza nossas vontades
lobos em pele de vison afetam inocência e brandura
protegidos de seus pecados sob densa cortina de grana
e o sol segue seu curso no céu convertendo hidrogênio em hélio
indiferente a santos e pecadores se o mundo está virando bagaço
Ayana é nome dela
Que quer dizer bela flor
Cinco anos é sua idade
Ela vive cercada de amor
De manhã vai cedo pra escola
Levando a mochila com roda
Aprende coisas interessantes
E atende o que a professora pede
Também se diverte bastante
Tem muitas amigas e amigos
Que gostam de brincar com ela
Porque está sempre alegre
De tardinha quando volta pra casa
Sempre chega cansada
E quer ir logo pra cama
A mamãe cuida bem dela
E ela ama a mamãe um montão assim
ela: você vai?
ele: não!
ela: por quê?
ele: tipo... não tô afim
ela: ah! então tá, eu vô
ele: legal! aproveita
ela: beleza! vê se se cuida
ele: valeu! a gente se vê
ela: tchau! beijo
ele: tchau! beijo
em microscópica intimidade átomos se juntam
para emergir em complexa macroscopicidade
como matéria o universo observável e tangível
na gigantesca imensidão do universo se acha
perdido um minúsculo agregado dessa matéria
multifacetada num corpo denominado de Terra
planeta onde proliferou o fenômeno dito vida
vida vegetal as plantas árvores matas matos
e vida animal os bichos aves vírus vários e
humanos nos quais evoluiu estupidamente um órgão
denominado cérebro detentor de estúpida inteligência
de posse do poder dessa inteligência estúpida
os humanos se proclamaram senhores do mundo
com direito a destruir a vida vegetal outros bichos e a si próprios
tudo com o uso dessa sua estúpida inteligência!
pode parecer um exagero tanto desejo de aprender para poder sentir orgulho de desvendar até a origem
normal é pretender possuir coisas bem mais palpáveis o que alimenta o mercado nossos corpos pelos olhos
quaisquer os lados idos desde antes do começo e mesmo depois do fim existir é igual consumir
permanente juventude agora a relevante atitude pior inferno não pode haver que não ter gana de vencer
segue o minúsculo mundo na solitária cósmica obscuridade suporta a procura de identidade a mesquinha espécie que labora
alguns se mostram aprumados outros têm aparência de fortes certos fatos continuam mistério outros porém nem tanto é claro
já ficou mais do que provado que humano é um ser de troca sendo apenas para confundir quando tal aptidão não aparenta
evidente possuir atributos vários um punhado bons no geral ruins quanto ao resto nada mais tenho a dizer por ora estou satisfeito da vida adeus
por que querer perpetuar o cerne
do ser acima da podridão da carne
conforma de vez com o passar ligeiro
vive alheio entorpecido por inteiro
pesados dias passados fiquem sem forra
engole grato rango ralo à base de borra
à noite sono com açoite de dia vem a dívida
o certo acerto de contas sem deixar dúvida
engano pretender felicidade à força
melhor solitário em lugar de otário
todavia gozo maior não há que gozar junto
porém essência perene ausência de bom assunto
triunfo mundano passageiro trunfo
ficção de valor vale menos que arroto
enquanto o tempo escorre pro esgoto
destino o dia de corpo duro e carne fria
embora preferível mau hálito que sem hálito
e sentir medo serve pra exercitar os pelos
mesmo no fausto uma hora se fica exausto
aí se cai no abandono entrega pra novo dono
doravante vou procurar deixar de lado
o que os crédulos chamam de pessimismo
sairei da fossa e farei as pazes com o mundo
digo isso com bom esforço de boa vontade
doravante passarei a considerar que
o ser humano é por natureza uma criatura de paz
ocorrem guerras permanentes ao longo dos séculos
pela necessidade de manutenção da paz
doravante passarei a considerar que
o ser humano é por natureza uma criatura fraterna
ocorre a exploração de um semelhante pelo outro porque
fraternidade não pode ser confundida com igualdade
doravante passarei a considerar que
o ser humano é por natureza uma criatura criativa
ocorre a destruição da natureza pela criatividade porque
o ser humano quer o ser humano robotizado
tudo foi esquecido
nada ficou retido
a pobreza e o poder
o vazio e o vivido
a sombra e o suor
a solicitude e a solidão
nem sequer vestígio
Deus protege meus semelhantes de minha bondade
porque com Teu poder de onisciência
bem sabes ela tem sempre segundas intenções
Deus protege meus semelhantes de minha maldade
com Teu poder de onipresença onde eles estiverem
porque bem sabes o mal que lhes posso fazer
Deus, com Tua infinita bondade,
protege de mim este Teu semelhante
mortal semelhante a meus semelhantes
porque bem sabes da nossa perversidade
antes tantos exercícios de caligrafia
para escrever tantas linhas tortas
e deixar tantos rastros de desencontros
e sem ter aonde ir chegar a lugar nenhum
mas eis que tão somente de repente
porque num pisco d’olhos tudo pode mudar
ponto particular dum piso pedroso de morais candentes
um ponto de exclamação em despretensiosa interrogação:
“Shall we dance?”
e daí
Fiat lux!
depois tanto bem partilhado
em harmonioso conjuminar
valiosa dádiva da vida
a riqueza de um amor eterno
até quando o eterno durar
vivia minha vida sossegado
medíocre porém mansamente
até ser lançado a seu lado
você veio feito uma torrente
tudo que tocava estremecia
arrasava o que tinha na frente
tipo de gente assim bravia
transforma o florido em deserto
de feliz passei a pessoa que sofria
querendo distância estando perto
se necessário comeria cascalho
me abrigaria a céu descoberto
enfrentaria inverno sem agasalho
pra voltar a meu sossego antigo
ainda que na fronte o frio orvalho
mas longe desta forma de perigo
ter no peito renovadas esperanças
e até encarar outro tipo de inimigo
é preciso força pra promover mudanças
buscar energia em diversas fontes
não sucumbir ao peso das lembranças
deixar o vale fundo escalar os montes
ser ousado ir à procura de nova vida
desejar a amplitude de novos horizontes
tendo presente a natureza do real tesouro
não as vaidades mundanas enganosas
poeira que cobre falsos passageiros louros
ter olhos pra ver a beleza das rosas
qualquer que seja o dia
mesmo nas horas espinhosas
dessa maneira meu cérebro rugia
enquanto o corpo esquartejado
chafurdava numa viscosa agonia
ânsia de corrigir os erros do passado
pra não ver a vida inteira em ruínas
ter meu tempo todo em vão evaporado
na hora você não teve escrúpulo para pensar no mal que me fazia
agora chora
vem com esta fala mansa
que morre de amor por mim
que não conhece ninguém como eu
que necessita de meu ombro amigo
basta
essa conversa já passa do limite
minha mágoa é profunda
minha decepção irreversível
minhas melhores inimigas, inimigos, inimigues etc.
seriam incapazes
talvez
de tal atitude
de tamanha ingratidão
sua crueldade revelou
seu verdadeiro caráter
seu mau caratismo
de repente
bem em minha frente
me reaparece aquela figura fantasmal
vindo do fundo da catacumba infernal
e começa a cuspir na minha cara velha arenga malhada
que eu pensava estivesse livre dela junto com a de cuja
covarde, cagão,
traste, imprestável,
estrupício, inútil
pulha, isso mesmo, um pulha
eu, num primeiro momento,
fiquei paralisado diante do espectro aterrorizante
depois, pouco a pouco fui recuperando o parco domínio
que, até em sã consciência, mantenho sobre mim
e reagi de mim para mim
Você tem razão, sou um pulha sim,
mas minha pilha está chegando ao fim
e para o bem geral não sou do tipo recarregável
e Você o que foi a vida toda?
saúdo a todos vocês com grande estima e agradeço comovido por esta recepção tão carinhosa nem imaginam como me fazem feliz afinal esta é a minha querida terra a gente foge gira por todos os cantos em busca de um novo espaço outros horizontes e eu também girei e embora tenha retornado ainda giro como todo mundo gira solidários ao mundo que gira na solidão infinda do universo perdido a procura de um destino oco não há homem nem mulher que não tenha girado um dia podem contestar se quiserem mas é assim que eu penso por mais profundas sejam as raízes no íntimo somos eternamente nômades estamos aqui de passagem
por mesquinhez não dás o que quero
negas alegando que não te fui sincero
pacientemente espero passar o tempo
quem sabe depois decidas jogar limpo
este comportamento sempre tão avaro
é a razão de tua vida assim infausta
absurda talvez encontres momento raro
de vir a mim em busca de perdão exausta
na falta de coisa pior a fazer me encolho em mim mesmo
recolho meus pedaços de lagarto largado ao léu mutilado e colo com goma arábica
a cada passo dado em descompasso com o mundo mais e mais pulverizado
sem perceber dispo minha vergonha
máscara da minha falta de caráter e busco ser aprendiz de qualquer coisa
penso num incerto ofício que não seja difícil mas não é nada fácil
soldado guarda-costas frente a frente com o trabalho músico maestro carregador de piano entregador de pizza artista de circo bispo faquir peregrino
mas não tenho mais idade pra nada disso
e na verdade eu nasci mesmo foi pra ser desocupado
e já estou aposentado
mandatário o mercado
sob a tutela do capital
grande valor tem o mal
quem ficar fora tá ferrado
rodam as estações no tempo inexorável
rola pela inóspita encosta da ética
ribanceira abaixo a moralidade
ronda o pressentimento que deve piorar
murcha mais uma árida primavera
passa a gotejar o suor
sob o sol escaldante
de outro verão sufocante
cobertos de pedras pontudas os caminhos
orlados por espessa erva daninha
conduzem a profundo precipício
vastidão do tripúdio ao estropício
surpreendida a alma por gélido sopro
arfa um instante depois imóvel se cala
braço invisível na voragem põe o corpo
matéria perecível do sentir não sabe a fala
mesmo quem quer se soltar da terrível teia
tendida sobre a cabeça se esgarça vacilante
entre recusar ou assentir em ceder a veia
para vampiros sugar o sangue pulsante
chegam aos confins do mundo
os ares mais insalubres
todo recanto tem um canto imundo
a situação é cada vez mais lúgubre
pela fresta do ralo da pia
furtivamente circulam baratas ao léu
indiferentes à lua cheia
brilhando alta no céu
no chega pra lá alegres ainda que breve
todos caminhamos certeiro pro beleléu
como se fora antes hora de festa
até o raiar do dia rindo à beça
estas rosas são inúteis para uma mulher perspicaz e íntegra como ela
mulheres assim apreciam flores sim porém quando vêm de amores perfeitos
e você meu caro só porque tem carro caro mas é pobre de espírito
pensa apenas em prazeres rasteiros egoístas irracionais
mesmo se mandasse um rosal mesmo se mandasse um jardim seria inútil
uma pena não digo isso por mim digo por você
porque aqueles lábios carnudos vermelhos sempre úmidos sensuais
jamais seriam mordidos por bocas como a sua
eles anseiam outras volúpias fora do alcance deste seu mundo mesquinho
serei eu que sou assim um miserável
é o que vivo a indagar a meus fechos ecleres
por que trazer à tona o que envenena
insistindo em mostrar coisas infernais
pondo o dedo na ferida que gangrena
esquecendo de sentimentos fraternais
alguém dirá que isso tem nome
ele é um pobre infeliz deserdado
ingrato cospe no prato que come
ao menor elogio fica logo afogueado
o que falta aí é um pouco de aragem
cultivar um tema ameno que inebria
falar de amor fazer favor ou uma viagem
gostei da ideia
embarco nessa
boa à beça
eu e a medeia
simbora pra miami
eu no vácuo de um tornado
medeia surfando um tsunami