domingo, 24 de novembro de 2024

Terra querida

vou embora agora 

deste mar de rosa

cravado de espinho


aqui a terra é prometida 

só falta ser melhor repartida

terra de todo mundo


ao dar o fora vou sentir saudade 

talvez volte num ano que vem

adeus terra querida terra de ninguém 



segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Tangolomango

De tanga, um dia desses,  chupava eu uma manga 

sentado folgado debaixo da sombra dum pé d’alho.


Veio um veado com bruta chifre cheio de galho e 

espetou minha bunda. Deixou ela com dor profunda.


Eu peguei e virei pro veado e disse assim: 

— O veado de merda vai espetá outro palerma.


O veado com cara invocada olhou pra mim e falou:

— Só se fô desse tipo igual o seu.


E eu:

— O seu atoa qual tau tipo meu já sabê quero eu  


O galhado na lata 

— Não nego meu nego tipu zero

domingo, 10 de novembro de 2024

Sopa de sapo

por mais que se evite se acaba obrigado

a engolir um sapo depois outro e outro

e o bicho ali dentro remói a paciência

deixa na língua um gosto amargo de fel

nem se compara é muito pior o safado

que sarro em boca amanhecida de cigarro

tem hora que a gente quer gritar basta

apela até pra conceitos de neoescolástica

procura inventar uma crise diferente

que deixasse mais sereno o ambiente

cede às artimanhas do amor no desespero

porém não tem jeito o danado não some 

domingo, 3 de novembro de 2024

Sonho meu

acostumei com meu destino de roer osso

atolado em dívidas acima do pescoço

se tivesse florescido numa família distinta

qual o que isso é espécie há muito extinta


continuarei a curtir minhas horas áridas

não me resta mais nada não tenho guarida

estou enjoado de estudar mitologia


quero partir pra coisas mais arejadas

deixar o estigma de desvendar enigmas

as ideias sempre povoadas de monstros


quero coisas mais simples pra pensar

deitar de noite na cama sem precisar

de luz acessa pra poder dormir


não vou persistir no erro crasso

de viver deste modo aéreo arre

insistindo acreditar em milagre


a partir de agora vou ficar na flauta

deixar o tempo rolar eis minha pauta

empregado permanentemente na caixa

não saio mais dessa só salário na faixa 

domingo, 20 de outubro de 2024

Dúvida real

Fernando Pessoa, segundo dizem, disse, 

por meio do Alberto Caieiro, 

que a realidade não existe, mas apenas sensações. 

Beleza!

Daí fiquei em dúvida:

Se e a gente leva um soco no nariz, 

que vira uma batata de tão inchado,

sangrando pelas narinas,

é apenas sensação ou se pode chamar de realidade?

domingo, 6 de outubro de 2024

Soneto clichê (fora de moda)

sem nenhum motivo te pões a chorar

previno-te que começo a me cansar

foi o tempo disso me fazer abrasar

a idade o fogo só faz abrandar

devias achar outra conduta a te guiar

porque saturado me posso tornar

bom seria se pudesses me escutar

senão serei obrigado a te deixar

se agora caminhamos por vales

tivemos a fase de pico no amor

não movem moinhos as passadas águas

não devemos ter olhos apenas pros males

senão se acentua a inevitável dor

mas insistes no chafurdar em mágoas


domingo, 29 de setembro de 2024

É preciso

no fugaz fluir do tempo

em cada seu precioso instante

pretender encontrar motivo para fruir a vida.


Em qualquer direção,

 em qualquer negócio, 

em qualquer reviravolta de eventos, 

com equilíbrio e harmonia

com esforço ou obra do acaso.


Porque tão exata quanto a missão da luz é revelar a treva

o fim é inevitável 

e o restante se dissolve de alguma forma no próprio resto 

e desaparece sem deixar rasto.    

domingo, 15 de setembro de 2024

Bye bye ar pra respirar

 Atmosfera da Terra 

filtro protetor do planeta 

fonte de oxigênio e de nuvem

sem ela a vida vai pro beleléu   


Ser humano 

detentor da Razão e senhor supremo da Terra

envenenou o supracitado filtro 

continua envenenando e está destruindo a vida

domingo, 8 de setembro de 2024

Socorro providencial

pescoço pode ser fino pode ser grosso 

de gente importante ou indecente 

a anatomia ensina ele vem com osso 

língua e pinto, porém nem tanto 

língua ainda bem se alguém desse com a língua nos dentes 

dantes com osso ia machucar muito mais 

agora pinto poderia até ajudar 

pelo menos digamos assim tipo um metatarso 

dependendo das circunstâncias evitaria certo embaraço 

o que vocês acham? 

enquanto pensam vou circular 

tchau um abraço!


segunda-feira, 26 de agosto de 2024

O agora já era!

O presente, na flecha do tempo, 
foi o futuro, instante antecedente que
instantaneamente,
será o passado, instante subsequente 
irreversívelmente.

E a gente não sente 
engalfinhados no balanço das horas,
cotidiano, tarefas banais, vida mesquinha
todavia,se achando os tais.

E aqueles projetos? os grandes, com sustança? 

E os não tão grandes, os médios, os pequenos?
 tudo pro ralo da vida marota?
atalho saída pra virar tudo bagulho?

E a noite de novo dormir é preciso 
bem tem quem tem um abrigo, amigo
é pra essas coisas, que coisas?
por favor, me esclareça! 

E de manhã (se houver amanhã) o recomeço,
ciscar o nada, garimpar o vazio,
quem sabe talvez encontre alguma pepita, pirita, ouro dos trouxas,
zorra! nem isso! 

O difícil não é fácil! O difícil pede açoite!

Que seja!

Boa noite!

domingo, 18 de agosto de 2024

Sobrepeso

 


me considero um sujeito manso 

entre sorrisos não me canso de pensar (com esforço) 

“ainda venço esse peso” 

além disso, acho que nasci para dançar 

porque desde cedo entrei na dança 


ainda no berço

minha mãe contava, eu dançava e sorria

agitava as perninhas como uma dança dando risada, talvez querendo chamar a atenção para lembrar que a mamada estava atrasada 

na adolescência

quando meu pai tossia, por causa do catarro do cigarro que precocemente o levou para o túmulo e se exaltava pelo efeito do álcool

eu, para relaxar a tensão, sorrindo dançava 

quando minha mãe se punha a soluçar, por causa da sua eterna infelicidade 

eu, para tentar alegrá-la, dançando sorria 

mais tarde 

se me provocavam, sorria e ensaiava uns passos de dança 

nem que fosse a dança de rato  


e por isso digo que sou um sujeito manso 

predestinado sorridente dançarino pesado

pra não arriar eu danço pra não chorar eu rio 

e assim procuro aliviar minha sobrecarga

domingo, 11 de agosto de 2024

Tarde demais

embora diferentes somos iguais num ponto

nosso fim comum é virar pó um dia

essas palavras pedestres representam situação que creio só podemos inferir por analogia porque na hora desse nosso ver para crer sob o ponto de vista terrestre nosso eu não estará ali pra conferir

eu por exemplo quando estiver presente nesse fim de festa mundano caso ainda tiver consciência de mim talvez assim pensasse:

— ah quisera ter dado e recebido mais beijos desviado os olhos do meu umbigo agido às claras sem a camuflagem da meia-luz trocado o áspero pelo suave empregado discurso aberto e franco em vez de murmúrios cheios de subterfúgios sentido piedade em lugar de crueldade pretendido tesouros mais puros em vez do dinheiro até o total esfacelo e principalmente amado o próximo como a mim mesmo

e provavelmente ainda concluiria:

— pena isso não ter acontecido mas agora é tarde nada mais pode ser feito

domingo, 4 de agosto de 2024

constrito em meu canto desfio meu canto 

suas idas e vindas suas voltas em ritmo frouxo 

melodia abafadiça desarmonia 

meu devaneio 


se me fosse dado sabê-lo sintonizado 

nem que fosse a ouvidos moucos 

meu balbucio rouco 


clamor de velho criança parado no era uma vez 

perdido na melancolia de sonhos desfeitos num sopro 

vã esperança de confundir poesia com vida 

tentativa para um viver melhor 

dono somente de letras gastas quais velhas putas 

que se dão a qualquer um a qualquer preço 

para formar fatigadas frases roubadas do baú da literatura 

lamentosa voz obscura que quer clamar amor 

e sucumbe sem estrondo à porfia da realidade  

e se sente carente de sentido 

dilatando os limites desta densa sombra escura 

que insiste em me envolver  

domingo, 28 de julho de 2024

Só um olhar

há muito de uma paixão ausente vivia eu meus dias concertados

quase esquecido dos magoados pensava sem amor melhor se sente

você surgiu então tão docemente trazendo os seus modos delicados

depressa nos tornamos enamorados entre nós nasceu muito bem assente

relacionamento de afeto honesto frutificado em fidelidade rigorosa

comunhão cada um com sua parte a partir de um olhar simples gesto

promovedor da façanha milagrosa transformar nossas vidas em arte

domingo, 21 de julho de 2024

Só sarro

 este sarro que sai na boca de manhã

fruto do que no estômago acontece

durante a noite quando o corpo esquece

de se arrastar por aí e cai numa cama vã

é o que de mais interessante

consegue produzir este plebeu

que já teve sonhos nobres eu

sim mísero a seguir adiante

sem sequer de si sentir pena

nem daquelas que cruza com elas

melhor desejo seu ter morte serena

assim de mais um vivente posta está

a vida vazia de tantas coisas belas

e boas que incríveis pelo mundo há

domingo, 7 de julho de 2024

Sinistro desejo

tendo pouco a escolher

entre dias tão rançosos

só cumprir tedioso dever

querendo ficar na cama

na luz do amanhecer

ser tomado de covardia

na ânsia de mais não-ser


arreda sinistro desejo

tal não pode acontecer

onde está esta cabeça

não é modo de dizer

põe de lado esta ideia

não deixes a vida saber

mergulha em tua lida

é o que deves fazer

domingo, 30 de junho de 2024

Ser humano

 bom seria se ao bem não houvesse tardança

porém com verdadeiro sentimento

se viveria em um real contentamento

privilégio que tão só um ou outro alcança

se gozaria da plena segurança

de não receber nem causar tormento

nem que fosse por mero esquecimento

pois estaria o bem sempre na lembrança


talvez gostemos que outros se entristeçam

ou com nossa dor eles se contentem

e daí do bem todos logo se esqueçam

pouco se importando que se atormentem

e o nome de desumanos não desmereçam

posto que desamor é o que mais sentem


porém fraca é a dor repartida com a dor alheia

domingo, 23 de junho de 2024

Sonho meu

acostumei com meu destino de roer osso

atolado em dívidas acima do pescoço

se tivesse florescido numa família distinta

qual o que isso é espécie há muito extinta


continuarei a curtir minhas horas áridas

não me resta mais nada não tenho guarida

estou enjoado de estudar mitologia


quero partir pra coisas mais arejadas

deixar o estigma de desvendar enigmas

as ideias sempre povoadas de monstros


quero coisas mais simples pra pensar

deitar de noite na cama sem precisar

de luz acessa pra poder dormir


não vou persistir no erro crasso

de viver deste modo aéreo arre

insistindo acreditar em milagre


a partir de agora vou ficar na flauta

deixar o tempo rolar eis minha pauta

empregado permanentemente na caixa

não saio mais dessa só salário na faixa


domingo, 16 de junho de 2024

O poema

o poema que pousa diante dos olhos 

é um pássaro vindo de alhures 

talvez trazendo no bico um augúrio

ou alguma espécie de outro alimento 

se ignorado ele alça voo como se ali fosse um galho ao relento

vai à procura de outro pouso ver se tem um instante de atenção 

e pode ter sido perdido o encanto da ocasião de mergulhar no espanto 

de saber que o alimento que ele oferecia

talvez amenizasse um pouco uma agonia 

talvez desse algum alento a uma estreita alegria


ou por mero acaso então, 

o gesto de ignorá-lo evitou que se ingerisse algo indigesto 


por que não? 

domingo, 9 de junho de 2024

Nudez sem castigo

nudez sem vergonha agora 

sob o lençol de algodão barato

indiferente às manchas de sangue tingindo o tecido


mais tarde cheira mal com traje social 

em lugar restrito nem janela nem porta

desnecessária a presença do sol 


depois um montículo seco

razoável acúmulo de pó

 e outros detritos por cima


em linhas gerais 

o destino da defunta nudez  

antes viva cheia de altivez


domingo, 2 de junho de 2024

Fusão nuclear

o pesadelo da poluição oprime a terra cinzenta

cada vez mais e mais a cada instante que passa


tudo sucumbe à força bruta e voraz do mercado

que embaça nossas cabeças escraviza nossas vontades


lobos em pele de vison afetam inocência e brandura

protegidos de seus pecados sob densa cortina de grana


e o sol segue seu curso no céu convertendo hidrogênio em hélio

indiferente a santos e pecadores se o mundo está virando bagaço 

domingo, 26 de maio de 2024

Ayana, minha netinha

 Ayana é nome dela

Que quer dizer bela flor 

Cinco anos é sua idade 

Ela vive cercada de amor

De manhã vai cedo pra escola

Levando a mochila com roda

Aprende coisas interessantes

E atende o que a professora pede 

Também se diverte bastante 

Tem muitas amigas e amigos

Que gostam de brincar com ela

Porque está sempre alegre

De tardinha quando volta pra casa

Sempre chega cansada

E quer ir logo pra cama

A mamãe cuida bem dela

E ela ama a mamãe um montão assim 

domingo, 19 de maio de 2024

Liberdade de expressão

ela: você vai?

ele: não!

ela: por quê?

ele: tipo... não tô afim 

ela: ah! então tá, eu vô

ele: legal! aproveita

ela: beleza! vê se se cuida

ele: valeu! a gente se vê 

ela: tchau! beijo

ele: tchau! beijo 

domingo, 12 de maio de 2024

Carrossel

em microscópica intimidade átomos se juntam

para emergir em complexa macroscopicidade

como matéria o universo observável e tangível 


na gigantesca imensidão do universo se acha

perdido um minúsculo agregado dessa matéria

multifacetada num corpo denominado de Terra

planeta onde proliferou o fenômeno dito vida 


vida vegetal as plantas árvores matas matos

e vida animal os bichos aves vírus vários e

humanos nos quais evoluiu estupidamente um órgão

denominado cérebro detentor de estúpida inteligência


de posse do poder dessa inteligência estúpida 

os humanos se proclamaram senhores do mundo

com direito a destruir a vida vegetal outros bichos e a si próprios 

tudo com o uso dessa sua estúpida inteligência! 

segunda-feira, 6 de maio de 2024

Satisfeito da vida adeus

pode parecer um exagero tanto desejo de aprender para poder sentir orgulho de desvendar até a origem

normal é pretender possuir coisas bem mais palpáveis o que alimenta o mercado nossos corpos pelos olhos

quaisquer os lados idos desde antes do começo e mesmo depois do fim existir é igual consumir

permanente juventude agora a relevante atitude pior inferno não pode haver que não ter gana de vencer

segue o minúsculo mundo na solitária cósmica obscuridade suporta a procura de identidade a mesquinha espécie que labora

alguns se mostram aprumados outros têm aparência de fortes certos fatos continuam mistério outros porém nem tanto é claro

já ficou mais do que provado que humano é um ser de troca sendo apenas para confundir quando tal aptidão não aparenta

evidente possuir atributos vários um punhado bons no geral ruins quanto ao resto nada mais tenho a dizer por ora estou satisfeito da vida adeus

domingo, 28 de abril de 2024

Ronda

por que querer perpetuar o cerne  

do ser acima da podridão da carne

conforma de vez com o passar ligeiro

vive alheio entorpecido por inteiro


pesados dias passados fiquem sem forra

engole grato rango ralo à base de borra

à noite sono com açoite de dia vem a dívida

o certo acerto de contas sem deixar dúvida


engano pretender felicidade à força

melhor solitário em lugar de otário

todavia gozo maior não há que gozar junto

porém essência perene ausência de bom assunto 


triunfo mundano passageiro trunfo

ficção de valor vale menos que arroto

enquanto o tempo escorre pro esgoto

destino o dia de corpo duro e carne fria


embora preferível mau hálito que sem hálito

e sentir medo serve pra exercitar os pelos

mesmo no fausto uma hora se fica exausto

aí se cai no abandono entrega pra novo dono

domingo, 21 de abril de 2024

Robomano

doravante vou procurar deixar de lado

o que os crédulos chamam de pessimismo

sairei da fossa e farei as pazes com o mundo

digo isso com bom esforço de boa vontade


doravante passarei a considerar que 

o ser humano é por natureza uma criatura de paz

ocorrem guerras permanentes ao longo dos séculos

pela necessidade de manutenção da paz


doravante passarei a considerar que

o ser humano é por natureza uma criatura fraterna

ocorre a exploração de um semelhante pelo outro porque

fraternidade não pode ser confundida com igualdade 


doravante passarei a considerar que

o ser humano é por natureza uma criatura criativa

ocorre a destruição da natureza pela criatividade porque

o ser humano quer o ser humano robotizado

terça-feira, 9 de abril de 2024

E depois...

tudo foi esquecido

nada ficou retido

a pobreza e o poder

o vazio e o vivido

a sombra e o suor

a solicitude e a solidão

nem sequer vestígio

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Prece

Deus protege meus semelhantes de minha bondade

porque com Teu poder de onisciência

bem sabes ela tem sempre segundas intenções 


Deus protege meus semelhantes de minha maldade

com Teu poder de onipresença onde eles estiverem 

porque bem sabes o mal que lhes posso fazer


Deus, com Tua infinita bondade,

protege de mim este Teu semelhante

mortal semelhante a meus semelhantes

porque bem sabes da nossa perversidade  

domingo, 17 de março de 2024

Inventário

 antes tantos exercícios de caligrafia

para escrever tantas linhas tortas 

e deixar tantos rastros de desencontros

e sem ter aonde ir chegar a lugar nenhum


mas eis que tão somente de repente

porque num pisco d’olhos tudo pode mudar

ponto particular dum piso pedroso de morais candentes

um ponto de exclamação em despretensiosa interrogação:

“Shall we dance?”

e daí  

Fiat lux!


depois tanto bem partilhado

em harmonioso conjuminar

valiosa dádiva da vida

a riqueza de um amor eterno 

até quando o eterno durar 


domingo, 10 de março de 2024

Reviravoltas da vida

 vivia minha vida sossegado

medíocre porém mansamente

até ser lançado a seu lado


você veio feito uma torrente

tudo que tocava estremecia

arrasava o que tinha na frente


tipo de gente assim bravia

transforma o florido em deserto

de feliz passei a pessoa que sofria


querendo distância estando perto

se necessário comeria cascalho

me abrigaria a céu descoberto


enfrentaria inverno sem agasalho

pra voltar a meu sossego antigo

ainda que na fronte o frio orvalho


mas longe desta forma de perigo

ter no peito renovadas esperanças

e até encarar outro tipo de inimigo


é preciso força pra promover mudanças

buscar energia em diversas fontes

não sucumbir ao peso das lembranças


deixar o vale fundo escalar os montes

ser ousado ir à procura de nova vida

desejar a amplitude de novos horizontes


tendo presente a natureza do real tesouro

não as vaidades mundanas enganosas

poeira que cobre falsos passageiros louros


ter olhos pra ver a beleza das rosas

qualquer que seja o dia

mesmo nas horas espinhosas


dessa maneira meu cérebro rugia

enquanto o corpo esquartejado

chafurdava numa viscosa agonia


ânsia de corrigir os erros do passado

pra não ver a vida inteira em ruínas

ter meu tempo todo em vão evaporado

domingo, 3 de março de 2024

Revelação

na hora você não teve escrúpulo para pensar no mal que me fazia 

agora chora 

vem com esta fala mansa 

que morre de amor por mim 

que não conhece ninguém como eu 

que necessita de meu ombro amigo 

basta 

essa conversa já passa do limite 

minha mágoa é profunda 

minha decepção irreversível 

minhas melhores inimigas, inimigos, inimigues etc.

seriam incapazes 

talvez

de tal atitude 

de tamanha ingratidão 

sua crueldade revelou 

seu verdadeiro caráter

seu mau caratismo 


domingo, 18 de fevereiro de 2024

Alta crítica

 de repente

bem em minha frente

me reaparece aquela figura fantasmal

vindo do fundo da catacumba infernal

e começa a cuspir na minha cara velha arenga malhada 

que eu pensava estivesse livre dela junto com a de cuja 


covarde, cagão, 

traste, imprestável, 

estrupício, inútil

pulha, isso mesmo, um pulha


eu, num primeiro momento, 

fiquei paralisado diante do espectro aterrorizante

depois, pouco a pouco fui recuperando o parco domínio

que, até em sã consciência, mantenho sobre mim

e reagi de mim para mim


Você tem razão, sou um pulha sim, 

mas  minha pilha está chegando ao fim

e para o bem geral não sou do tipo recarregável 

e Você o que foi a vida toda?

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Regresso

 

saúdo a todos vocês com grande estima e agradeço comovido por esta recepção tão carinhosa nem imaginam como me fazem feliz afinal esta é a minha querida terra a gente foge gira por todos os cantos em busca de um novo espaço outros horizontes e eu também girei e embora tenha retornado ainda giro como todo mundo gira solidários ao mundo que gira na solidão infinda do universo perdido a procura de um destino oco não há homem nem mulher que não tenha girado um dia podem contestar se quiserem mas é assim que eu penso por mais profundas sejam as raízes no íntimo somos eternamente nômades estamos aqui de passagem

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Quem sabe um dia

por mesquinhez não dás o que quero

negas alegando que não te fui sincero

pacientemente espero passar o tempo

quem sabe depois decidas jogar limpo


este comportamento sempre tão avaro

é a razão de tua vida assim infausta

absurda talvez encontres momento raro

de vir a mim em busca de perdão exausta

domingo, 28 de janeiro de 2024

Profissão desocupado

 na falta de coisa pior a fazer me encolho em mim mesmo 

recolho meus pedaços de lagarto largado ao léu mutilado e colo com goma arábica 

a cada passo dado em descompasso com o mundo mais e mais pulverizado 

sem perceber dispo minha vergonha 

máscara da minha falta de caráter e busco ser aprendiz de qualquer coisa 

penso num incerto ofício que não seja difícil mas não é nada fácil 

soldado guarda-costas frente a frente com o trabalho músico maestro carregador de piano entregador de pizza artista de circo bispo faquir peregrino 

mas não tenho mais idade pra nada disso

e na verdade eu nasci mesmo foi pra ser desocupado

e já estou aposentado

domingo, 21 de janeiro de 2024

Pro beleléu

mandatário o mercado

sob a tutela do capital

grande valor tem o mal

quem ficar fora tá ferrado


rodam as estações no tempo inexorável

rola pela inóspita encosta da ética

ribanceira abaixo a moralidade

ronda o pressentimento que deve piorar


murcha mais uma árida primavera

passa a gotejar o suor

sob o sol escaldante

de outro verão sufocante


cobertos de pedras pontudas os caminhos

orlados por espessa erva daninha

conduzem a profundo precipício

vastidão do tripúdio ao estropício


surpreendida a alma por gélido sopro

arfa um instante depois imóvel se cala

braço invisível na voragem põe o corpo

matéria perecível do sentir não sabe a fala


mesmo quem quer se soltar da terrível teia

tendida sobre a cabeça se esgarça vacilante

entre recusar ou assentir em ceder a veia

para vampiros sugar o sangue pulsante 


chegam aos confins do mundo

os ares mais insalubres

todo recanto tem um canto imundo

a situação é cada vez mais lúgubre


pela fresta do ralo da pia

furtivamente circulam baratas ao léu 

indiferentes à lua cheia

brilhando alta no céu


no chega pra lá alegres ainda que breve

todos caminhamos certeiro pro beleléu

como se fora antes hora de festa

até o raiar do dia rindo à beça

domingo, 14 de janeiro de 2024

Priápico

estas rosas são inúteis para uma mulher perspicaz e íntegra como ela 

mulheres assim apreciam flores sim porém quando vêm de amores perfeitos 

e você meu caro só porque tem carro caro mas é pobre de espírito 

pensa apenas em prazeres rasteiros egoístas irracionais 

mesmo se mandasse um rosal mesmo se mandasse um jardim seria inútil 

uma pena não digo isso por mim digo por você 

porque aqueles lábios carnudos vermelhos sempre úmidos sensuais 

jamais seriam mordidos por bocas como a sua 

eles anseiam outras volúpias fora do alcance deste seu mundo mesquinho


domingo, 7 de janeiro de 2024

Pra dissolver maus rumores

 serei eu que sou assim um miserável

é o que vivo a indagar a meus fechos ecleres 

por que trazer à tona o que envenena

insistindo em mostrar coisas infernais

pondo o dedo na ferida que gangrena

esquecendo de sentimentos fraternais


alguém dirá que isso tem nome

ele é um pobre infeliz deserdado

ingrato cospe no prato que come

ao menor elogio fica logo afogueado

o que falta aí é um pouco de aragem

cultivar um tema ameno que inebria

falar de amor fazer favor ou uma viagem


gostei da ideia 

embarco nessa

boa à beça 

eu e a medeia

simbora pra miami

eu no vácuo de um tornado

medeia surfando um tsunami