domingo, 9 de setembro de 2018

‘Y-pyrang-a

aqui do alto de uma das janelas do apartamento
vejo lá embaixo bom trecho do histórico riacho

certamente sua cara está bem mudada comparada
àquela que apresentava à época da independência

o projeto original do criador foi bastante modificado
o traçado reto obedece à vontade insaciável dos carros

se outrora suas plácidas margens ouviram
o retumbante brado de um heroico povo

hoje esse povo heroico cumpre patriótico rito e deposita
regularmente em suas erodidas margens ricas oferendas

entulho resto de obra sobra de telhado madeirame podre
sofá mesa cadeira esmigalhados carcaça velha de televisão

mal-agradecido o riacho rejeita tão respeitosas dádivas devolve
tudo nas chuvas seguintes em forma de magníficas enchentes

a etimologia do nome baseada no bom senso dos silvícolas
nos ensina do vermelho de suas antigas águas nada mais restar

desembocando ao longo de toda sua extensão os esgotos
se incumbem de colori-las de outra cor o marrom-cocô

também pudera outra não poderia ser mesmo sua sina
a dar-se crédito da nossa história às línguas viperinas

na ocasião do simbólico ato viera o príncipe regente à capital
da província paulista para resolver importante pendência política

embora no duro o que queria era afogar o ganso nas coxas apetitosas
da marquesa enquanto no rio chorava dona leopoldina desditosa

acolhido por imprevisto mal-estar intestino pedro primeiro ainda não feito
sem vacilar um segundo largou seu planaltino barro bem na beira do ribeirão

completando a obra ordenou lavassem a iminente bunda imperial nas então
cristalinas águas depois desembainhou a espada e soltou o famoso grito

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