domingo, 6 de maio de 2018

Poema escatológico

merda tudo é uma merda
eu sei que vocês vão dizer que é tudo mentira
que eu invento estas coisas só pra extravasar
meu péssimo pessimismo meu mau humor crônico
mas podem crer é tudo verdade isto que me aconteceu
juro por deus
o dia amanhecera lindo ensolarado
logo cedo no café da manhã falei pra minha querida esposa
— amor vamos para o litoral aproveitar o feriado
ao que ela me respondeu
— vida minha vai você prefiro ficar em casa curtindo meu resfriado
decidi ir mesmo sozinho
quando fui dar partida no carro a bateria estava arriada
o auto elétrico socorro demorou um tempão
e cobrou uma nota preta por uma bateria nova
peguei a estrada completamente superlotada
no meio do caminho parei num posto de combustível
pra botar gasolina no tanque e tirar a água do joelho
a gasolina estava 30% acima do preço tabelado
e tinha uma baita fila pra entrar no sanitário
chegada finalmente minha vez de urinar
me deparei com uma privada tão entupida
que a merda escorria pela borda
a cena me causou tamanho engulho
que o xixi ficou com a saída bloqueada
na orla da praia considerei ter dado sorte
estacionei o carro numa vaga sombreada
debaixo de uma exuberante amendoeira
ao lado de um canal que conduzia um líquido putrefato
exalando um fedor insuportável de esgoto puro
para desembocar sem nenhum constrangimento
diretamente nos braços acolhedores do oceano
antes de dar um mergulho julguei saudável
fazer uma boa caminhada pela praia
logo aos primeiros passos na areia
senti uma coisa mole se entranhar pelos dedos do pé esquerdo
ao verificar de perto o ocorrido constatei se tratar
de genuíno cocô de cachorro de raça
procurei não perder a calma até achei graça
não pretendia de jeito nenhum estragar o meu dia
lavei aquela sujeira na espuma da arrebentação
tendo o cuidado de esfregar bem com areia molhada
depois entrei na água pra aliviar a bexiga que quase estourava
entre uma onda e outra boiava eu sossegado
quando sinto algo bater no meu costado
me virei e — valha-me deus nossa senhora
dei de cara com um cagalhão com mais de palmo
de comprimento bitola de pelo menos polegada e meia
num primeiro instante instintivamente pensei
— este baita quando saiu deve ter arrebentado de duas a três pregas
e completei o raciocínio
— a menos que o autor ou autora da façanha tenha o rabo acostumado
a agasalhar uma boa trolha
em seguida considerei oportuno sair da água dado o adiantado da hora
fui almoçar num restaurante chique da cidade
porque não era de hoje tinha eu essa vontade
esperei cerca de sessenta minutos por um mísero lugar
acomodado por fim numa mesa perto das toilettes
pedi ao maître uma caesar salad só pra esnobar
mas o destino resolveu rapidinho me castigar
protegida por um croûton
à sombra de uma folha de alface americana
besuntada de creme de leite e maionese
uns fiapos de queijo ralado nas costas
e um pedacinho talvez de alice na boca
uma lesma lentamente numa boa a sacana
fazia as necessidades bem no meio do meu prato
revoltado levantei e me mandei sem pagar a conta
quando cheguei onde tinha estacionado o automóvel
qual não foi minha surpresa desagradável?
o capô, o para-brisa, o teto, o vidro traseiro
estava tudinho coberto de cagada de passarinho
limpei o melhor que pude o vidro dianteiro
e embora não fosse tarde toquei embora pra casa
pois passava do meio da tarde e nunca gostei de viajar no escuro
fui chegar em casa com a noite já há tempo instalada
para um percurso de quarenta minutos em condição normal
gastei mais de quatro horas devido à quantidade de veículo
entrei no apartamento e gritei me sentindo um tanto ridículo
— cheguei querida
a resposta foi o silêncio acompanhado de um bilhetinho
carinhosamente deixado em cima da mesa da sala
— volto logo saí com umas amigas
quando me dirigia para o quarto do casal
senti uma terrível cólica intestinal
julguei fossem apenas flatos
mas avaliei mal a situação de fato
pensando em aliviar a pressão dos gases
borrei a cueca e boa parte dos outros trajes
pergunto a vocês então
— tenho ou não tenho razão? não foi tudo mesmo uma merda?

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