Manuel era
sambista e morava no morro num barracão sem numero. Para o Manuel de nada
adiantava a paisagem ao longe, a beleza da baía, a linha do horizonte, pois o
mais distante que o olhar do Manuel conseguia alcançar não por opção, mas por
necessidade era o beco escuro por construção não por natureza, escuro mesmo em
dia claro na hora de sol a pino. Uma noite bebendo no bar do Bira conheceu
Maria. Não a Maria da Graça. Nem a Maria Adelaide. Nem a Maria das Neves. Muito
menos a Maria Cândida. Era a Maria Elvira, prostituta sifilítica, dermatite em
todos os dedos dos pés e das mãos, dentes em petição de miséria.
Manuel nessa
noite bebeu, cantou, dançou. Não se sabe se a alegria do Manuel era alegria de
fato ou se era alegria disfarçando melancolia, alegria de desespero. Mas o fato
é que Manuel nessa noite bebeu, cantou e dançou. Dançou primeiro em sentido
denotativo, depois em conotativo, graças à Maria Elvira.
Maria Elvira
além de puta era também filha-da-puta. Quando acabou a bebedeira no bar do Bira
na subida do morro num trecho propício pro ato aproveitando o estado zambeta do
sambista provocado pelo abuso etílico, sem
dó nem piedade (ele nem pôde dar ré),
bem no mi-ocárdio, com uma fá-cada certeira, sol-apou o lá-caio
desifeliz; privou-o de sentidos e de inteligência (ele si fodeu) só pra roubar os últimos deiz real do bolso do
desgraçado.
Maria Elvira
com a ajuda do namorado, que era coveiro do cemitério central, cavou com as
unhas compridas, com os dentes podres, uma cova funda, funda o suficiente pra
acolher o corpo do morto. Depois atiraram o defunto lá dentro e jogaram terra
por cima.
Manuel lá de
dentro do fundo da treva do chão da cova ouvia ao longe a vozinha sumida da
Maria Elvira dizer pro coveiro que ela fazia tudo que ele quisesse, dizer
insistentemente que ela fazia tudo que ele quisesse porque ele era o único amor
da vida dela. Como ele nada dissesse a mulher queixava-se do silêncio do amante
dizendo que ele já não gostava mais dela.
Manuel,
aborrecido com aquela lengalenga, decidiu aceitar o castigo imerecido, não por
fraqueza, mas por comodismo no tormento mais fundo do fundo da cova, pois se
sentia cansado e como já estava deitado dentro da noite sem cor virou de lado e
foi adormecendo nos braços do seu anjo da guarda sorrindo sem medo da chegada
afinal da indesejada das gentes sussurrando em seu ouvido direito que a vida
talvez não valia a pena a dor de ser vivida.
(do livro “Contos Medonhos”)
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