domingo, 2 de agosto de 2015

Manuel e Maria

Manuel era sambista e morava no morro num barracão sem numero. Para o Manuel de nada adiantava a paisagem ao longe, a beleza da baía, a linha do horizonte, pois o mais distante que o olhar do Manuel conseguia alcançar não por opção, mas por necessidade era o beco escuro por construção não por natureza, escuro mesmo em dia claro na hora de sol a pino. Uma noite bebendo no bar do Bira conheceu Maria. Não a Maria da Graça. Nem a Maria Adelaide. Nem a Maria das Neves. Muito menos a Maria Cândida. Era a Maria Elvira, prostituta sifilítica, dermatite em todos os dedos dos pés e das mãos, dentes em petição de miséria.
Manuel nessa noite bebeu, cantou, dançou. Não se sabe se a alegria do Manuel era alegria de fato ou se era alegria disfarçando melancolia, alegria de desespero. Mas o fato é que Manuel nessa noite bebeu, cantou e dançou. Dançou primeiro em sentido denotativo, depois em conotativo, graças à Maria Elvira.
Maria Elvira além de puta era também filha-da-puta. Quando acabou a bebedeira no bar do Bira na subida do morro num trecho propício pro ato aproveitando o estado zambeta do sambista provocado pelo abuso etílico, sem nem piedade (ele nem pôde dar ), bem no mi-ocárdio, com uma -cada certeira, sol-apou o -caio desifeliz; privou-o de sentidos e de inteligência (ele si fodeu) só pra roubar os últimos deiz real do bolso do desgraçado.
Maria Elvira com a ajuda do namorado, que era coveiro do cemitério central, cavou com as unhas compridas, com os dentes podres, uma cova funda, funda o suficiente pra acolher o corpo do morto. Depois atiraram o defunto lá dentro e jogaram terra por cima.
Manuel lá de dentro do fundo da treva do chão da cova ouvia ao longe a vozinha sumida da Maria Elvira dizer pro coveiro que ela fazia tudo que ele quisesse, dizer insistentemente que ela fazia tudo que ele quisesse porque ele era o único amor da vida dela. Como ele nada dissesse a mulher queixava-se do silêncio do amante dizendo que ele já não gostava mais dela.
Manuel, aborrecido com aquela lengalenga, decidiu aceitar o castigo imerecido, não por fraqueza, mas por comodismo no tormento mais fundo do fundo da cova, pois se sentia cansado e como já estava deitado dentro da noite sem cor virou de lado e foi adormecendo nos braços do seu anjo da guarda sorrindo sem medo da chegada afinal da indesejada das gentes sussurrando em seu ouvido direito que a vida talvez não valia a pena a dor de ser vivida.


(do livro “Contos Medonhos”)

Nenhum comentário:

Postar um comentário