sexta-feira, 22 de agosto de 2014

como tudo terminou...

   (o meu princípio evidente é atar as duas pontas da história, e restaurar o fim no começo)
     E então, fui ao anjo e lhe disse: dá-me o livrinho. Ele mo estendeu dizendo: toma-o e come-o; mastiga bem. Tomei-o com o casco dianteiro direito e imediatamente o introduzi na boca.   Meu coração disparou. O suor brotava por todos os poros do meu couro. Cerrei as pálpebras e mastiguei bem, devagarzinho, passando e repassando minha longa e áspera língua em cada morfema. Embora não fosse absolutamente minha intenção destruir a coesão que eventualmente o texto pudesse apresentar, por medida de segurança, fui engolindo aos poucos, uma oração de cada vez. Primeiro as independentes, depois as coordenadas, seguidas das principais e por fim as subordinadas. De nada adiantou essa minha precaução. Na boca sentia um gosto doce de mel, mas no estômago, à medida que os sintagmas roçavam as paredes do órgão, uma dor lancinante ia tomando conta de mim. Numa reação instintiva, tentei vomitar o bolo lítero-estomacal. Inútil. O esôfago como que travado, bloqueava a saída da massa palavrória ingerida. A única coisa que saia da minha boca era uma gosma gramatical negro-esverdeada e fétida. Meus olhos reviravam em órbitas loucas, sob as pálpebras que tremelicavam espasmodicamente. Senti as quatro patas fraquejarem sob o peso do meu corpo que desabava ao solo. Um calafrio percorreu minha espinha toda, da cerviz ao cóccix, eriçando os pelos desde a crina até o rabo. Um último estertor exalou das minhas ventas.
     E então, foi assim – creio eu – que morri. E então, foi assim – creio eu – como tudo terminou...  


Nenhum comentário:

Postar um comentário