(o meu
princípio evidente é atar as duas pontas da história, e restaurar o fim no
começo)
E então, fui ao anjo e lhe
disse: dá-me o livrinho. Ele mo
estendeu dizendo: toma-o e come-o;
mastiga bem. Tomei-o com o casco dianteiro direito e imediatamente o
introduzi na boca. Meu coração disparou.
O suor brotava por todos os poros do meu couro. Cerrei as pálpebras e mastiguei
bem, devagarzinho, passando e repassando minha longa e áspera língua em cada
morfema. Embora não fosse absolutamente minha intenção destruir a coesão que
eventualmente o texto pudesse apresentar, por medida de segurança, fui
engolindo aos poucos, uma oração de cada vez. Primeiro as independentes, depois
as coordenadas, seguidas das principais e por fim as subordinadas. De nada adiantou
essa minha precaução. Na boca sentia um gosto doce de mel, mas no estômago, à
medida que os sintagmas roçavam as paredes do órgão, uma dor lancinante ia
tomando conta de mim. Numa reação instintiva, tentei vomitar o bolo
lítero-estomacal. Inútil. O esôfago como que travado, bloqueava a saída da
massa palavrória ingerida. A única coisa que saia da minha boca era uma gosma
gramatical negro-esverdeada e fétida. Meus olhos reviravam em órbitas loucas,
sob as pálpebras que tremelicavam espasmodicamente. Senti as quatro patas
fraquejarem sob o peso do meu corpo que desabava ao solo. Um calafrio percorreu
minha espinha toda, da cerviz ao cóccix, eriçando os pelos desde a crina até o
rabo. Um último estertor exalou das minhas ventas.
E
então, foi assim – creio eu – que morri. E então, foi assim – creio eu – como tudo terminou...
(do livro "Minhas Memórias Póstumas")
http://www.asabeca.com.br/detalhes.php?prod=7150&friurl=_-MINHAS-MEMORIAS-POSTUMAS--Lobo-Carneiro-Org-_&kb=553#.VEuP8fnF9K0
http://www.asabeca.com.br/detalhes.php?prod=7150&friurl=_-MINHAS-MEMORIAS-POSTUMAS--Lobo-Carneiro-Org-_&kb=553#.VEuP8fnF9K0
Nenhum comentário:
Postar um comentário