Ia ter um grande baile na cidade e a
rica senhora decidiu, como era seu costume, fazer um vestido novo. Chique.
Lindo. Maravilhoso. Mandou então vir a modista à casa para escolher modelo,
tecido, adereços etc. Cumprida essa etapa, a modista retornou a seu atelier;
traçou o molde conforme o escolhido; reuniu o material necessário, designou a
costureira mais experiente de sua equipe para a tarefa e mandou dar início
imediato ao importante trabalho. A costureira cortou o tecido de acordo com o
molde; juntou as partes; pegou da agulha; pegou da linha, enfiou a linha na
agulha, e entrou a coser. Aquele vestido era pra ser feito à mão, com o máximo
capricho possível. Iam, Agulha e Linha, andando pelo pano adiante, que era a
melhor das sedas, entre os dedos ágeis da costureira quando a Agulha teceu as seguintes
considerações:
— E aí prezada Linha? Você não
repara não que esta distinta costureira só se importa comigo? Que sou eu é que
vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, cosendo...
— Cosendo? – disse a Linha. Você
fura o pano, e olhe lá, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço de tecido a
outro, dou feição aos babados...
— E daí? Se eu não furasse o pano
não haveria costura. Eu é que vou adiante, puxando você, que vem atrás,
obedecendo ao que eu faço e mando...
— Faz e manda? Ora essa! Quem controla você é a costureira. Nesta
peça, minha cara, você tem um papel secundário; vai adiante, mas tem que seguir
o caminho do molde. Eu não; eu uno as partes e formo o todo. É por isso que
nesta peça sou eu a artista principal, alinhavou a Linha.
— A senhora é vaidosa ambiciosa,
isso é o que a senhora é; quer sempre só ajuntar, ajuntar mais e mais pano,
disse a Agulha com agudeza.
— E a senhora o que é? Uma
pretensiosa volúvel que acha que faz um grande serviço e mal chega num lugar já
quer logo ir embora, em busca de novas aventuras. Enquanto a senhora passa, eu
permaneço, replicou a Linha sem perder a linha. Além disso, a senhora devia era
cuidar da sua vida e deixar os outros viver em paz. Perdeu uma boa oportunidade
de calar o bico, arrematou a Linha.
— Eu disse e repito: ambiciosa,
ambiciosa, ambiciosa; e direi sempre que me der na cabeça.
— Dar na cabeça? Que cabeça? Não
seja ridícula, minha cara. E a senhora tem lá cabeça? Quem tem cabeça é
alfinete e a senhora não é alfinete, é agulha. E agulha não tem cabeça...
Diante de resposta tão contundente,
mesmo para uma agulha, a Agulha se calou. Dali pra frente o silêncio tomou
conta da sala de costura. Terminada a jornada de trabalho daquele dia, a
costureira dobrou a costura para o dia seguinte; continuou nesse e no outro,
até que no quarto dia acabou a obra.
Veio a tão esperada noite do baile.
A rica senhora vestiu-se com o vestido novo com a ajuda da costureira que
trazia a Agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. A Linha,
para provocar a Agulha, ironizou:
— Me diga agora, dona pretensiosa
volúvel, quem é que hoje vai ao baile, no corpo da rica senhora? Quem é que vai
dançar e se divertir a noite toda, enquanto a senhora volta pra caixinha de
costura? Vamos, diga lá.
A Agulha não disse um a, mas um Alfinete,
desses de cabeça grande, que tinha ouvido toda a conversa pensou com seus
botões:
— Uma, porque vai à frente furando o
caminho, acha que é grande coisa, mas esquece que sempre acaba logo, logo voltando
abandonada aqui pra caixinha de costura. Outra, porque prende um monte de pano
fica cheia de si e não leva em conta que na próxima festa a rica senhora vai
usar outro vestido novo e ela vai acabar mofando esquecida no escuro do
armário. Pensando bem, nesta história toda, posso me considerar mais feliz. Eu
furo e fico. Eu desbravo e uno. E de tempos em tempos mudo de paisagem.
(do livro "Contos Medonhos" http://www.4shared.com/office/-sv9vduRce/Contos_Medonhos.html? )
muito bomm
ResponderExcluir