a tiracolo da vacuidade de meu dia
capturo o que me resta de ânimo e
me contorço pelas frinchas
da massa letárgica de automóveis
que entopem implacáveis
o espaço locomotivo
buracos borrados de asfalto e
alcanço o outro lado da calçada onde
arrastado por acachapante cotidianidade
busco em meu âmago força e
me imiscuo pelas frestas
da multidão de pessoas
replicantes permanentemente
avançando avassaladora
do espaço coalhado de prédios espetados
no chão não beijado pelo papa
chego ao condomínio e
me esgueiro numa réstia
do bloco de ocupantes do elevador que
não me apresenta nenhum rosto amigável
apesar de morar ali há mais de dez anos
no vigésimo me escafedo do antromóvel e
me espremo
pelo lusco-fusco do estreito corredor
para por fim escorregar
na solidão do cubículo batizado de lar
semi-ileso de corpo plenileso de mente
abro a janela da sala e respiro com peito apertado
o ar poluído de fim da tarde
depois a água morna do chuveiro
caindo na cuca quente
me faz sentir certo conforto
encorajador da procura de uma trinca
no monolítico mal-estar
a que a realidade me obriga
para por ela me infiltrar e tentar alcançar
um sentimento esperançoso
de que o viver humano poderia ser menos penoso
porém
constrito no exíguo espaço
o ingênuo pensamento sem demora
escorre pela nudez do real
arrastado pela espuma do sabonete
misturado à sujeira do corpo
para o chão do boxe
e daí para a tampa do ralo
onde flutua por instantes até ser lançado
através dos orifícios da tampa
para a fétida escuridão do esgoto
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