domingo, 29 de novembro de 2020

Barganha

 o mistério da morte não é maior que o mistério da vida

o ponto de chegada é o ponto de partida

e além desses pontos o nada

ao nascer fui colocado entre esses dois extremos coincidentes

sobrevivente a esmo a cada dia que passa  me reinvento


se por acaso num dado instante desse percurso possa ter 

a certeza intuitiva de que não sou o que meus pensamentos 

têm inventado para a pessoa que eu penso ser

e perceba que tenho caminhado às cegas por caminhos tortos

e se passe que meus passos têm sido passos de um morto

e olhe ao redor e enxergue a mais completa escuridão

e o medo se aposse de mim para ele busco urgente solução


da profundeza do meu terror invento deus como salvador

e no desamparo que me domina ouso realizar uma façanha 

propondo a ele sem o mínimo pudor uma descarada barganha


um ser humano na escuridão torna-se um criador e é

na escuridão das locas que são feitas as grandes trocas


para que não haja possibilidade de nenhuma desavença

proponho trocar minha redenção pela mais abstrusa crença


meu pensamento cego busca a fonte primária mais remota

para agigantar onde nada imagino existir antes força ignota

obediente à lei tão vasta transfigurada pela própria natureza  

milagre da transubstanciação em credo da mais pura incerteza


o milagre da cegueira de dizer sim eu creio

tenho tirado o pão da boca de meu irmão mas eu creio

nunca tenho feito um ato de bondade mas eu creio

sou prepotente vaidoso mesquinho ambicioso mas eu creio


não me importa compreender o inexprimível sentido de salvação 

abandono tudo o que é individual  para me agregar aos salvos

quero me salvar e para isso ofereço minha crença

eis a grande barganha que eu faço

o medo me leva a esse embaraço

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