domingo, 5 de julho de 2020

Pedra de toque

para se medir o grau de insanidade de uma pessoa
há um método infalível companheiro numa boa
de guru indiano com quem fui me aconselhar
pouco a pouco porém acabei por o abandonar
afinal tudo aquilo era mesmo muito complicado
então decidi me desmedir de um modo descarado
e cada dia que passa passo mais dos limites
sem dúvida sem conseguir saciar meus apetites
sigo assim meu caminho deste jeito horripilante
que apesar de tudo me faz continuar a ir adiante
embora concorde seja esta conduta inaceitável
nela sou assaz ditoso minha vida é agradável
e dela não pretendo assumir posição insurgente

certa vez ia eu por um rio que cria navegável
ali deslizavam cisnes negros de maneira amigável
quando a barcaça que me transportava começou
a balançar devido a ondas enormes e naufragou
soube depois ter sido obra de terríveis vendavais
saídos do fundo da água e extravagantes demais
quem me contou foram uns peixes de olhar estranho
tinham os olhos arregalados bigode cabelo castanho
estampavam nas faces rosadas risos sardônicos
e agitavam os carnudos rabos imaginei irônicos

dali fui assistir apesar de meu feitio antissocial
a um imprevisto entretanto bem-vindo funeral
em que foram proferidos intermináveis discursos
à beira da tumba desfiando todo o maravilhoso percurso
da vida exemplar do morto sem nenhuma negligência
de suas excelsas qualidades durante tardia existência
coroada com a demora em ir praquele buraco escuro
até as coroas começavam a murchar meu corpo a ficar duro
devido ao frio reinante e no ar já se sentiam putrefatos odores
um pouco mais o defunto ressuscitaria causando dissabores
fato que os oradores não percebiam provocando mal-estar geral

depois do enterro enfadonho o que me ocorreu foi quase um sonho
nesta vida tão dura nunca pensei viver ventura de tal envergadura
se é que assim posso ter a ousadia de chamar
melhor do que comer cereja direto no pomar
para a qual abri meio por inteiro meu coração combalido
fazendo o raio luminoso no cristal em sete cores fendido
fenômeno físico há muito conhecido naturalmente
me enamorar nesta idade não passava pela mente
ficar aqui cheio de cuidados com minha aparência
aos beijos e abraços pelas esquinas uma indecência

não tive força pra controlar e deixei desencadear
aqueles instintos carnais que são bons demais
reprimidos desde a mais tenra idade por vaidade
como se assim pudéssemos coibir os nossos erros
esforço inútil nem a fogo nem a ferro nem aos berros
eles somem e não me venham torcendo o nariz
que eu cá tenho uma tromba que não é de petiz
pra chegar até aqui fiz incontáveis malabarismos
tive de desenvolver destreza com os algarismos
 vi o zé erguer para em seguida arrefecer ora vamos
vocês sabem o que digo vocês também são do ramo

não era uma mulher qualquer era uma mulher
com agá maiúsculo digna das maiores homenagens
por ela desci do pedestal despi todas as roupagens
abandonei meu barco ao sabor do vento
nem percebi como passava rápido o tempo
quando dei por mim tinha me convertido

num perdido completo sem chance de remédio
e feliz imensamente feliz vacinado contra o tédio
esquecido daquele período amargamente vivido
do qual para ser franco bem pouco me orgulho
pra falar a verdade dele o que sinto é engulho
que procurei esquecer e passei a viver benquerido

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